O voo da esquerda radical no Kosovo
Autoproclamando-se de esquerda enquanto cultiva um exacerbado nacionalismo albanês, considerado hostil pelos sérvios, o movimento Vetëvendosje cresceu nas eleições legislativas de junho e, desde o pleito municipal de novembro, dirige as duas maiores cidades do Kosovo
“Nada de negociação, autodeterminação!” É com esse slogan que o movimento Vetëvendosje (“autodeterminação”, em albanês) surgiu na cena política do Kosovo. Denunciando a má administração das privatizações, a corrupção dos eleitos e a pesada tutela dos países ocidentais, ele reúne as aspirações de uma juventude que cresceu nas difíceis condições de um pós-guerra sem fim.
Na noite das eleições legislativas antecipadas, em 11 de junho de 2017, foi preciso esperar a confirmação dos resultados, depois da meia-noite, para a festa começar. Entre a multidão dançando ao som de rock, entrecortado por algumas canções patrióticas e slogans de torcedores do time de futebol de Pristina, os milhares de jovens vindos das periferias da capital podiam cruzar com as grandes figuras da esquerda intelectual do Kosovo e da Albânia. Urbano, popular, instruído, mas principalmente jovem: esse é o eleitorado do Vetëvendosje. Dobrando seu resultado de 2014 com 27,5% dos votos, o partido se tornou a segunda maior força do país, alcançando a “coalizão dos comandantes”, que reúne as facções políticas oriundas da guerrilha do Exército de Libertação do Kosovo (UÇK). Albin Kurti, o carismático dirigente do Vetëvendosje, candidatou-se ao posto de primeiro-ministro, mas algumas demissões permitiram no final que o antigo comandante Ramush Haradinaj,1 chefe da pequena Aliança pelo Futuro do Kosovo (AAK), conseguisse, no início de setembro, uma frágil maioria. O Vetëvendosje teme alcançar um teto intransponível, o de não poder encontrar aliados entre as outras formações do Kosovo, todas vinculadas a uma mesma cartilha liberal e “pró-europeia”. Ao manter o controle sobre a prefeitura de Pristina nas eleições municipais de novembro e assumir o controle em Kamenica e Prizren, a segunda maior do país, o movimento confirma sua ancoragem urbana. Apesar dos bons resultados, o Vetëvendosje tem vivos debates estratégicos internos: o movimento deve cultivar um forte radicalismo ou tentar inventar um novo modelo de social-democracia adaptado às condições particulares de um país desindustrializado e com uma soberania real sempre limitada?
Oriundo da Rede de Ação pelo Kosovo (KAN), o Vetëvendosje se tornou um partido político em 2005. Quando se iniciaram, no ano seguinte, as discussões sobre o “estatuto final” da antiga província sérvia, o novo movimento reivindicou a ascensão à independência em nome do direito dos povos à autodeterminação e recusou o princípio de negociações feitas com Belgrado sob os auspícios da “comunidade internacional”. Muito rapidamente o Vetëvendosje impôs sua marca de fábrica, feita de ações espetaculares, slogans impactantes e da coragem física de seus militantes: em fevereiro de 2007, uma manifestação degenerou, policiais romenos da Missão Interina das Nações Unidas no Kosovo (Minuk) abriram fogo sobre a multidão, mataram dois entre eles e prenderam Kurti. O homem está acostumado a ir para a prisão. Dirigente de movimentos estudantis albaneses de 1995 a 1996, ele foi encarcerado pela polícia sérvia durante os bombardeios da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), em junho de 1999. Condenado a quinze anos de prisão por terrorismo, ele recebeu indulto do presidente Vojislav Kostunica em dezembro de 2001. A despeito de seu mandato de deputado, ele foi novamente detido em novembro de 2015, depois de grandes manifestações contra o “diálogo” com Belgrado sobre a normalização das relações entre o Kosovo e a Sérvia – uma passagem obscura que ele explica ter aproveitado para reler os escritos do sociólogo francês Pierre Bourdieu.
Kurti responde perfeitamente ao modelo de revolucionário profissional que atribui sem hesitação à sua pessoa e goza de uma grande reputação de integridade. O primeiro mentor desse intelectual foi Adem Demaçi, que passou 28 anos na prisão na Iugoslávia socialista. Nacionalista albanês, ele era marxista-leninista, reivindicando, diante do socialismo autogestionário da Iugoslávia de Tito, o modelo neostalinista mantido na Albânia sob o punho de ferro de Enver Hodja (1908-1985). O Vetëvendosje afirma ter apagado toda referência a esse regime autárquico, mas este continua sendo um exemplo para alguns de seus altos funcionários, o que complica as relações com a esquerda radical que renasce em todas as repúblicas da ex-Iugoslávia. “Temos relações com todos os partidos de esquerda da região”, assume, no entanto, Belgzim Kamberi, responsável pela comunicação do partido, “exceto com os da Sérvia que não rompem o discurso nacionalista sobre a questão do Kosovo.” O Vetëvendosje se reivindica da esquerda soberanista. Kurti precisa: “Não nos consideramos nacionalistas, com tudo o que isso significa de potencial de violência e de guerra nos Bálcãs. Acreditamos, no entanto, que a nação permanece um conceito importante. Não devemos deixá-lo nas mãos da direita”.
Um êxodo inédito em tempos de paz
A formação continua reivindicando o direito à autodeterminação, que poderia tomar a forma de um plebiscito sobre uma eventual união do Kosovo e da Albânia, enquanto essa questão é um tabu para os outros partidos, e reserva suas mais vivas críticas para a ação internacional: “O Kosovo estabelecido em 1999 parece em muitos aspectos com um Estado falido, e a União Europeia parece não ter nenhuma outra perspectiva para a região além de uma ilusória ‘estabilidade’, que impede qualquer desenvolvimento”, explica o dirigente. Por outro lado, Kurti se pronuncia a favor de um diálogo direto com os sérvios do Kosovo. Para tentar ganhar credibilidade, o partido recentemente se aproximou da Internacional Socialista e não se opõe à perspectiva da integração europeia do Kosovo, reivindicada pelo conjunto da classe política local. Kurti, que acompanhou com atenção a crise grega, não alimenta, no entanto, muitas ilusões sobre “a violência potencial das grandes potências” caso sua formação chegue ao poder. A prioridade do seu partido continua sendo favorecer um desenvolvimento econômico interno, rompendo radicalmente com o modelo escolhido por todos os países dos Bálcãs, que repousa na dupla privatizações-investimentos estrangeiros, a qual até agora não apresentou resultados comprobatórios em lugar algum.
Durante o inverno de 2014-2015, mais de 100 mil pessoas, ou seja, mais de 7% da população total, deixaram o país em algumas semanas – um movimento de êxodo inédito em tempos de paz. “O governo deixa as pessoas partirem”, comentava então Kurti, esclarecendo: “Para ele, é apenas uma maneira de aliviar a pressão social. Além disso, são nossos eleitores potenciais, os jovens, os primeiros a partir”. Em um Kosovo onde as ventanias da “transição” e de suas privatizações selvagens destruíram quase toda atividade econômica e o desemprego real atinge cerca da metade da população ativa, a emigração aparece sempre como a única perspectiva de futuro para os jovens, diplomados ou não.
*Jean-Arnault Dérens é redator-chefe do Courrier des Balkans.