O renascimento do Partido Trabalhista no Reino Unido
Um país onde a fragmentação caracteriza sobretudo o campo conservador? Onde a esquerda desperta entusiasmo nas multidões? E a esperança de novas conquistas eletriza os progressistas? Esse país existe. É o Reino Unido após a escolha de Jeremy Corbyn para líder do Partido Trabalhista em 2015, permitindo a refundação da esquerda mesmo no interior de um partido social-democrata tradicional
“Se você quer ver como os pobres estão morrendo, venha para a Torre Grenfell.” Em seu discurso de encerramento do congresso trabalhista de setembro de 2017, o líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, citou o verso do poeta e romancista nigeriano Ben Okri que fala sobre o incêndio que custou a vida de 79 habitantes de um prédio de moradia popular, em 14 de junho de 2017, em Londres. Ao norte do bairro de Kensington, um dos mais chiques da capital britânica, a torre situava-se em um enclave popular. Seus moradores, relegados entre a rodovia e a ferrovia, haviam sido abandonados por uma política violentamente desigual. No Reino Unido, a parcela de renda captada pelo 1% mais rico duplicou nos últimos trinta anos, passando de cerca de 4% para mais de 8,5% do PIB. Em Brighton, Corbyn insistiu no significado do drama: “Grenfell representa um sistema falido, quebrado, que o Partido Trabalhista deve, e vai, substituir”.
Nas mãos dos conservadores desde a década de 1970, o distrito eleitoral de Kensington foi, contra todas as expectativas, ganho pelo Partido Trabalhista em junho de 2017 – o Partido Trabalhista de Corbyn, é tentador chamá-lo assim, de tanto que a linha política do principal partido da esquerda britânica mudou. “Muita gente saiu na época de [Tony] Blair.1 Eu fiquei, torcendo o nariz”, lança Emma Dent Coad, a nova deputada. “Eles voltaram, e muitos jovens também se filiaram. Outros apoiaram a campanha sem se juntar ao partido.” Bem estabelecida em escala local, a eleita pôde contar com uma forte dinâmica militante – o número de membros da seção local passou de trezentos para mil em dois anos – e com “o desmantelamento dos conservadores por causa do Brexit”. Em um distrito eleitoral muito favorável à manutenção do Reino Unido na União Europeia, Emma atraiu muito mais que o eleitorado trabalhista tradicional. “Gente de direita votou em mim, gente que estava afastada do Partido Trabalhista, gente que nunca votou, gente que não confiava mais em políticos. Muitos me disseram que era a primeira vez que iam votar.”
Assim como Kensington, muitos distritos eleitorais mudaram desde a nomeação de Corbyn à frente do partido, em 2015. Embora continuem minoritários em Westminster, os trabalhistas alcançaram um avanço histórico nas eleições parlamentares antecipadas de junho de 2017: 3,5 milhões de votos e mais trinta cadeiras. Um desempenho ainda mais notável quando se sabe que, em outros lugares da Europa, os velhos partidos oriundos da social-democracia estão em crise. Na França, o Partido Socialista perdeu 140 mil filiados entre 2007 e 2016. Na Alemanha, o Partido Social-Democrata (SPD, na sigla em alemão) perdeu 70 mil de seus efetivos no mesmo período. Já o Partido Trabalhista teria 570 mil, ou seja, 300 mil a mais que em 2015. Não há nenhuma força nova, como na França e na Espanha, participando de uma recomposição profunda do cenário político, para disputar sua hegemonia. E, ao propor renacionalizar as ferrovias ou tornar gratuito o acesso à universidade, o Partido Trabalhista rompe com o neoliberalismo que continuam a defender, pelo mundo afora, os membros da Internacional Socialista. Para além de um sistema eleitoral que favorece o bipartidarismo,2 como explicar essa tripla exceção britânica?
“Não é apenas o governo que precisa mudar. É um modelo que está em crise.” Na periferia da Grande Londres, o editorialista Owen Jones, figura da esquerda britânica, discursa para 150 militantes. Eles estão em uma sala de Uxbridge decorada com as cores do Partido Trabalhista. Dentro dela, distribui-se um breve inventário sobre medidas fiscais, emprego, saúde, habitação e sobre a posição do partido no Brexit; efetua-se um balanço dos problemas locais; encenam-se situações típicas – como o encontro com um eleitor do partido de extrema direita United Kingdom Independence Party (Ukip, defensor da independência do Reino Unido) – como forma de treinamento. Finalmente, organizam-se trinta equipes de militantes para uma tarde de porta em porta. O local não foi escolhido ao acaso: Boris Johnson, ex-prefeito da capital e atual ministro das Relações Exteriores, é o deputado do distrito eleitoral. A posição conquistada por ele em 2015 está em risco. O Partido Trabalhista identificou cerca de sessenta territórios, no país, que podem se voltar para a esquerda. “Queremos nos livrar de Johnson?”, lança Jones. “Então vamos! Vamos colocá-lo para fora!”
Reforço do Momentum
Acompanhamos uma equipe de trabalho de porta em porta entre Cowley Road e Ferndale Crescent. “Never trust the Tories” (“Nunca acredite em um Tory [conservador]”), podemos ler em uma janela. Cinco homens e uma mulher caminham pelo bairro suburbano de classe média, situado sob o corredor aéreo do aeroporto de Heathrow. Entre eles, apenas um membro da seção trabalhista local. “Entrei para o partido no início da década de 1980”, explica o professor de música aposentado. “Quando Blair foi eleito, devolvi minha carteirinha. Fiquei muito descontente com as medidas educacionais tomadas por seu governo. Agora, com Corbyn, voltei.” A seu lado, Seamus McCauley, de 41 anos, trabalha com comunicação. Por nada no mundo ele teria votado no partido de Tony Blair. Mas, em 2015, juntou-se ao de Corbyn. No mesmo ano, Ketih Webb, de 50 anos, decidiu também entrar. Antes, a política não lhe interessava. David Carr, ao contrário, é um militante de longa data do Partido Comunista. Ele “se reconheceu em Corbyn porque ele veio do sindicalismo”. E também gosta “que ele seja feminista e ambientalista, que defenda o povo palestino e tenha se oposto à guerra no Iraque”. Por fim, há Amir N., que entrou no partido há dois meses, e Deborah Olszewski, que apoia Corbyn, embora pertença a outra formação, o Women’s Equality Party (Partido pela Igualdade das Mulheres).
A diversidade (inclusive social) desse pequeno grupo atesta a dinâmica popular pela qual vem passando o Partido Trabalhista. Ao lado de antigos militantes, frequentemente mais velhos, que voltaram ao partido depois de o terem abandonado (31% dos membros se filiaram a partir de 2015),3 muitos são os jovens que decidiram se filiar: sozinha, a organização da juventude trabalhista, a Young Labour, teria mais membros que o Partido Conservador todo. Com formação superior e de classe média, os novos militantes são menos sindicalizados, mas veem em Corbyn o homem certo para o momento.
No entanto, após a saída de Edward Miliband, em maio de 2015, a eleição de Corbyn suscitou as piores previsões, com seus adversários recordando incansavelmente o desastre eleitoral de 1983, quando a esquerda comandava o partido. Na época, seus detratores chamavam seu programa de “a carta de suicídio mais longa da história”. Eleito para a liderança do partido com 59,5% dos votos,4 o deputado de Islington North (Londres) Jeremy Corbyn, usando em seu benefício o princípio das primárias abertas, conseguiu cristalizar em torno de sua pessoa e de suas ideias uma ampla aspiração popular. Contrários à austeridade e à guerra,5 seus apoiadores, que afluíram com força para o partido, permitiram conter a revolta das elites trabalhistas convertidas ao neoliberalismo. Em 2016, uma nova votação o fortaleceu na liderança do partido, com 61,8% dos votos. Desde então, essa dinâmica não esmoreceu. Sinal dos tempos, o folheto distribuído para os moradores de Uxbridge traz o título “Partido Trabalhista, pronto para governar”.
Na mira dos trabalhistas, o distrito eleitoral de Johnson está no cerne da campanha “Fora com eles!” (Unseat), organizada ao mesmo tempo pelo Momentum. Criado em 2015 por simpatizantes de Corbyn, esse movimento tem o objetivo de “fortalecer a posição” do líder trabalhista, explica Yannis Gourtsoyannis, membro do grupo de coordenação nacional, a direção da organização. “Desde que foi eleito, ele virou alvo” do “partido parlamentar”: os deputados do partido, frequentemente próximos ao blairismo.
Com 36 mil militantes, o Momentum está crescendo. Várias centenas de pessoas se juntam a ele a cada semana. Distinto de outras formações do campo da esquerda por seu peso e seu ativismo, ele se mobiliza independentemente das instruções do partido, com suas próprias ferramentas: uma plataforma digital e um aplicativo on-line. “Estamos em campanha permanente”, explica Gourtsoyannis. O jovem médico de hospital público considera que uma nova eleição legislativa “pode ser chamada a qualquer momento”, e está pronto para isso. O governo de Theresa May está, de fato, fragilizado por escândalos de corrupção e pelas negociações do Brexit que não conseguem satisfazer nem a ala favorável a uma saída que não saia do papel – próxima de uma parte do patronato – nem a ala ansiosa por uma franca ruptura, concebida como primeiro passo para transformar o país em uma nova Cingapura – próxima de outra parte do patronato.
Com 170 grupos locais, o Momentum concentra-se agora em sua estruturação. Realizam-se master classes nas redes sociais, às vezes ministradas por membros importantes da equipe de Bernie Sanders, ex-candidato nas primárias democratas norte-americanas. Seus membros são treinados na organização de reuniões públicas ou de ações de porta em porta. Distantes dos hábitos de um congresso, as conferências nacionais do Momentum privilegiam oficinas que permitam o intercâmbio de práticas militantes. “Não somos um think tank. Não produzimos relatórios. O que fazemos é garantir que a política do Partido Trabalhista reflita as aspirações de seus membros, e não as dos tecnocratas.” Sem tentar construir um corpo de doutrina distinto, o movimento procura influenciar as propostas do partido em matéria de saúde pública, indústria de defesa e política migratória. “O programa do Partido Trabalhista é o mais à esquerda dos últimos quarenta anos, mas continua muito tímido nessas questões.”
Enquanto 37% dos eleitores trabalhistas – principalmente aqueles oriundos dos meios populares – votaram a favor do Brexit, o grupo de ativistas liderou, em 2016, uma intensa campanha a favor da manutenção do Reino Unido na União Europeia. A organização pode, portanto, aparecer em desacordo com uma parte da base eleitoral do Partido Trabalhista, mas sua ação tem contribuído como uma forma de reequilíbrio junto ao eleitorado jovem, qualificado e urbano, que a campanha europeia de Corbyn, econômica, conseguiu desarmar. Assim, o Momentum emerge pouco a pouco como um dos componentes centrais do Partido Trabalhista. Em janeiro, três de seus candidatos, entre eles Jon Lansman, seu fundador, foram eleitos para a executiva trabalhista. Plenamente integrados, seus membros agora são obrigados a filiar-se ao partido. Embora os processos de infiltração sejam comuns nos adversários do Momentum, é cada vez mais difícil retratá-lo como um grupelho de jovens desgrenhados…
Sindicatos reencontram a centralidade
“Nosso objetivo é transformar o Partido Trabalhista”, conta Gourtsoyannis. “Queremos restaurar o vínculo entre o partido parlamentar e o grande número de membros.” A retaguarda dos deputados se opôs à candidatura de Corbyn, e foi por pouco que o representante da ala esquerda conseguiu se apresentar, conquistando o apoio de 36 parlamentares, sendo 35 o mínimo necessário. O apoio de 15% do grupo parlamentar é pré-requisito para qualquer candidatura à direção trabalhista. Para limitar o alcance desse “veto”, o Momentum defende a redução desse limiar para 10%.
O que deve ser restaurado, prossegue Gourtsoyannis, são “os laços com os movimentos de cidadãos que se mobilizam contra a austeridade,6 a guerra ou o sucateamento do hospital público”. Enquanto muitos partidos, fechados em si mesmos, viraram máquinas eleitorais minadas pela burocratização e o oportunismo, o Momentum quer explorar um caminho alternativo.
Sheffield, Yorkshire. A cidade é um bastião trabalhista desde a década de 1920. As fábricas do Lower Don Valley ainda fazem dela um importante polo da siderurgia britânica. Ali foi fundada, em 1866, a organização que prefigurava o Trade Union Congress (TUC). A confederação reúne hoje 5,5 milhões de trabalhadores. Quase todos os 49 sindicatos que a compõem são “afiliados” ao Partido Trabalhista, participando, portanto, de seu financiamento e de suas decisões. A história do movimento operário britânico, original na Europa, levou a uma estreita associação entre o partido e os sindicatos. Foram estes que presidiram a criação do Partido Trabalhista, em 1900.
Líder do TUC em Sheffield, Martin Mayer compôs, até o verão de 2017, o comitê executivo nacional do Partido Trabalhista, seu órgão de direção política. “Os últimos dois anos foram muito difíceis”, diz. “Corbyn foi constantemente atacado.” Os sindicalistas se uniram contra os 172 parlamentares que tentaram um golpe em junho de 2016, votando uma moção de desconfiança.
Marginalizados durante o período do New Labour, quando Tony Blair (1994-2007) e depois Gordon Brown (2007-2010) estiveram na liderança do partido, os sindicatos voltaram a ter centralidade. Parecem ter ficado para trás os dias em que algumas organizações, em desacordo com a política dos neotrabalhistas, se desfiliavam do partido (como a Fire Brigades Union, o sindicato dos bombeiros, em 2004) – assim como o tempo em que um dirigente trabalhista poderia adotar a maior parte da legislação antissindical de Margaret Thatcher e reduzir o peso das organizações de trabalhadores na Conferência Nacional Anual, o parlamento do partido.7 “Antes da chegada de Corbyn”, diz Mayer, “muitos sindicatos se perguntavam se deveriam se desfiliar. Os empregados perguntavam aos líderes sindicais: ‘Por que vocês ficam no Partido Trabalhista se não conseguem nada?’. Mas realmente não tínhamos escolha. As outras formações de esquerda, como o Partido Comunista, são tão fracas que não têm nenhuma chance de ganhar uma eleição. Então ficamos.”
Embora não formem um bloco homogêneo, os batalhões sindicais estão ativamente comprometidos com Corbyn. Na sede londrina da Unite, o maior sindicato britânico, que tem 1,4 milhão de membros, Andrew Murray, chefe de gabinete do secretário-geral, explica que sua organização “tem hoje uma relação particularmente forte com Jeremy Corbyn” e destaca: “Uma relação política”. E prossegue: “Esperamos que sua vitória traga uma mudança radical para combater as desigualdades sociais, uma transferência de poder em benefício do trabalho e dos trabalhadores, uma extensão da esfera pública em relação à privada, uma política externa que rompa com o impensado atlantismo, uma mudança em favor da paz no Oriente Médio”.
“É um dos nossos”
Por enquanto, a questão europeia – que embaraça especialmente os conservadores – não parece ter perturbado a reconfiguração atual. Em fevereiro de 2018, Corbyn fez um discurso sugerindo que, se eleitos, os trabalhistas militariam pela manutenção do Reino Unido na União Aduaneira do bloco europeu, inflamando não apenas as franjas europeístas e blairistas de sua formação, mas também a principal organização patronal (a Confederação da Indústria Britânica, CBI) e o Financial Times. Ao mesmo tempo, as condições de proteção ou de isenções nas quais ele apoiava essa manutenção no mercado único – como a autorização de auxílios estatais a determinadas indústrias – revelaram-se suficientemente rígidas para lhe garantir o apoio dos trabalhistas mais céticos em relação à União Europeia.
Por muito tempo hostis ao bloco europeu, os sindicatos britânicos impulsionaram, em 1975, a organização de um primeiro referendo para sair da Europa política. A vitória de Thatcher em 1979 mudou o jogo. O bloco tornou-se, para alguns, um “escudo precioso contra os excessos do neoliberalismo”.8 Em 2016, a campanha em favor do Brexit, liderada pelos conservadores, alimentou o debate nas organizações sindicais. Em Sheffield, “deputados e sindicalistas de ambos os lados fizeram intervenções em reuniões públicas”, diz Mayer, “mas o conselho sindical não tomou uma decisão por causa das substanciais divergências que persistiam”. No país, treze dos 27 principais sindicatos finalmente – e muito tardiamente – se declararam a favor da manutenção do Reino Unido na União Europeia, onze não tomaram posição e três lutaram pela saída nas bases de uma campanha alternativa, denominada Lexit: contração de left (esquerda) e exit (saída).9
Os sindicatos, que ainda contribuem com metade do financiamento do Partido Trabalhista e contam com um terço dos assentos em sua executiva, incentivam seus membros a participar da vida do partido. Eles também participam das campanhas internas, com o envio maciço de e-mails e SMS. Foi assim na Escócia, onde o secretário-geral da Unite, Len McCluskey, expressou seu apoio a Richard Leonard, candidato próximo a Corbyn que disputava a direção do Partido Trabalhista Escocês, um cargo estratégico, em um local onde o partido precisa, se quiser conquistar o poder, recuperar o terreno perdido contra o Partido Nacional Escocês (SNP, na sigla em inglês).
Ao restaurar o vínculo orgânico que une sua organização ao movimento sindical, Corbyn conseguiu unir novamente o campo progressista. “O ponto crucial é que agora temos um partido democrático”, alegra-se Murray, para quem “o Momentum e a Unite são os dois pilares da nova direção de Jeremy Corbyn”. Mas esse edifício pode ser mais frágil do que parece. No início de março, para surpresa de todos, Lansman, fundador do Momentum, apresentou sua candidatura ao cargo de secretário-geral do Partido Trabalhista contra Jennie Formby, saída das fileiras da Unite e apoiada por Corbyn.
Embora Lansman tenha acabado retirando a candidatura, o episódio é um prelúdio de futuras divergências estratégicas, até mesmo políticas. Mesmo que essa função seja tradicionalmente reservada a um representante do movimento sindical, Lansman não hesitou em se apresentar como possibilidade. Ao propor que o secretário-geral seja nomeado por todos os militantes do partido, e não apenas por seus dirigentes, ele pretendia “fortalecer os direitos dos membros” e “substituir o velho modelo hierarquizado por uma democracia moderna, aberta e transparente, pluralista e participativa”.
Durham, nordeste da Inglaterra. Com duzentas minas e 200 mil trabalhadores, o condado foi por muito tempo a maior bacia mineira do planeta. Embora a política de terra arrasada de Thatcher, acelerando a desindustrialização, tenha derrubado os trabalhadores do carvão, eles ainda mantêm parte de suas atividades. O Durham Miner’s Gala, evento anual realizado em junho, marca a vida da esquerda britânica desde 1871. “O último reuniu 200 mil pessoas”, comemora Andrew Cummings, presidente da Associação dos Mineiros. Símbolo do movimento operário, o evento atrai militantes e simpatizantes de todo o país. “Jeremy Corbyn é um habitué. Nós o conhecemos bem aqui. Quando ele decidiu se candidatar, não hesitamos nem um segundo em apoiá-lo. É um homem de princípios. É um dos nossos.” Para os antigos mineradores, a vitória de Corbyn soa como a hora da vingança, em uma região que por muito tempo foi um dos feudos do New Labour.
“Tony Blair era um Tory disfarçado de trabalhista. Quando era primeiro-ministro, ele nunca se dignou a vir a um de nossos eventos”. No entanto, Blair era deputado de Sedgefield, a poucos quilômetros dali, e seu braço direito, Peter Mandelson, era de Hartlepool, na mesma região. Mas os “modernizadores” pouco se preocupavam com o legado do movimento operário. Após quatro derrotas sucessivas (1979, 1983, 1987, 1992), eles decidiram conquistar os bastiões conservadores, mudando a base eleitoral do Partido Trabalhista com um projeto de sociedade sem classes, uma política sem adversários, sublimada na figura do Essex man [“homem de Essex”].10 Corbyn, ao contrário, não hesitou em reconectar-se com a história da classe trabalhadora, rompendo com esse novo foco ideológico e sociológico que, na busca de um “extremo centro”, favoreceu a conversão do Partido Trabalhista ao neoliberalismo.
Outrora dominantes, os neotrabalhistas estão agora na defensiva. Um oponente feroz da nova liderança, Phil Wilson, que ocupa o assento de Blair em Westminster, continua impotente para barrar o efeito de Corbyn em seu próprio distrito eleitoral. Em 2016, suas instruções não bastaram para convencer a maioria dos militantes a votar em Owen Smith, o candidato da direita. “É porque muita gente entrou no partido”, explica Peter Brookes. “Em 2015, éramos quatrocentos. Hoje somos o dobro.” Eleito pelo condado de Durham, Brookes representa Trimdon, a mesma cidade onde Blair estabeleceu residência. Ele é parte do “bando dos cinco”, que, segundo a lenda, preparou o terreno para “Tony” em sua primeira vitória, em 1983. Reconhecendo que “alguma coisa está acontecendo”, o conselheiro admite que os cidadãos, especialmente os mais jovens, veem Corbyn como “um homem simples, estável, que faz política de outro modo e pode mudar a vida deles para melhor”. Em seu tempo, lembra Brookes, Tony Blair conseguiu suscitar o mesmo entusiasmo: “O número de militantes nas seções locais passou de duzentos para 2 mil em dois anos”.
Agora minoritários, os neotrabalhistas aspiram a “manter [seus] distritos eleitorais e levar [seus] candidatos à direção do partido”. Mas não têm mais redes para fazer isso. Seu principal grupo, o Progress, passa por dificuldades desde que seu fiel doador, David Sainsbury, uma das maiores fortunas do Reino Unido, retirou sua aposta de 2017. De resto, ele funcionava como um think tank, não como um movimento enraizado no partido e na sociedade. “Temos de nos organizar melhor”, admite Brookes. Depois de ter desejado a partida dos “moderados” para fundar com eles um novo partido, ele espera encontrar um “antídoto para o Momentum”.
À frente do maior partido da Europa, Corbyn mudou a cara do Partido Trabalhista. Esse partido de massa traça um caminho original. Sem marcar uma ruptura com os quadros políticos preexistentes – como fizeram o Podemos, na Espanha, e a França Insubmissa –, ele realiza uma recomposição revigorante. “For the many, not the few” [“Para a maioria, não a minoria”], Corbyn parece determinado a não ceder.
*Allan Popelard e Paul Vannier são jornalistas.