O seqüestro do saber
As grandes multinacionais estão usando a propriedade intelectual para controlar a ciência, restringir o acesso a seus benefícios e multiplicar lucros. É hora de pensar numa alternativa que substitua o sistema de patentes e transforme o conhecimento num patrimônio comum da humanidadePhilippe Rivière
A quem pertence o conhecimento? Quando a propriedade intelectual, multiplica o custo de medicamentos vitais e condena à morte milhões de doentes africanos, a pergunta deixa de ser teórica. De sua resposta depende, agora, o futuro da economia mundial e de uma parte da humanidade. A informática, a indústria da vida (agroindústria, biotecnologias, indústria farmacêutica) e as comunicações estão à frente da “revolução informacional”. O impulso dessas atividades vem acompanhado de uma exigência cada vez maior de controle sobre suas invenções. Isso porque, para lucrar com essa produção virtual “naturalmente” reproduzível que é o saber, é preciso conter sua difusão, criar uma escassez artificial que permita estabelecer um preço. Esse é o objetivo central do direito da propriedade intelectual. Associada a ele está a preocupação em proteger os direitos “morais” dos autores sobre o futuro de sua obra (propriedade artística e literária), de garantir a proteção do consumidor (direito de marcas) ou de limitar o recurso ao segredo industrial por meio da publicação dos detalhes das invenções (patentes).
No intuito de acompanhar essa mudança, a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) entregaram-se a uma intensa atividade jurídica – seguindo uma tendência em curso nos Estados Unidos – visando “fortalecer” os direitos dos proprietários, a fim de lhes garantir retorno de investimento e, portanto, teoricamente, de estimular o crescimento mundial.
O conceito de bem público mundial
Mas esse discurso contrapõe-se a diversas realidades: por um lado, como destaca o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), “muitos países hoje desenvolvidos, que se arvoram em (?) ardentes defensores de um fortalecimento dos direitos de propriedade intelectual, adotaram regras bastante flexíveis ao instalar sua indústria nacional. O discurso só mudou quando passaram a exportar tecnologia.” Ao acumular os direitos de propriedade intelectual do conjunto do conhecimento (dos acervos fotográficos ao genoma humano, dos programas de computador aos medicamentos), os países mais ricos e mais equipados juridicamente (os Estados Unidos empregam um terço dos advogados do planeta) garantem o controle de amplos setores das produções futuras.
Por outro lado, a apropriação do conhecimento por empresas privadas nem sempre é legítima. A pesquisa tecnológica e a produção cultural alimentam-se, antes de mais nada, da partilha dos saberes com o conjunto da sociedade. Ora, a maioria dos mecanismos de promoção e defesa do domínio público do conhecimento não teve continuidade, por falta de um pensamento renovado sobre o que seja o “bem público mundial.” [1]
A reflexão atual sobre a propriedade dessa riqueza comum da humanidade que é o conhecimento ainda é incipiente. O jurista americano James Boyle compara-a à reflexão dos anos 50 sobre o meio-ambiente: observadores isolados alarmam-se com certos riscos específicos, sem ainda estar em condições de relacioná-los. [2] É urgente, no entanto, abrir o debate para acabar com o seqüestro do conhecimento pelos interesses particulares.
Traduzido por Rúbia Prates Goldoni.
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