O PT nas eleições e a profecia não cumprida
A situação do partido é ruim e impõe a necessidade de revisar suas táticas, retomar sua conexão com as maiorias através da organização e educação de base, e atribuir importância central à política feita além das urnas: a mobilização popular junto dos movimentos sociais contra o autoritarismo e o neoliberalismo
Não houve necessidade nem mesmo do encerramento da apuração para que analistas da mídia hegemônica começassem alardear a “morte do PT” nas eleições de novembro. Não é a primeira vez que essa narrativa surge no debate público. Ao longo de sua história, o partido deparou-se inúmeras vezes com narrativas semelhantes. Nos últimos cinco anos, no entanto, com a intensificação da Operação Lava Jato, o impeachment que removeu Dilma Rousseff da presidência da República e a prisão do ex-presidente Lula, o Partido dos Trabalhadores (PT) encara uma profunda crise e não foram poucos os escritores que incansavelmente prepararam o velório do maior partido de esquerda América Latina.
Para compreendermos melhor a realidade em processo é preciso abandonar paixões e olhar para os cenários com racionalidade. Assim, conseguimos evitar julgamentos com excesso de triunfalismo ou derrotismo. Para isso, trago alguns dados sobre o desempenho do PT com foco na disputa para os executivos municipais. Vejamos.
Em 2016, o PT recebeu 6.960.506 milhões de votos para prefeito em todos os municípios brasileiros e elegeu 254, sendo um em Rio Branco, capital do Acre. No mesmo pleito, participou do segundo turno em sete grandes cidades e perdeu em todas. Esse, certamente, foi um dos piores resultados da história do partido, que em 2012 havia mostrado enorme força eleitoral ao receber 17.582.104 milhões de votos e ao eleger 635 prefeitos, sendo quatro destes das capitais Rio Branco, João Pessoa, Goiânia e São Paulo. A diminuição representou uma perda de 60%.
Esse resultado veio um ano após a primeira prisão de um senador em exercício no Brasil, o petista Delcídio do Amaral; sete meses após a condução coercitiva de Lula, a divulgação de um grampo ilegal entre ele e Dilma e a prisão do ex-marqueteiro do PT, João Santana; dois meses após a consumação do processo de impeachment e durante o auge da operação Lava Jato, que investigava e condenava várias outras lideranças petistas.
Em novembro de 2020, o cenário que se apresentava era outro: passados quatro anos do traumático impedimento da presidente, a operação Lava Jato já se encontrava desgastada, sobretudo após os vazamentos publicados pelo The Intercept Brasil. Lula já estava fora da prisão e o PT fazia oposição ao governo de Jair Bolsonaro, que se mostrou incapaz de solucionar o desemprego de 14 milhões de brasileiros e combater a pandemia de Covid-19, impedindo a morte de 180 mil pessoas. Apesar dessas circunstâncias que favoreciam sua ofensiva, o partido não conseguiu recuperar sua força eleitoral e manteve um número de eleitores semelhante ao pleito de 2016, com 6.967.553 milhões de votos e 183 prefeitos eleitos – nenhum destes em capitais. O número de eleitores governados pelo partido também permaneceu o mesmo, apesar da redução no número de municípios conquistados: 4,4 milhões. Os gráficos abaixo, construído pelo professor e cientista político Alberto Carlos Almeida, ilustra isso.
Em 2020, o PT foi o partido que mais participou de segundo turnos em grandes cidades. Disputou 15 prefeituras nessa fase do pleito e ganhou em quatro. Ao compararmos com a disputa anterior, em 2016, é possível perceber um salto quantitativo de 810.578 mil votos para 1.890.378 milhões de votos de uma eleição para outra. Verifiquemos no gráfico abaixo.
Analisados fora do contexto político e social, os dados de 2020, em comparação com os de 2016, podem passar a impressão de que o PT vai muito bem. No entanto, analisados em contexto, é perceptível que o partido está fragilizado e precisa de novas táticas políticas e discursivas para enfrentar a profunda crise que ainda não acabou. Sem dúvida, os petistas não são mais hegemônicos na direção da esquerda brasileira. Porém, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ainda não reúne condições para substituí-lo.
O PSOL administrará, a partir de 2021, somente cinco cidades em um universo de 5.500 municípios. Uma delas, a capital Belém do Pará. O partido também não esboçou crescimento significativo no número de votos recebidos para prefeito: em 2012, foram 2.396.090 milhões; em 2016, foram 2.115.966 milhões e, em 2020, foram 2.236.273 milhões. Nas Câmaras Municipais, o PSOL possui apenas 89 representantes, apesar de representar um modesto crescimento com relação a 2016, quando elegeu 56 vereadores. Tenho acordo com a análise do professor e cientista político Luís Felipe Miguel, quando afirma que a esquerda não terá mais apenas um partido em sua direção, mas será “pluricêntrica”, algo que exigirá enorme capacidade diálogo e articulação.
Se o PT não vai bem, tampouco está morto, como profetizado por tantos analistas dos meios de comunicação tradicionais. O partido manteve o número de votos absolutos para prefeito, recuperou espaço em municípios médios e ampliou o número de vereadores em alguns centros urbanos, apesar da queda de 5% no número total de vereadores pelo Brasil. Isso não é pouco diante do que foi enfrentado pelo partido nos últimos anos.
Essa resistência do partido, que insiste em não morrer, nos diz muito sobre sua origem de classe, seu nascimento com a democracia brasileira e seu enraizamento na sociedade brasileira. O PT é o partido de esquerda mais nacionalizado. Está presente em 1965 cidades, é a sigla brasileira que possui o maior número de diretórios permanentes e conta com 2.400.037 milhões de filiados. A peculiaridade do petismo foi notada pelo historiador britânico Perry Anderson, quando apontou o PT como a maior organização de trabalhadores criada no mundo, após a Segunda Guerra Mundial[1].
O PT respira. Todavia, não é possível mascarar o difícil momento que o partido atravessa com uma retórica triunfalista. Tal atitude seria não encarar a realidade de frente e, como nos ensinou Antonio Gramsci, é preciso ter o “pessimismo da razão e o otimismo da vontade”. A situação do partido é ruim e impõe a necessidade de revisar suas táticas, retomar sua conexão com as maiorias através da organização e educação de base, e atribuir importância central à política feita além das urnas: a mobilização popular junto dos movimentos sociais contra o autoritarismo e o neoliberalismo.
Matheus Alexandre é cientista social e mestrando em Sociologia pela Universidade
Federal do Ceará
[1] Perry Anderson (2007). “Jottings on the conjuncture”. New Left Review, nº 48, 2007, pp. 5-37, p. 23