O silêncio das histórias ignoradas
Em um país marcado por profundas desigualdades sociais, a comunicação pode ser uma ferramenta de transformação
A Praça da Sé, em São Paulo, é um dos meus lugares favoritos, mesmo com as reações cautelosas que surgem sempre que o menciono. “Cuidado!”, alertam as pessoas, uma resposta comum diante da realidade que ali se desenha: um ponto de encontro e desencontros, onde a vida acontece em sua forma mais crua, com suas complexidades, seus desafios e, acima de tudo, suas invisibilidades. Para muitos, a Sé é um cenário de medo e desconforto, mas para mim, ela é um reflexo de um Brasil que insiste em ignorar suas margens, suas vulnerabilidades.

Crédito: Wilfredor
A praça é habitada por aqueles que, muitas vezes, são vistos apenas como “problemas urbanos”. São pessoas em situação de rua, mulheres em vulnerabilidade, indivíduos cujas histórias o sistema prefere não escutar. No entanto, quando olho para eles, não vejo ameaça. Vejo vidas, histórias que resistem e clamam por dignidade.
Essa atração por lugares onde a exclusão social se torna visível sempre esteve presente em mim. Desde criança, uma espécie de curiosidade, ou talvez um senso de empatia, me atraía para esses espaços. Mas foi apenas na faculdade de jornalismo que compreendi essa inclinação como um chamado para a profissão que escolhi. O desejo de dar voz a quem não tem, de escutar aqueles que são silenciados, e de contar histórias que costumam ser esquecidas — esse é o cerne do meu trabalho.
Para mim, comunicar não é apenas um ofício; é uma missão de justiça. Em um país marcado por profundas desigualdades sociais, a comunicação pode ser uma ferramenta de transformação. Acredito no poder do olhar humano, na capacidade de enxergar o outro para além dos rótulos, das definições impostas pelo preconceito e pelo estigma. A minha fé, como cristã católica, também é uma lente através da qual vejo o mundo. Ela me ensina que a verdadeira prática da fé não é uma vida de olhos fechados, mas de braços abertos, dispostos a acolher os marginalizados, a perceber as necessidades dos invisíveis.
Essas convicções me impulsionam a atuar como jornalista, buscando dar visibilidade às pessoas que a sociedade não vê, seja porque não tem voz, seja porque o sistema as empurras para o esquecimento. A comunicação, para mim, deve ser uma luz, iluminando aquelas vidas que, por sua vez, nunca brilharam nos holofotes da grande mídia. Contar essas histórias é um ato de resistência contra a injustiça social, contra a invisibilidade que afeta milhões de brasileiros.
A Praça da Sé, como outros espaços urbanos esquecidos, revela as fissuras de uma sociedade que constantemente falha em reconhecer sua própria humanidade. E como comunicadora, é meu compromisso dar um passo à frente, ouvir e contar essas histórias, porque acredito que a verdadeira transformação começa quando olhamos para os outros e decidimos ver.
Clécia Rocha é jornalista por vocação e palavra, com formação em Comunicação Social e uma trajetória dedicada a dar voz a quem quase nunca é ouvido. Natural de Feira de Santana (BA), percorreu redações, rádios e assessorias de imprensa, sempre com o olhar atento às causas sociais e à escuta das margens. Seu trabalho é atravessado pelo compromisso com a dignidade humana, sobretudo das mulheres invisibilizadas pelo sistema. Acredita que contar essas histórias é uma forma de resistência, reparação e esperança.