O quebra-cabeça norte-americano em Mossul
Devastadoras, as guerras no Iraque e na Síria implicam cada vez mais as potências estrangeiras. Após hesitar por muito tempo, Washington finalmente deu sinal verde para o Exército iraquiano e seus aliados retomarem o controle de Mossul, grande cidade do país comandada pela Organização do Estado Islâmico desde 2014Akram Belkaïd
O Iraque só vai renascer quando Mossul for libertada. Devemos nos apressar para atingir esse objetivo.” Assim falava o primeiro-ministro Haidar al-Abadi em setembro de 2014, após ter obtido o voto de confiança do Parlamento iraquiano para formar um governo de unidade visando desmontar a Organização do Estado Islâmico (OEI). De adiamento em adiamento, seria preciso esperar mais de dois anos para que ele anunciasse enfim o lançamento do “ataque vitorioso” destinado a desalojar a OEI da cidade, que caíra nas mãos da organização em junho de 2014. Nos Estados Unidos, Barack Obama saudou isso como um “passo decisivo para a destruição total” das forças jihadistas e estimou que a retomada de Mossul permitirá ao Iraque reencontrar sua coesão. Uma coesão seriamente prejudicada, é preciso lembrar, por uma guerra (1991) e por mais de uma década de embargo (1990-2003), depois por uma invasão e uma ocupação militar (março de 2003 a dezembro de 2011).
O discurso voluntarista do presidente norte-americano não consegue ocultar diversas preocupações quanto à evolução da situação na província de Nínive. Os estrategistas do Pentágono duvidam da capacidade do Exército iraquiano de conseguir seu objetivo com rapidez. Eles não se esqueceram de que em 2014 suas tropas, nitidamente superiores em número, se retiraram da cidade sem combater, deixando seu armamento pesado nas mãos dos jihadistas.
Nos dois últimos anos, os Estados Unidos ajudaram Bagdá a acelerar a reorganização do Exército, com a constituição de unidades especiais treinadas nos combates urbanos. Al-Abadi assegura que o necessário foi feito em matéria de formação e que o Exército iraquiano quer revanche. Por prudência, Obama avisou que a batalha seria “difícil e marcada por avanços e reveses”. Em questão está o sucesso de seu díptico estratégico: nenhuma presença em solo senão a dos conselheiros e formadores das tropas iraquianas, mas um uso intensivo da aviação para enfraquecer o inimigo jihadista e ter como alvo sua cadeia de comando. De fato, as operações terrestres são conduzidas pelo Exército e pela polícia iraquiana, apoiados por diversas forças adicionais, entre as quais milícias xiitas e os pehsmergas do Partido Democrático do Curdistão (PDK). Essas forças recebem conselhos de diversos especialistas estrangeiros (norte-americanos, franceses, britânicos, iranianos etc.) e o apoio dos ataques aéreos da coalizão internacional contra a OEI.
Além de recolocar a questão de um envolvimento terrestre norte-americano, uma nova derrota do Exército iraquiano – ou sua incapacidade de vencer rapidamente – teria por consequência permitir que outros atores armados se impusessem. Isso vale sobretudo para as diversas milícias e grupos paramilitares xiitas, os quais Washington não quer que sejam os primeiros a penetrar em Mossul, cidade onde uma ampla maioria da população é de orientação sunita.
De fato, quando dos combates precedentes no “triângulo sunita”, a retomada de cidades e vilarejos das tropas da OEI deu lugar a atos de violência contra as populações civis, acusadas por essas milícias – entre elas o Hachd al-Chaâbi, mantido financeiramente pelo Irã – de terem acolhido os jihadistas com os braços abertos. A Anistia Internacional apresentou provas de execuções sumárias, torturas e detenções abusivas contra os sunitas em junho de 2016 em Faluja. Para impedir violências semelhantes em Mossul, os Estados Unidos exigiram de seu aliado iraquiano que as milícias permanecessem em segundo plano. De fato, uma “libertação” de Mossul seguida por ajustes de contas e execuções sumárias tendo por fundo a rivalidade sectária agravaria o passivo norte-americano na região, no momento em que Washington censura Moscou em razão dos bombardeios de civis em Alepo.
De seu lado, a ONU se coloca em alerta contra um êxodo maciço da população de Mossul e se prepara para a “maior operação humanitária de 2016”. As ONGs baseadas no Curdistão iraquiano estimam que pelo menos 500 mil pessoas poderiam se encontrar nas estradas. No fim de outubro, apenas seis dos 25 necessários campos para lidar com essa corrente humana estavam construídos, e a ONU e as ONGs carecem de fundos para financiar o resto. Os refugiados de Mossul se arriscam, assim, a sofrer a mesma sorte que os habitantes de Faluja e Ramadi, duas cidades sunitas retomadas da OEI ao preço de duros combates e destruições significativas. Sem poderem se refugiar no Curdistão iraquiano ou se juntar à Turquia, os sobreviventes não têm outra escolha senão errar de campos improvisados a ajuntamentos aleatórios, sem que o governo central de Bagdá se abale com isso.
Os Estados Unidos procuram antes de tudo mostrar ao Irã que eles permanecem influentes no Iraque e que Teerã não saberia tirar proveito da situação endossando as posturas do vencedor da OEI. Uma evolução como essa provocaria o pânico das monarquias do Golfo, que exigem que Washington mantenha sempre um pé no Iraque. Nos últimos meses, o tom não parou de se elevar entre Bagdá e Riad, a ponto de os diplomatas norte-americanos fazerem a ponte entre as duas capitais para acalmar os ânimos.
Segundo objetivo: perturbar a reaproximação em curso entre Bagdá e Moscou. O primeiro-ministro Al-Abadi elogia regularmente a intervenção russa na Síria e não perde a oportunidade de falar bem do presidente Vladimir Putin. É certo que o Kremlin pretende usar a Batalha de Mossul para dar o troco aos ocidentais, acusando por exemplo a coalizão internacional de “crimes de guerra”;1 mas suas críticas poupam o governo iraquiano. Melhor: ele propôs ajudar na luta contra os jihadistas, dizendo-se implicitamente pronto, se necessário, a substituir os norte-americanos. Em boas relações com o marechal Abdel Fatah al-Sissi no Egito, que aprova sua ação na Síria, a Rússia está numa emboscada no Iraque – algo que os norte-americanos não podem ignorar.
As tensões recorrentes entre os governos turco e iraquiano também preocupam Washington. Em Ancara, o presidente Recep Tayyip Erdogan quer que o Exército participe da libertação de Mossul. Ele endossa a postura do protetor das populações sunitas dessa cidade diante da ameaça das milícias xiitas e do Irã. Em Bagdá, Al-Abadi denuncia a presença de 3 mil soldados turcos em solo iraquiano e se recusa a permitir que eles participem dos combates. Vários jornais favoráveis ao governo chegam a acusar a Turquia de querer anexar de fato a região de Mossul, que fazia parte do Império Otomano até o término da Primeira Guerra Mundial. Deslocando-se no fim de outubro para Bagdá, o secretário de Defesa norte-americano, Ashton Carter, tentou convencer o líder iraquiano a aceitar que o Exército turco, o segundo em efetivos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), possa participar dos combates contra a OEI. Muito contestado dentro de seu próprio país por sua suposta fraqueza em relação aos Estados Unidos e exposto às críticas virulentas de vários dirigentes xiitas, entre os quais o influente imã Moqtada Sadr, Al-Abadi tergiversou e opôs uma recusa de fachada. Todo mundo sabe que o presidente turco quer impor sua presença na mesa de negociações quando chegar a ocasião e que seu Exército, aliado aos peshmergas iraquianos e às modestas tropas mobilizadas junto às tribos sunitas, será parte interessada no que se refere à Batalha de Mossul. Um problema a mais a ser administrado por Washington, numa região onde as estratégias divergentes de seus aliados não cessam de complicar sua tarefa.