O que esconde o entusiasmo pela reindustrialização
A desindustrialização dos países centrais foi um puro produto neoliberal, um divórcio entre os interesses das classes superiores dos países que se beneficiam dos ganhos realizados pelas transnacionais e a economia territorial. A tentativa de reverter esse processo – reindustrialização −, contudo, não rompe esse modeloGérard Duménil e Dominique Lévy
O prolongamento da crise iniciada em 2008 levantou uma temática primordial nos debates: a desindustrialização dos países do “centro” do sistema mundial (Estados Unidos e Europa). O presidente norte-americano Barack Obama, em um ano de eleições, escolheu essa questãocomo uma das diretrizes de sua campanha (com a luta contra a indústria financeira, responsável pelo primeiro episódio da crise, e a questão das desigualdades).1 Uma palavra apareceu: insourcing,2 em oposição a outsourcing, ou seja, subcontratação. A ideia geral é restabelecer a produção industrial no território nacional; o que, na França, é chamado de “relocalização”.
Difícil duvidar da urgente necessidade de uma volta da indústria, após um deslocamento maciço da produção para os países periféricos. Podemos ver aí um modo de diminuir o desemprego e desacelerar o declínio – relativo – das economias centrais, mas também de evitar os desequilíbrios do comércio exterior. E estes têm uma importância particular no contexto atual da crise das dívidas soberanas, porque as instituições financeiras internacionais (os ditos “mercados”) condenam antes de tudo a acumulação dos dois déficits: o do orçamento e o do comércio exterior.
Lembremos em primeiro lugar que a desindustrialização é um processo mais amplo e antigo que a deslocalização. Para as economias centrais, a adesão ao neoliberalismo, no decorrer dos anos 1980, não significou uma ruptura radical. Nos Estados Unidos, a indústria manufatureira, que representava 26% do Produto Interno Bruto (PIB) nos anos 1960, caiu para 19% nos anos 1980 e para 11% em 2007, às vésperas da crise. A França apresenta cifras muito próximas; a Alemanha, mais elevadas, mas a baixa foi da mesma amplitude.3 Sabemos que tais tendências refletem uma modificação a longo prazo da estrutura do consumo em benefício dos serviços (ler o artigo de Laurent Carroué na pág. 26). É verdade que a deslocalização da produção para outras regiões do mundo caracteriza a globalização neoliberal.
Um fato decisivo, durante essas décadas, foi a estratégia industrial escolhida pelas grandes sociedades, que se tornaram transnacionais. A situação norte-americana mostra claramente uma primeira modalidade, a mais evidente: o investimento direto no estrangeiro, isto é, a compra ou a criação de filiais em outros países. No decorrer dos anos 1970, às vésperas da adesão ao neoliberalismo, os investimentos diretos no resto do mundo das sociedades não financeiras norte-americanas representavam 23% de seus investimentos físicos líquidos nos Estados Unidos. Durante a década que precedeu a crise (1998-2007), essa porcentagem havia subido para 81%, revelando uma vontade deliberada de produzir mais em outros lugares que em território nacional. O presidente Obama enfrentará as sociedades transnacionais, obrigando-as a colocar um fim a essa estratégia?
É verdade que atualmente, nos países periféricos, os custos dos salários por unidade produzida aumentam rapidamente e tendem a se equiparar aos dos Estados Unidos. Essa convergência é reconhecida pelo presidente norte-americano, que a atribui à alta dos salários na China. A revalorização da moeda chinesa é também discutida. Esse movimento é concomitante à baixa desses mesmos custos nos Estados Unidos, o que já leva empresas a repatriar suas atividades em alguns estados norte-americanos (Carolina do Sul, Alabama ou ainda Tennessee).4 A crise só acelerou essa tendência, que ressalta o “sucesso” da estratégia neoliberal, que opõe os trabalhadores dos países do centro aos dos periféricos.
A relocalização, com a qual o presidente pretende contribuir, seria a partir de então justificada em termos de rentabilidade. As empresas transnacionais não teriam, portanto, de fazer nenhum esforço (exceto o de tomar consciência dessa realidade!). Ainda mais porque o governo acompanharia o movimento, particularmente com reduções de impostos em favor das companhias que investissem no território nacional…
Em seu “Discurso sobre o estado da União”, em janeiro deste ano, Barack Obama apresentou seu plano para uma “América construída para durar”, afirmando que “a indústria automobilística norte-americana estava de volta”. De fato, se avaliarmos em 100 a produção de automóveis no país em 2007, às vésperas da crise, observamos que ela cai para 48 em junho de 2009: uma derrota da qual ela corre o risco de não se recuperar. Em dezembro de 2011, depois de um refinanciamento maciço do governo, ela voltou para um nível 84. Provavelmente se salvou, mas permanece ainda longe do valor inicial. Outras indústrias vão pior ainda, mas algumas, como a eletrônica, se saem melhor. Para o conjunto do setor manufatureiro, a mesma escala aponta uma queda para 80 em junho de 2009 e uma volta para 93 em dezembro de 2011. Melhora, certamente, mas não milagre. Os gritos de vitória saudando a retomada em marcha da indústria automobilística nos Estados Unidos, muito oportunos em um período eleitoral, poderiam se revelar prematuros, até mesmo otimistas.
Vistas da Europa, essas tendências remetem à comparação dos desempenhos das economias alemã e francesa. A Alemanha teria feito, dizem, a demonstração do caráter sustentável da globalização neoliberal apesar da concorrência dos países periféricos. A França estaria a reboque.
O ano de 2003 marcou uma ruptura. Antes dessa data, desde os anos 1960, as trajetórias industriais da Alemanha e da França eram rigorosamente paralelas; depois de 2003, abriu-se um distanciamento crescente entre as duas indústrias. Entre 2003 e o início da crise, em 2007, a produção industrial francesa aumentou apenas 4%, contra 20% da produção da Alemanha. Mas devemos logo ressaltar que só nos referimos aqui ao crescimento do setor industrial.
A despeito do que se martela constantemente na mídia, a economia alemã não cresce mais rapidamente do que a francesa: no decorrer do mesmo período, o PIB dos dois países aumentou praticamente no mesmo ritmo. Basta olhar o Japão, cuja estratégia industrial lembra a da Alemanha, com uma forte progressão da produção industrial (18% sobre o mesmo período de 2003-2007), mas cuja economia está comprometida por uma trajetória longa de estagnação.
Deparamos aqui com a questão salarial. Um mecanismo essencial foi a pressão exercida, na própria Alemanha, sobre os custos salariais (salários e benefícios sociais). Ela foi particularmente forte e concentrada nos salários mais baixos. A parte dos trabalhadores considerados “de baixos salários” nesse país não parou de aumentar desde o final dos anos 1990, manifestando uma segmentação crescente entre os assalariados5 – é preciso com certeza ligar essas evoluções à alta espetacular do número de trabalhadores “independentes” na Alemanha, outra forma de divisão e de precarização do trabalho. Os benefícios sociais foram severamente reduzidos às vésperas da crise. A França também foi afetada por uma desaceleração do aumento das despesas com salários, mas em proporções menores: o salário real médio6 aumentou 3,5%, enquanto na Alemanha diminuiu 1,5% entre 2003 e 2007.
Essa pressão se combinou na Alemanha a práticas difundidas de subcontratação de empresas estrangeiras, principalmente na Europa Central. Contrariamente, na França, desde o início dos anos 1990, as grandes corporações adotaram opções similares às das empresas dos Estados Unidos: o investimento direto no estrangeiro. Dir-se-ia que o resultado é o mesmo, mas o funcionamento da indústria alemã sugere que não é bem assim: essa estratégia parece preservar a localização do coração da atividade no território nacional. Ela tem sido, em todo caso, associada ao crescimento do saldo do comércio exterior. Desde 2003, quando a separação das trajetórias se afirmou entre as duas economias, o saldo alemão aumentou significativamente (até 7% do PIB em 2007), enquanto o déficit francês aumentava em paralelo (2% no mesmo ano). O movimento é ainda mais impressionante na medida em que o saldo do comércio exterior francês era, em média, superior (em porcentagem do PIB) ao observado na Alemanha nos anos 1990 (respectivamente 1,2% e 0,5%).
Qualquer que seja a diversidade das experiências nacionais, os processos de desindustrialização e de reindustrialização devem ser compreendidos como engrenagens das mecânicas neoliberais. A desindustrialização, ou seja, a deslocalização da produção foi um puro produto dessa ordem social, a expressão de uma forma de divórcio entre os interesses das classes superiores dos países que se beneficiam dos ganhos realizados pelas empresas transnacionais, de uma parte, e a economia territorial dos países, de outra parte. Para estas, o lugar onde os lucros são realizados pesa pouco diante do tamanho dos benefícios. As coisas foram aparentemente mais bem geridas nesse ponto de vista na Alemanha, mas, como nos Estados Unidos, o preço a pagar pelos assalariados foi considerável – exceto para os estados-maiores de gestão das empresas, cuja aliança com os proprietários das corporações é um dos pilares do neoliberalismo.
Enquanto o quadro neoliberal geral, em todos os seus aspectos7 – hegemonia das classes capitalistas e das instituições financeiras, adesão dos quadros gerenciais e administrativos aos objetivos neoliberais, financeirização e globalização –, não for questionado pelo que poderíamos chamar, pensando nos Estados Unidos do pós-guerra, “de uma repressão financeira”, todas as tentativas para lutar contra o processo de desindustrialização, qualquer que seja seu grau de sucesso, são regressivas e continuarão a ser. Elas questionam o que resta das conquistas populares das décadas anteriores, sem contribuir claramente para o restabelecimento do crescimento e para a restauração do emprego.