O apoio de Bolsonaro entre os evangélicos parece ter ganhado fôlego novo. Segundo a última pesquisa Genial/Quaest, divulgada dia 11 de maio, 47% dos evangélicos têm a intenção de votar em Bolsonaro no primeiro turno contra 30% em Lula. É a primeira vez que o presidente retoma a preferência do público evangélico desde o ano passado.
Nos últimos seis meses, a aprovação do presidente subiu nada menos que dezessete pontos percentuais entre os evangélicos, o que indica uma significativa recuperação de popularidade em um de seus principais bastiões eleitorais. Os dados impressionam, pois nem mesmo os escândalos recentes no MEC envolvendo o então ministro Milton Ribeiro com pastores da Assembleia de Deus foram capazes de arranhar o alinhamento do presidente com esse segmento.
Em contrapartida, Lula, que até novembro era tido como favorito nesse grupo (com 39% das intenções de voto), hoje aparece com 9 pontos a menos.
O que explica a recuperação de Bolsonaro entre os evangélicos? Alguns aspectos precisam ser levados em conta. Em primeiro lugar, o fator pandemia: de fevereiro para cá, a aprovação negativa do governo caiu 5% (de 51% para 46%), em boa medida influenciada pela melhora do cenário pandêmico.
O fator político também parece favorecer o presidente. Nas últimas semanas, setores mais radicais do bolsonarismo voltaram a movimentar as redes sociais diante das ações do STF, principalmente sobre o caso Daniel Silveira. As aparições de Michelle Bolsonaro também parecem contribuir para o aumento da confiança das intenções de voto no presidente. Na mídia, a primeira-dama tem demonstrado grande articulação com evangélicos, gerando uma ideia de representatividade, como por exemplo, as imagens do culto no Congresso em comemoração ao Dia das Mães.
Por outro lado, a fala polêmica de Lula favorável ao aborto joga água no moinho da narrativa conspiratória dos conservadores. Isso porque o assunto ainda é demasiadamente delicado para o eleitorado evangélico: 62% desse público afirmou que consideraria mudar de voto caso o seu candidato se posicionasse a favor do aborto.

Mesmo com a recuperação de Bolsonaro nas pesquisas, Lula ainda é o favorito nas intenções gerais de voto (46% contra 31%). O fator econômico parece ser o aspecto decisivo, tendo em vista que 50% do eleitorado brasileiro considera a economia o principal problema a ser enfrentado. Não é por acaso: de acordo com a pesquisa, 59% dos brasileiros não tem conseguido pagar as suas contas nos últimos meses, reflexo da inflação acelerada nos últimos meses.
Problemas esses que afligem de forma especial o público evangélico. Os evangélicos estão entre as religiões que mais concentram trabalhadores informais e pessoas de baixa renda (quase dois terços dos cristãos evangélicos ganha até 1 salário-mínimo), populações que mais estão sofrendo os efeitos perversos da crise econômica como o desemprego, o peso da inflação nos alimentos, habitação e transportes, além da diminuição no auxílio emergencial.
A grande questão do momento é como o candidato petista tentará converter os corações e mentes do eleitorado evangélico. Não será uma tarefa fácil. Afinal, é preciso lembrar que pelo menos desde 2014 os evangélicos têm incorporado a tese antipetista ao discurso religioso, ao eleger o “petismo” e a “esquerda” como “inimigos do povo de Deus”, numa espécie de síntese de todos os problemas da nação.
E aqui se mistura de tudo: desde as denúncias de corrupção do Mensalão e da Operação Lava Jato até as teorias conspiratórias do “marxismo cultural” e “ideologia de gênero”. Enfim, todo um bombardeio ideológico que foi e tem sido fartamente utilizado pelas lideranças evangélicas a fim de impossibilitar qualquer aproximação entre os fiéis e pautas de esquerda, limitando assim a atuação do PT.
Para além disso, é preciso observar que a queda de popularidade de Lula entre os evangélicos é também resultado de uma certa resistência de alguns setores progressistas em dialogar com esse público religioso. Para alguns, a questão religiosa deveria ser relegada a uma discussão secundária em favor de pautas mais “caras” e “estratégicas”, como a política econômica.
Se falta sensibilidade na esquerda para dialogar com essa parte do eleitorado, não falta esforço por parte da direita em tentar manter esse grupo unido. Prova disso é a força com que a tese de “guerra espiritual” voltou aos círculos conservadores, como se o governo Bolsonaro fosse uma espécie de único defensor do cristianismo, enquanto os seus críticos e opositores seriam, na verdade, enviados (ou enganados pelo) maligno para destruir os pilares da civilização judaico-cristã. Se o campo progressista não disputar a narrativa religiosa acerca de quem seria o verdadeiro inimigo de Deus (e do povo), é muito provável que tenhamos nas eleições de outubro um Bolsonaro mais evangélico e antiesquerdista.
Rafael Rodrigues da Costa é sociólogo, mestre em Ciências Sociais pela Unifesp e pesquisador visitante da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Leandro Ortunes é doutor em Ciência Sociais pela PUC-SP e membro do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política da PUC-SP (NEAMP).