O que está em jogo no xadrez ucraniano - Le Monde Diplomatique

UCRÂNIA

O que está em jogo no xadrez ucraniano

Acervo Online | Ucrânia
por Jean-Marie Chauvier
1 de janeiro de 2005
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Os projetos eurasianos de Putin, sua retomada dos programas de armamento nuclear, o reexame das privatizações “ilegais” dos anos 1990 são sinais do vigor da Rússia e de sua “capacidade de prejudicar”, diante do qual a revolução laranja da estratégica Ucrânia, irrigada de dólares norte-americanos, veio bem a calhar

“A extensão da órbita euro-atlântica torna imperiosa a inclusão dos novos Estados ex-soviéticos independentes, em especial a Ucrânia”. O estrategista norte-americano Zbigniew Brzesinski, ex-conselheiro do presidente Carter para a segurança, predissera e preparara a rejeição da potência russa que está em curso atualmente, devendo a Ucrânia desempenhar um papel decisivo1. Chegamos agora a este ponto. A alteração geopolítica que se inicia seria a mais importante desde a desintegração da URSS e da Iugoslávia. Consistiria em fazer passar para o campo euro-atlântico um país mais extenso do que a França, de 48 milhões de habitantes, dotado de uma rede de oleodutos de excelente desempenho e de um gasoduto por onde passa 90% do gás siberiano para a Europa. A execução desse projeto, a “revolução laranja” ocorreu na capital Kiev, e na parte oeste do país, em resposta às “fraudes maciças” ocorridas na eleição presidencial de 31 de outubro e 21 de novembro de 2004.

Os efeitos combinados desse levante popular e do apoio dos Estados Unidos, da União Europeia e da mídia internacional quase unânime reforçaram a vitória, no terceiro turno, de Viktor Yushchenko, dirigente da coalizão liberal-nacional. Em meados de dezembro, a onda laranja propagou-se até mesmo nas regiões do Leste e do Sul, bases do candidato do governo e vencedor oficial do segundo turno, o primeiro ministro Viktor Yanukovich. Russófonas, russófilas e industriais, essas regiões não se mobilizaram ativamente em prol de seu candidato: reinava a desconfiança para com as práticas de um regime corrupto. O Partido Comunista de Piotr Simonenko, marginalizado, mas influente, recusou o alinhamento com um dos dois blocos, tanto um como o outro dirigidos, aos olhos de muitos trabalhadores, por “oligarcas que se enriqueceram escandalosamente com as privatizações”.

A solidariedade do Leste e do Sul, mais do que uma adesão ao governo, exprime os interesses de camadas populares que têm medo do fechamento de minas e de empresas em caso de liberalização radical e temem o nacionalismo oeste-ucraniano. Aqueles que pretendem “ficar do lado do mais forte” prepararam-se, aliás, para a eventualidade do reino de Viktor Yushchenko. Mas a orientação “euro-atlântica” encontra sólidos obstáculos: o peso de Moscou – o gás, as dívidas de petróleo ucranianas, o nuclear – e o fato de que as regiões orientais garantem a maior parte da renda do país. Sem falar do caso específico da Criméia, já autônoma, e da base naval russa de Sebastopol. O candidato do Oeste está muito consciente disso: é impossível uma “vitória total”.

“Revolução laranja”

A mídia ocidental, mobilizada a favor da causa, permaneceu discreta sobre o papel de orientação de uma vasta rede de instituições e de fundações norte-americanas

Desde então, como constata um estudo norte-americano, “a derrota da Rússia não é completa” 2. Engajada no sub-gerenciamento da crise, a União Européia não desejava que o sinal laranja provocasse incêndio no rio azul de “seu” gás natural. Impõe-se a busca de um compromisso, se se quiser evitar um cenário mortífero. O confronto laranja ocorreu, portanto, no momento propício. Um Estado ucraniano deliqüescente, uma sociedade destruída pela miséria, esgotada pela emigração, social e culturalmente fracionada, o desprezo para com os hábitos criminosos que marcaram, aqui como na Rússia, a partilha da propriedade e do poder: havia ali uma oportunidade de desestabilização, abrindo para os Estados Unidos e a OTAN um caminho mais largo no tabuleiro eurasiano. Havia aliás, urgência: sobre um fundo de retomada econômica, tanto na Ucrânia como na Rússia despontava o início de um novo “mercado comum” euro-asiático, por iniciativa de Moscou.

A “revolução laranja” foi preparada há muito tempo. A administração Bush teria gasto 65 milhões de dólares a favor de Viktor Yushchenko3. O pontapé inicial da “revolução” foi dado em 17 de fevereiro de 2002, em Kiev. No âmbito da prestigiosa fundação de Soros4, a ex-secretária de Estado (dos Estados Unidos), Madeleine Albright, convidou os representantes de 280 ONG da Ucrânia a contestarem o atual governo e a vigiarem a realização das eleições parlamentares de março. A tecnologia da “revolução da rosa” foi experimentada na Geórgia.. Em 30 de janeiro de 2004, no fórum de Davos, a presidente do National Democratic Institute of the USA designou a Ucrânia, mas também a Colômbia, a Nigéria e a Indonésia como as “quatro democracias chave” do futuro próximo.

A crise ucraniana coincidiu com outros acontecimentos que têm em comum o fato de enfraquecer a Rússia e de figurar nas rotas do petróleo e do gás (ou ao lado delas)

Em 21 de fevereiro, ainda em Kiev, seduzindo com as perspectivas de adesão rápida da Ucrânia à União Européia e à Otan, Madeleine Albright fez alusão à carta do presidente George W. Bush, de 4 de agosto de 2003, impondo a Leonid Kuchma não mais ambicionar qualquer mandato presidencial ou oficial5. “O salvamento da democracia na Ucrânia”, exigiu ela em março, deve fazer parte “da mesma agenda que sua promoção no Oriente Médio”. Anunciou que, no caso de haver eleições fraudulentas, não só a Ucrânia seria punida, mas seus dirigentes seriam privados “de suas próprias contas bancárias e de privilégios de vistos” 6. A mídia ocidental, mobilizada a favor da causa, permaneceu discreta sobre o papel de orientação de uma vasta rede de instituições e de fundações norte-americanas. Estas, no entanto, orgulharam-se disso: não seria sua missão a de difundir por toda parte a Democracia?

Os alvos de suas campanhas foram bem coordenados: regimes corruptos e suas fraudes eleitorais. Indignação seletiva, é claro: os presidentes Yeltsin, Putin, Chevarnadze ou Kotchma foram poupados enquanto eram úteis, como o são ainda no momento atual os regimes autoritários do Azerbaijão, que detêm o controle do petróleo do Mar Cáspio e de oleodutos “ocidentais” estratégicos, ou do Turcomenistão, das reservas de gás.

Barril de pólvora caucasiano

O filme de faroeste colorido de nossas telas de televisão, em que se enfrentam o bom pró-ocidental e o mau pró-russo Viktor Yanukovich, prossegue aparentemente na cândida inconsciência do roteiro do pior que não se pode excluir: o deslocamento da Ucrânia. A tal ponto que Jacques Attali, presidente do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BERD), exorta os europeus a se lembrarem do “desastre iugoslavo” 7.

Em setembro de 2004, num apelo ao endurecimento para com Moscou, Madeleine Albright e o ex-presidente tcheco Vaclav Havel, seguidos por numerosas personalidades de todas as tendências, curiosamente não disseram nem uma palavra sobre a guerra da Tchetchênia (da qual todo o mundo falava logo depois do sequestro dos reféns da escola de Beslan, no começo de setembro), mas apresentaram um tema novo, o das ameaças russas à “segurança energética da Europa” 8. Discurso em código, mas revelador do que, na verdade, está em jogo.

As derrotas geopolíticas de Vladimir Putin, bem como a crise demográfica e social na Rússia incitam certos analistas da CIA a prever uma desagregação da Rússia nos próximos dez anos

A crise ucraniana coincidiu com outros acontecimentos que têm em comum o fato de enfraquecer a Rússia e de figurar nas rotas do petróleo e do gás (ou ao lado delas): readaptação de “corredores energéticos” destinados a retirar sua exportação dos esquemas russos, tentativas repetidas de pôr fogo no barril de pólvora caucasiano. Ao Norte, na Tchetchênia, a guerra russa e o terrorismo dos radicais competem na escalada da barbárie. A tragédia de Beslan, no país dos ossetas cristãos, acrescentou um elemento religioso incendiário à fornalha. O vizinho Daguestão multi-étnico está ameaçado de entrar nela. Ao Sul, os conflitos separatistas preparam-se na Geórgia (Abkházia, Ossétia do Sul) e no Azerbaijão, em confronto com a Armênia no Alto Karabagh.

Enfraquecimento da Rússia

As derrotas geopolíticas de Vladimir Putin, bem como a crise demográfica e social na Rússia incitam certos analistas da CIA a prever uma desagregação da Rússia nos próximos dez anos9. Esta é imaginada por Zbiegniew Brzezinski sob a forma de desejável “confederação” de três estados russos desde 199710 – uma Rússia europeia, uma república da Sibéria e uma outra do extremo oriente – e a desagregação do norte caucasiano russo em 2004.

A Otan poderia ser levada a intervir, já que as repúblicas do Norte do Cáucaso são, segundo Brzezinski, “pequenos enclaves étnicos (…) que continuam sob dominação russa” 11. O co-fundador da Trilateral (clube formado por dirigentes norte-americanos, europeus e japoneses) explicita os fins e os meios de uma estratégia da qual a Europa deveria ser o principal intermediário: impedir a Rússia de voltar a ser uma potência, colonizar a Sibéria, dominar os recursos energéticos. São as questões que estão em jogo numa nova guerra fria, que tem seus antecedentes no conflito do Kosovo.

A partir de 1989-1991, o desaparecimento do “bloco socialista” supunha a reintegração de seu espaço ao sistema capitalista. Esta ocorreu num mundo transformado: globalização dos mercados, papel chave das firmas transnacionais, hegemonia dos Estados Unidos, predominância da ideologia neoliberal. Nesse contexto, os ex-países do Leste são convocados a desempenhar papéis precisos: fornecedores de mão-de-obra barata, de cérebros e de savoir-faire, de alguns belos restos de indústrias aeroespaciais. Ao abrir seus mercados aos produtos competitivos do mundo exterior, eles deveriam sobretudo extrair e encaminhar energia para a “tríade” Estados Unidos, Europa, Japão e China12.

Os Estados provenientes da URSS encaram essa integração com armas desiguais. A Rússia de Boris Yeltsin, a mais bem provida de hidrocarburetos exportáveis, a mais “respeitável” enquanto potência nuclear, a mais decidida a iniciar a terapia de choque liberal, obtém naturalmente a prioridade dos favores ocidentais. A Ucrânia de Leonid Kravtchuk, desprovida de todas essas qualidades (ela aceitou ser desnuclearizada) só poderia ser negligenciada. O presidente Georges Bush pai não a aconselhara a moderar seu “nacionalismo suicida”?

Valor estratégico agregado

É um regime de clãs, herdado da época soviética, que governa as relações industriais na Ucrânia. Um clã reina em Donbass, um outro um Dniepropetrovsk, um terceiro em Kiev

Foi posteriormente que se revelaram as vantagens de uma Ucrânia separada da Rússia e mobilizada contra ela. Corredor energético, via de penetração do Ocidente no interior e nos limites meridionais da Rússia, à beira do Mar Negro, vizinha do Cáucaso e da bacia do Mar Cáspio: é um alto valor agregado em termos estratégicos.

Ora, o desmembramento da URSS foi proveitoso para a Rússia que se tornou soberana, na medida em que ela deserdou a Ucrânia independente. Esta perdeu a vantagem da energia com preços soviéticos. O petróleo e o gás lhe são vendidos com cotações mundiais. Em pouco tempo, pressionada pelas dívidas, a Ucrânia negociou-as contra participações russas em suas empresas. Ora, os dois países têm necessidade de sinergias para reconstituir cadeias tecnológicas deslocadas em 1990-1991. Depois de uma década de derrocada – mais da metade do produto interno bruto a menos – e de pauperização absoluta para a maioria da população, a Ucrânia passou por uma retomada de crescimento e de investimentos, ao mesmo tempo que a Rússia.

O Kremlin, portanto, não estava desprovido de trunfos, nem de aliados. Seus amigos ucranianos não são seus vassalos. Em 2004, o governo de Kiev preferiu, em vez da apropriação russa do gasoduto, uma co-gestão russo-ucraniana. Viktor Yanukovich teria recusado, por ocasião de recentes privatizações, tanto os avanços russos quanto as ofertas norte-americanas, privilegiando um grupo do Leste da Ucrânia.

Na verdade, é um regime de clãs, herdado da época soviética, que governa as relações industriais. Um clã reina em Donbass, um outro um Dniepropetrovsk, um terceiro em Kiev.

As práticas nepotistas e mafiosas não deixaram de ser difundidas a Oeste, embora de forma diferente. O banqueiro Viktor Yushchenko cuida dos investidores ocidentais. Sua parceira, Iulia Timochenko, teria desviado, em proveito próprio, alguns fluxos de gás siberiano. Mas, também no Oeste, as tecnologias russas foram escolhidas para novas centrais nucleares. Foi nesse contexto que se implementou um Espaço econômico único – Rússia, Belarus, Ucrânia, Cazaquistão -“alternativo” em relação à União Européia. Desde 1999, a Rússia multiplicou as iniciativas industriais, petrolíferas, militares, comerciais, visando a restaurar seu poderio e a opor-se à penetração norte-americana no espaço ex-soviético.

Limite a Putin

Os projetos eurasianos do presidente Vladimir Putin, sua retomada dos programas de armamento nuclear, seu controle de certos oligarcas do petróleo, o reexame das privatizações “ilegais” dos anos 1990 são outros tantos sinais do novo vigor da Rússia e de sua “capacidade de prejudicar”. A crise da Ucrânia foi a oportunidade de faz entender a Putin que ele ultrapassou os limites. Ora, o presidente russo tornou-se mais seguro de si. Deixando de lado sua proverbial prudência, acusou, sem dizer o nome, os Estados Unidos – seus “aliados estratégicos” a partir do 11 de setembro de 2001 – de “ditadura” nas questões internacionais e de vontade unipolar. Ideólogos anti-ocidentais, como Alexandre Douguine, preconizam uma escolha “eurasiana” para a Rússia. A guerra fria que se iniciou não tem o sentido de um confronto de sistemas opostos como o foi outrora. É um “capitalismo em potencial” – a Rússia – que se procura enfraquecer por meio de um outro – a Ucrânia – muito menos engajado na via liberal desejada, mesmo que as querelas ideológicas persistam e envenenem as relações entre Moscou e Kiev, entre Donetsk (a Leste da Ucrânia) e Lvov (a Oeste da Ucrânia).

Os combatentes da OUN (Organização dos Nacionalistas Ucranianos), colaboradores da Alemanha de Hitler, para os soviéticos, cúmplices do genocídio nazista, estão parcialmente reabilitados em Kiev

No momento em que se desencadeou a “revolução laranja”, um semanário cultural russo foi publicado, tendo na primeira página uma fotomontagem que mostra uma fileira de supostos deputados europeus liliputianos atacando os Gulliver do exército vermelho de uniformes da guerra de 1941-1945. Na página 2, vê-se a imagem de manifestantes do Leste ucraniano exibindo um cartaz: “Não à Banderovchtchina13“. Qual é a mensagem? A vitória sobre a Alemanha nazista em 1945, para cuja celebração do aniversário de 60 anos, em 9 de maio de 2005, os soviéticos se preparam, seria menosprezada no Ocidente, no Parlamento Europeu14, e criticada no Oeste ucraniano. É a revanche do “chefe fascista Bandera15“.

É preciso dizer que russos e ucranianos não leem mais os mesmos livros de história. Os combatentes da OUN (Organização dos Nacionalistas Ucranianos), colaboradores da Alemanha de Hitler e cúmplices do genocídio nazista, para os soviéticos, estão parcialmente reabilitados em Kiev. O Exército Insurrecional Ucraniano (UPA) e Stepan Bandera são apresentados como patriotas “nazistas e stalinistas” 16. Na Galícia e em Ivano-Frankovsk, a revisão do passado chega até a prestar homenagem à divisão SS “Galícia”. O Centro Cultural russo de Lvov foi maculado por suásticas e slogans anti-semitas, a denúncia dos moskali-Kike (judeus comunistas alinhados a Moscou) volta a ser atual. Yushchenko, apoiado, no entanto, por determinados partidos de extrema direita, distanciou-se dos mais radicais, nostálgicos dos SS.

Questões de memória

Oficialmente, no regime de Leonid Kuchma, tanto se celebrou os altos feitos do exército vermelho como se reabilitou seus adversários nacionalistas do movimento de libertação nacional diante de um regime stalinista acusado do “genocídio do povo ucraniano” por ocasião da escassez de alimentos de 1932-1933.

Nessas questões de memória e de reconquista dos espíritos, um papel essencial, explica o historiador ucraniano Taras Kuzio, é desempenhado pela diáspora da América do Norte – principalmente originária da Galícia e politicamente muito influenciada pelas diversas facções da OUN, que excluindo-se uma minoria fascistizante, é dedicada à causa da democracia. Depois de 1991, na Ucrânia, ela investiu amplamente nos setores da educação, da cultura e da mídia. Seu proselitismo é notável, comparado ao vazio ideológico da ex-nomenklatura17.

A renovação da “ideia ucraniana” rivaliza com o enorme atrativo do Ocidente junto à juventude, que se afasta tanto do passado da URSS como do presente da Rússia

A renovação da “ideia ucraniana” rivaliza com o enorme atrativo do Ocidente junto à juventude, que se afasta tanto do passado da URSS como do presente da Rússia. O intelectual russo nacional-conservador Alexandre Tsipko18 lamenta a perda de “Rússia histórica” na Ucrânia oriental e meridional, mas reconhece no Centro e a Oeste o surgimento de uma “nova nação política”. Uma geração aí cresceu que não conheceu a comunidade soviética e não vive, como o Leste ucraniano, em simbiose com a Rússia atual. Foi essa geração que se viu nas praças de Kiev. A Rússia e o Leste ucraniano só poderia se aproximar dela optando por uma liberalização mais radical. Os liberais russos esperam que haja um “contágio laranja” entre eles. Politicamente desagregado na Rússia, o partido da União das forças de direita veio saudar em Kiev, pela voz de seu líder Boris Nemtsov, a vitória de seus aliados de Nossa Ucrânia. E denunciar com virulência seu próprio país como líder de Estados delinquentes.

Desagregação iniciada

Neste início de 2005, a batalha continua para as eleições legislativas de 2006. A recomposição política será ainda mais determinante, na medida em que a reforma constitucional desejada pelo presidente Leonid Kuchma, recusada pelos “laranja” e seus patrocinadores norte-americanos, foi finalmente votada na Rada (Soviete) Supremo em 8 de dezembro, com a anuência de Yushchenko, em troca de garantias quanto à “honestidade” da eleição de 26 de dezembro e de um relativo afastamento de seu rival Yanukovich, obrigado a abandonar seu cargo de primeiro-ministro. Essa reforma deveria, em princípio, levar à substituição do atual regime presidencialista por uma democracia parlamentar.

Ao mesmo tempo, foi relançado o debate sobre a eventual federalização do país. Mas a desagregação já começou. Plural e divisível, será que ela saberá se preservar em um novo modus vivendi?

A crise ucraniana suscita outras questões. Que vantagens teriam a Europa e a Ucrânia em se aproximar, para atuar contra a Rússia, em vez de atuarem juntamente com ela? Em que seriam beneficiadas por uma guerra fria preparada além-Atlântico com escalas em Praga, Riga e Varsóvia? Poderia aliás a União Européia cumprir as promessas de integração rápida de Madeleine Albright?

Diante de desestabilizações em que não tem evidentemente nenhum interesse, será que o Kremlin vai continuar a deixar que se oponham a seus projetos, mendigando um lugar secundário… e investimentos que lhe são indispensáveis, sobretudo para manter a renda do petróleo? Seria surpreendente que a crise ucraniana não fosse seguida de sérias repercussões em Moscou.

(Trad.: Regina Salgado Campos)

1 – Zbigniew Brzezinski, Le vrai choix, Odile Jacob, Paris, 2004, p. 141.

2 – Peter Zeihan, “Russia, After Ukraine”, 10 de dezembro de 2004, www.stratfor.com

3 – Mat Kelley, Associated Press, 11 de dezembro de 2004.

4 – International Renaissance Foundation (IRF) declara ter gasto, para suas obras, entre 1990 e 1999, 50 milhões de dólares.

5 – Zerkalo Nedeli, Kiev, 28 de fevereiro – 2 de março de 2004, www.obozrevatel.com

6 – New York Times, 8 de março de 2004.

7 – Le Figaro, 7 de dezembro de 2004. Debate com Hélène Carrère d?Encausse.

8 – “Cessons d?embrasser Poutine”, Le Monde, 30 de setembro de 2004.

9 – The Independant, Londres, 30 de abril de 2004.

10 – Zbiegniew Brzezinski, Le Grand échiquier, Bayard, Paris, 1997.

11 – Zbiegniew Brzezinski, Le Grand Choix, Odile Jacob, Paris, 2004, p.135

12 – “Quelle place pour la Russie dans le monde ?”, in “Les guerres antiterroristes”, Contradictions, Bruxelas, 2004.

13 – Do nome de Stepan Bandera, ex-chefe da OUN (Organização dos Nacionalistas Ucranianos), invocado pelo Exército Insurrecional Ucraniano (UPA) a partir de 1942.

14 – Deputados do Parlamento Europeu conclamaram ao boicote das cerimônias que marcam, em 9 de maio de 2005, em Moscou, o 60o. aniversário da Vitória sobre a Alemanha nazista.

15 – Literaturnaïa Gazeta, 1 – 7 de dezembro de 2004.

16 – Ler de Bruno Drweski et allii: “L?Ukraine, une nation en chantier” in La Nouvelle Alternative, n° 36, dezembro de 1994, e para os pontos de vista da historiografia ucraniana recente, Mykola Riabtchouk De la “Petite-Russie” à l?



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