Na suspensão da hegemonia que o acontecimento pandemia da Covid-19 produz [2], além de destacar o aprofundamento das desigualdades que já vinham sendo potencializadas pelo neoliberalismo (como apresentamos no primeiro artigo desta série [3]), abre-se espaço para uma disputa política de discursos sobre a pandemia. Com o auxílio metodológico da Teoria do Discurso desenvolvida em torno de Laclau e Mouffe[4], assim como os aportes da abordagem de marcos interpretativos de autores como Lakoff, Snow, Benford e Galván[5], a partir das práticas discursivas expressas em falas, documentos, performances e decisões de diversos atores políticos e sociais em nível nacional e internacional, conforma-se um campo discursivo referente à pandemia da Covid-19. Nesse campo, identificamos dois discursos mestres em disputa que articulam – com ênfase diferente – dois polos temáticos: a sustentabilidade da vida e a sustentabilidade da economia [6].
Por um lado, temos o discurso “negacionista” – apresentado no segundo artigo da série [7] – que tem como principais porta-vozes, a nível internacional, o presidente dos Estados Unidos da América e, a nível nacional, o presidente do Brasil, assim como representantes nacionais de igrejas pentecostais e neopentecostais. Com um diagnóstico do problema “pandemia da Covid-19” no qual prevalece a questão da sustentabilidade econômica sobre a sustentabilidade da vida, tal discurso nega ou minimiza os efeitos da pandemia sobre a vida da população. Como solução principal considera urgente sair do isolamento horizontal e voltar a ativar a economia, permitir a circulação de pessoas e, particularmente, abrir os templos para culto. Identificamos um tom emocional, apelativo, incisivo e até agressivo em muitos contextos nesse discurso negacionista. A defesa da sustentabilidade econômica a todo custo é uma fronteira sobre a qual se constroem identidades antagônicas: o “eles”, a partir de pontos nodais como os entreguistas, os fecha tudo, que articulam em cadeias de equivalência toda uma série de atores – como os anti-Trump e anti-Bolsonaro – e demandas internacionais e nacionais marcadas como negativas. No outro polo, se encontra o “nós”, o povo enquanto um significante vazio que em cadeias de equivalências articula virtudes e demandas positivas dos seus diversos apoiadores e seguidores. Assim, as práticas discursivas negacionistas reproduzem antagonismos anteriores provenientes das disputas eleitorais ou do cenário geopolítico preexistente e, agora, exacerbado com o vírus chinês. E, também, criam antagonismos novos, com as fissuras nos blocos históricos que nos dois países levaram à vitória eleitoral os atuais presidentes.
Por outro lado, encontramos o discurso “científico”, defendido por médicos sanitaristas e que conta com o apoio de organismos internacionais, mídias, governadores estaduais e diversos governos estrangeiros. Como veremos a seguir, este discurso privilegia o cuidado da saúde e a sustentabilidade da vida, defendendo o isolamento social com a quarentena horizontal e até lockdown como melhor forma de garantir a vida e, também, o êxito futuro em termos de sustentabilidade econômica.
Os principais porta-vozes dos discursos “científico”
Entre os diversos porta-vozes do discurso “científico” e suas variantes, no nível internacional encontramos a Organização Mundial da Saúde, o Papa, presidentes e primeiros ministros da Argentina (Fernández), Nova Zelândia (Ardern), Rússia (Putin), China (Xi Jinping), Chile (Piñera), França (Macrón), Alemanha (Merkel), entre outros. No âmbito nacional, identificamos uma ampla diversidade de porta-vozes: a Fundação Oswaldo Cruz, governadores do Maranhão (Dino), São Paulo (Dória), Rio de Janeiro (Witzel), Goiás (Caiado); Comitê Científico de Combate ao Coronavírus vinculado ao Consórcio Nordeste; ex-ministro da Saúde (Mandetta), presidente da Câmara (Maia), parlamentares, ex-presidentes da Nação, empresários, lideranças da Igreja Católica, membros de movimentos sociais, redes, ONG’s e de outras entidades da sociedade civil e principais veículos da mídia tradicional [8]. Desse conjunto de atores, em nossa pesquisa recuperaremos a Organização Mundial da Saúde, o Papa e presidentes e primeiros ministros de Argentina (Fernández), Nova Zelândia (Ardern), Rússia (Putin), China (Xi Jinping), Chile (Piñera), a Fundação Oswaldo Cruz, governadores de Maranhão, São Paulo, Rio de Janeiro e Goiás, Comitê Científico do Nordeste e o presidente da Câmara de Deputados além de mídias tradicionais.
A Organização Mundial da Saúde, fundada em 1948, é uma agência vinculada à Organização das Nações Unidas responsável pela promoção da saúde à nível mundial. De acordo com a Constituição da OMS, a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e constitui um dos direitos fundamentais de todo o ser humano. Isto, de fato, está refletido no discurso da Organização frente à crise desencadeada pela pandemia da Covid-19. A OMS elabora as diretrizes de saúde a serem seguidas pelos países membros da ONU, provê dados diários sobre os números da Covid-19 mundialmente, tem incentivado e subsidiado pesquisas para o combate ao vírus e prestado assistência de diversas maneiras em conjunto com outras organizações internacionais e filantrópicas, mostrando especial preocupação com as populações socioeconomicamente mais vulneráveis. A OMS tradicionalmente evoca um imaginário de credibilidade e confiabilidade, contudo, devido aos discursos recentes de autoridades nacionais é possível que a OMS tenha passado a ser vista por parte da população – particularmente os que assumem o discurso “negacionista” – como uma organização que oculta fatos e é partidária.
O argentino Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, é o líder da Igreja Católica, Chefe de Estado da Cidade Estado do Vaticano e o primeiro papa latino-americano. Possui uma abordagem menos formal que a de papas anteriores, sendo conhecido por sua simplicidade e visto como um religioso de mente aberta. Se destaca por sua postura humilde, pelas habilidades de comunicação e posicionamento claro, pela preocupação com os pobres e seu compromisso com a igualdade entre todos os indivíduos. Além de usar sua visibilidade internacional para clamar soluções pacíficas para conflitos históricos, tem um compromisso com o diálogo inter-religioso, como recentemente demonstrado na conferência proposta pelo Alto Comitê para a Fraternidade Humana, onde líderes de diversas religiões oraram para pedir o fim da pandemia da Covid-19. O Papa Francisco afirma que cuidar das pessoas é mais importante que a economia e destaca como essencial refletir sobre o mundo pós-pandemia como uma oportunidade para preparar o amanhã de todos, através da remoção das desigualdades. Assim, se coloca à favor das recomendações das instituições de saúde e orienta a igreja católica a seguir esta posição, pede a cooperação da comunidade científica para a descoberta de uma vacina que seja disponibilizada globalmente e crê que a Covid-19 possa ser derrotada em primeiro lugar com os anticorpos da solidariedade.
Alberto Ángel Fernández, advogado e professor universitário, ex-chefe de gabinete de Nestor Kirchner, em dezembro de 2019 assumiu a presidência da Argentina. Foi eleito em aliança com sua ex-desafeta no peronismo, Cristina Kirchner, derrotando o então presidente, Mauricio Macri, que representava a continuidade de um governo neoliberal. Nesse pleito, Fernández perdeu na capital Buenos Aires e em províncias importantes do país. Em frágil condição política, assumiu a presidência enfrentado também uma profunda crise econômica, com 40% da população em situação de pobreza e altíssima inflação. Para ele, as soluções de enfrentamento da profunda crise argentina passam por evitar medidas de austeridade em momentos de recessão e, por outro lado, fortalecer o Estado, as políticas econômicas e sociais e a pesquisa pública, pois seu governo devia estar composto de científicos, não de CEOs (em alusão ao governo neoliberal precedente). Tais elementos, presentes em seu discurso ainda antes da pandemia, serão acionados para o enfrentamento à crise. Fernández foi um dos primeiros mandatários a decretar o lockdown, seguindo as recomendações dos cientistas e da OMS. Ele está assumindo um papel de protagonismo em nível regional, especialmente no Grupo de Puebla[9]. No contexto da pandemia, também está renegociando a dívida externa com fundos internacionais e outros credores privados.
Jacinda Kate Laurell Ardern é a terceira mulher eleita primeira-ministra na Nova Zelândia. Em 2017, com apenas 37 anos, representando o Partido Trabalhista (Labour Party), tornou-se uma das lideranças mais jovens a comandar o país. Jacinda é proveniente de uma família de mórmons, no entanto, declara-se atualmente como agnóstica. Sua atuação na política foi precoce, tornou-se ativa no Partido Trabalhista aos 17 anos. Em sua eleição como primeira-ministra, necessitou fazer uma coalizão com o Partido Verde (Green Party) e com o New Zealand First (um partido nacionalista de centro). Tornou-se uma liderança popular mundialmente conhecida em razão do nascimento de sua filha durante seu mandato e por tê-la levado à Cúpula da Assembleia Geral da ONU. Atuante em diversas questões progressistas, Jacinda destacou-se pela empatia e apoio à comunidade muçulmana em seu país, após o atentado à duas mesquitas que resultou na morte de 51 pessoas. Atualmente, destaca-se como a líder mundial que combateu fortemente o Covid-19 em seu país, através de orientações sugeridas por órgãos científicos internacionais, implementando medidas rígidas de isolamento social, o fechamento de fronteiras, a conscientização da população e a fiscalização de infratores.
Vladimir Putin (Vladimir Vladimirovitch Putin), advogado, ex-agente da KGB e, posteriormente chefe da FSB (a mais importante das agências que sucederam a KGB na Rússia pós-soviética). Em 1999, foi nomeado Primeiro-Ministro pelo então Presidente Bóris Yeltsin. Eleito presidente em 2000, permaneceu no cargo até 2008, quando foi sucedido por Dmitri Medvedev, que o nomeou Primeiro-Ministro. Em 2012, foi mais uma vez reeleito e se mantém no poder atualmente. No imaginário nacional de seus apoiadores, a figura de Putin está associada com a do líder que, após o período tão conturbado de Yeltsin, recuperou a economia e o conceito de gosudartvennost (estadismo: configuração estatal forte). Sua popularidade é em grande medida fruto do alto crescimento econômico, mas também pelo seu papel de governante forte e capaz de solucionar os problemas que tem contribuído na reconstrução da identidade nacional russa [10]. Em meio à pandemia e às vésperas de um pleito que possibilitará a Putin se manter no poder até 2036, é justamente essa ideia de eficiência e estabilidade que tenta ser reforçada. Em seus pronunciamentos o presidente enfatiza que sua prioridade é a vida, a saúde e a segurança da população e tem advogado fortemente pela cooperação no cenário internacional. Em geral é lido pelo Ocidente e pela oposição nacional como um líder autoritário de um governo pouco transparente.
Xi Jinping (Xí Jìn píng), desde 2012 é o sétimo presidente da República Popular da China, secretário-geral do Partido Comunista da China e presidente da Comissão Militar Central. É considerado um dos líderes mais poderosos que o país já teve e, com seu lema sonho chinês, apresentou planos e reformas que objetivavam construir uma liderança global da China. Devido às circunstâncias atuais, Xi Jinping traz de imediato ao imaginário social o presidente do país de origem do novo coronavírus. Além disso, devido à crescente polarização do cenário político, Xi Jinping é visto tanto como liderança de uma das maiores potências da economia internacional, quanto o líder de um país comunista estatista e, assim, algo a ser evitado. Apesar de inicialmente apresentar um discurso mais relativista – mesmo não negando a gravidade da situação – se posiciona fortemente no plano internacional no combate à Covid-19, defendendo que a solução para a pandemia se encontra em ações multilaterais e na adoção das medidas de segurança propostas pela Organização Mundial da Saúde.
Sebastián Piñera (Miguel Juan Sebastián Piñera Echenique), 70 anos, nascido em Santiago, católico, eleito por uma coalizão de partidos de direita, exerce o segundo mandato (2018 – 2022) como presidente do Chile. É formado em engenharia comercial com mestrado e doutorado em economia pela Universidade de Harvard. Como sócio da companhia aérea LAN e sendo um dos responsáveis por introduzir no Chile os cartões de crédito por meio da Bancard durante o governo de Pinochet, Piñera é hoje uma das pessoas mais ricas do Chile, com um patrimônio – conformado por inúmeros investimentos, sociedades e bens imóveis – de aproximadamente U$2,8 bilhões de dólares. É um político conservador e embora não defenda diretamente a ditadura de Pinochet instaurada em 1973, é um entusiasta do modelo econômico do regime, cuja assessoria foi provida pelo economista Milton Friedman e seus Chicago Boys. Piñera tem enfrentado desde o final do ano de 2019 uma série de protestos cujas pautas se avolumaram rapidamente e levaram o legislativo a marcar um plebiscito para redação de uma nova constituição. Tem tentado conter sua queda de popularidade com concessões às diversas demandas da oposição – como uma maior complementação nas aposentadorias – ao mesmo tempo em que lida com os impactos da pandemia da Covid-19 e monitora uma possível nova onda de protestos[11].
A Fiocruz é uma instituição que atua na promoção da saúde e desenvolvimento social e na geração de conhecimento científico e tecnológico. Sua fundação remete ao começo do século XX, com a criação do Instituto Soroterápico Federal, na Fazenda de Manguinhos, Zona Norte do Rio de Janeiro em 1900, para fabricação de soros e vacinas contra a peste bubônica. Em sua longa trajetória, a instituição teve atuação fundamental para o desenvolvimento da saúde pública no país. Vinculada ao Ministério da Saúde, sua atuação tem sido de fundamental importância no combate à Covid-19. A Fundação lidera no Brasil o estudo clínico “Solidariedade”, iniciativa de cooperação global, coordenada pela OMS para a busca de tratamentos seguros e eficazes contra a Covid-19. Ela também passou a integrar uma coalizão internacional para enfrentar a pandemia, que envolve mais de 70 cientistas e instituições de 30 países, denominada Coalizão de Pesquisa Clínica de Covid-19, com o objetivo de acelerar as pesquisas, compartilhar dados e promover acesso equitativo aos medicamentos, tratamentos e vacinas que forem desenvolvidos. Foi lançado pela Fundação o Observatório Covid-19 Fiocruz, com o objetivo de produzir informações para ação e também a campanha “Se liga no Corona!”, que visa difundir informações confiáveis de acordo com o contexto das periferias. A atuação da Fiocruz é questionada por setores governamentais próximos à presidência e porta-vozes do discurso negacionista.
Flávio Dino (de Castro e Costa), advogado, professor de Direito na UFMA, ex-juiz federal (1994-2006), ex-deputado federal (2007-2010) e membro do PC do B é o atual Governador do Maranhão, substituindo o grupo da família Sarney que dominava o cenário político estadual há mais de 50 anos. Na construção do seu perfil procura-se destacar como alguém engajado, pacificador e empreendedor de políticas públicas estruturantes. Com uma postura destemida, polida, porém mordaz e enérgica, intervém e se posiciona na esfera pública em defesa da democracia projetando-se em oposição aos atos do presidente e seus aliados. Esta oposição também está presente no combate à Covid-19, com falas marcantes sobre a importância da vida humana e a atenção à ciência, defende o distanciamento social como uma das medidas mais eficazes. As críticas ao presidente proferidas ao público em geral, lhe renderam a alcunha de Governador Comunista. Embora enfrente uma pequena oposição institucional no âmbito estadual, pois conta com uma base plural, Flávio Dino comumente é alvo de críticas em especial nas redes sociais.
João Dória (João Agripino da Costa Dória Júnior) é atual governador de São Paulo, eleito em 2018 pelo PSDB. Construiu uma carreira como empresário e apresentador de programas televisivos trabalhando também em cargos públicos como Secretário Municipal de Turismo de São Paulo, Presidente da Embratur e prefeito da cidade de São Paulo eleito em 2016, deixando o cargo para disputar as eleições governamentais. Foi criador e presidente do Lide – Grupo de Líderes Empresariais, que reúne mais de 1.600 empresas que representavam cerca de metade do PIB privado do Brasil em 2016. Dória busca construir uma imagem do empresário de sucesso que governa o Estado assim como governou suas empresas: como um gestor pautado pela eficiência, não como um político que só levará em conta os próprios interesses. Porém, seu perfil também traz de imediato outras características ao imaginário social. Como a de autoritário, devido a forma de agir de sua PM na expulsão de moradores de rua e no massacre durante um baile funk; de marqueteiro, ao se vestir de gari, de jardineiro e de funcionário de zeladoria para divulgar suas políticas quando era prefeito de São Paulo; ou de aversão aos mais pobres no episódio da distribuição de farinata. Depois de apoiar o então candidato à presidência, Jair Bolsonaro, nas eleições de 2018 (BolsoDória), Dória passa, a partir da crise da Covid-19, a colocá-lo como seu principal antagonista. Logo, entre os apoiadores do presidente, Dória é visto como um traidor.
Wilson José Witzel, nascido em Jundiaí, SP, é o atual governador do estado do Rio de Janeiro, eleito em 2018 pelo Partido Social Cristão (PSC). Foi fuzileiro naval, defensor público, professor de direito e juiz federal, deixando este último cargo logo antes de vencer a primeira e única eleição para um cargo público que disputou. O governador foi eleito com um discurso contra a corrupção e a favor de uma política dura em relação à segurança pública. O apoio do atual presidente alavancou a candidatura de Witzel. A quebra da placa comemorativa em homenagem à vereadora assassinada Marielle Franco por correligionários bolsonaristas, num palanque ao lado do então candidato à governador, ilustra a aliança entre este e o presidente nos momentos de campanha. O perfil de Witzel traz de imediato ao imaginário social a sua dureza no combate ao crime, sem compromisso com os direitos humanos. Após o rompimento explícito com o presidente no segundo semestre de 2019, o governador passa a ter a imagem de traidor entre parte do eleitorado que os dois compartilhavam. Tal imagem se acentua durante a crise da Covid-19, quando os dois adotam discursos antagônicos sobre as soluções para o problema – o governador saiu em defesa do isolamento social. Em finais de maio de 2020, após denúncias de corrupção sobre a pasta da Saúde de seu governo, a imagem de Witzel parece ter sofrido mais um abalo. Com a abertura do processo de impeachment pela Assembleia Legislativa, o governador tem procurado se reaproximar do presidente.
Ronaldo Ramos Caiado, nascido em Anápolis, GO, é o atual governador de Goiás, ex-senador e deputado federal por cinco legislaturas pelo Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democratas (DEM). Emerge como liderança política à frente da União Democrática Ruralista (UDR) durante as discussões da Assembleia Nacional Constituinte e concorre sem sucesso às eleições presidenciais de 1989. Ao lado de sua atuação marcadamente lembrada pela defesa dos interesses do patronato rural, Caiado também construiu sua reputação em torno de uma longeva trajetória profissional na medicina e como professor/pesquisador universitário. A despeito do alinhamento discursivo e do apoio mútuo oficializado entre Jair Bolsonaro e Ronaldo Caiado no segundo turno das eleições de 2018, os dois rompem relações publicamente logo nas primeiras semanas de pandemia em 2020, quando o governador goiano posiciona a luta pela vida acima de tudo, defendendo o isolamento social horizontal e ações com base em evidências científicas e, por outro lado, rechaçando a politização da pandemia, a promoção do ódio e a disseminação de fake news. Suas atitudes enérgicas no combate à Covid-19 entraram em rota de colisão com as bases bolsonaristas, contribuindo para uma desidratação do apoio político que parece ter forçado Caiado a recuar em várias de suas medidas, incluindo o curto afastamento de facto perante o governo federal.
O Comitê Científico de Combate ao Coronavírus (CCCC) foi criado no âmbito do Consórcio Nordeste, composto pelos estados MA, PI, CE, RN, PB, PE, AL, SE, e BA, com vistas a assessorar os seus respectivos governadores nas ações concernentes à pandemia. O Comitê é coordenado pelo professor e neurocientista Miguel Nicolelis e o ex-ministro de Ciência e Tecnologia, Sergio Machado Rezende [12]. O Comitê emite boletins periodicamente nos quais, entre outras informações, difundem as propostas elaboradas visando mitigar os impactos negativos da pandemia. Algumas orientações versam sobre: distanciamento social; medidas para diminuir a importação do coronavírus; articulação entre as secretarias estaduais e municipais de saúde; implementação de tecnologias digitais de monitoramento; intensificação da articulação entre os grupos de pesquisa do NE em diversas áreas; a criação e atuação de subcomitês temáticos; a disponibilidade do aplicativo “Monitora Covid-19”, com vistas a mapear os focos críticos nos estados para que sejam direcionados os insumos e as “brigadas emergenciais de saúde”; a combinação entre políticas de saúde, econômicas e sociais; recomendações sobre o protocolo de tratamento, entre outras [13]. Vale destacar que o Comitê conta com uma ampla rede de apoio envolvendo diversas instituições, mobilizadas em razão do combate ao Covid-19 na região.
Rodrigo Maia (Rodrigo Felinto Ibarra Epitácio Maia) pode ser considerado um típico representante da tradicional família da política brasileira – filho e primo de políticos, casado com a enteada do político Moreira Franco, este que é pai de bisnetos de Getúlio Vargas. Aos 28 anos de idade foi eleito deputado federal e cumpre atualmente o sexto mandato pelo DEM do Rio de Janeiro. É o presidente eleito da Câmara dos Deputados desde a renúncia, seguida da cassação, de Eduardo Cunha, conduzindo a Casa legislativa praticamente desde o impedimento da Presidenta Dilma Rousseff, num período de grande instabilidade. Por sua trajetória é visto pelo público em geral como um típico representante da política tradicional, a chamada “velha política”. Maia compõe a base aliada do atual governo desde seu início, tendo sido ator fundamental para pautar e seguir em defesa das medidas econômicas ultra neoliberais do Ministério da Economia no Parlamento. Por outro lado, Maia também é visto como um defensor das instituições, do establishment e da ordem democrática vigente. E, diante do que considera uma atrapalhada e desorganização do governo federal e sua base no Congresso, é considerado como um moderado e, muitas vezes, um freio necessário. Se reconhecendo como importante liderança do país a partir do Congresso Nacional, o discurso de Maia tem repetidamente pedido diálogo, seriedade, união e harmonia entre os poderes da República para o enfrentamento da Covid-19, colocando o Congresso de prontidão para as medidas que se fizerem necessárias e urgentes para minimizar o impacto da pandemia na vida e no emprego dos brasileiros.
Discurso científico: o diagnóstico e a injustiça [14].
Na prática discursiva dos porta-vozes do discurso “científico” no plano internacional, o diagnóstico do problema aponta a pandemia da Covid-19 como uma ameaça à vida, saúde e segurança da população. É um risco para a economia global, um problema maior do que foi a crise de 2008. Além de ser uma emergência global de saúde, ela agrava problemas de cunho socioeconômicos pré-existentes, tais como a fragilidade dos sistemas de saúde e do modelo econômico, a desigualdade entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento, e a desigualdade socioeconômica interna que dificulta o acesso à saúde e higiene básica, o que propicia a disseminação do vírus entre os menos favorecidos economicamente. Neste contexto, o problema se potencializa mais quando a questão da economia vem antes da preservação da vida, o que leva à irresponsabilidade e ao desrespeito às medidas de prevenção. A cultura do descarte adotada no mundo das finanças, a desarmonia, o egoísmo levam ao desrespeito às orientações da OMS por ganância. Para alguns a pandemia assumiria o caráter de guerra total global que ameaça à vida e à economia.
Tal diagnóstico, de uma situação de dificuldade sem precedentes, dramática e global, destaca como injustiças a desigualdade econômica, social e de gênero; com maior vulnerabilidade de determinados países e populações; que aumentam o risco de morte; que sofrem com a falta de acesso à saúde, à renda básica, à saneamento, à água, à medicamentos e alimentos. No plano pessoal, se destaca a solidão causada pelo vírus, o egoísmo e os interesses pessoais sobressaindo-se durante a pandemia, onde deveria haver união. Em termos gerais, as injustiças são a rápida disseminação do vírus, a falta de responsabilidade global, as demissões em larga escala em países em desenvolvimento e os grupos vulneráveis que sofrerão o desemprego e a fome.
No plano nacional, o diagnóstico do problema nas práticas discursivas dos porta-vozes do discurso “científico” reforça que é uma crise planetária, não uma guerra, mas uma grande crise sanitária e humanitária, multidimensional, que coloca em xeque o modelo civilizatório. O país, particularmente, apresenta um cenário de grandes dificuldades pela extrema desigualdade social que implica condições de vida sem saneamento, sem água, o que torna as medidas de higienização muito difíceis de serem implementadas. A desigualdade afeta também o isolamento. A população brasileira sofre pelas crises social e econômica, mas também pelo tumulto político que é reproduzido. Junto ao risco de sustentabilidade da vida, se manifestam os impactos da crise internacional, um tsunami sobre a economia brasileira, ainda em crise. Além do coronavírus, existe o problema representado pelo posicionamento do presidente. Ao invés do presidente estar no Palácio coordenando um gabinete de crise para dar respostas e soluções para o país, ele prejudica a necessidade do isolamento social e estimula um falso conflito entre saúde e economia. O presidente desencoraja o isolamento social; ignora e desautoriza o seu (ex) ministro da Saúde e os técnicos do ministério; estimula as pessoas a saírem às ruas e convoca manifestações que atentam contra as instituições e a saúde da população; minimiza a doença; divulga fake news sobre o tema; promove o ódio atacando profissionais de saúde, políticos e a imprensa; limita a ajuda econômica para estados, pessoas e empresas; enxerga os governadores e prefeitos como inimigos. Nesse diagnóstico, o próprio presidente assume, assim, o papel de um dos problemas principais no contexto da pandemia: no Brasil, estamos lutando contra o coronavírus e contra o Bolsonarovírus. É o vírus do extremismo, cujo pior efeito é ignorar a ciência e negar a realidade.
Tal diagnóstico aponta como principais injustiças as terríveis perdas de vidas humanas, as histórias, sonhos, e expectativas frustradas que estão por trás dos números; o impacto da crise na vida dos mais vulneráveis com mortes, desemprego, falências, miséria e fome.
Tom. As práticas discursivas articulam o tom técnico – através do embasamento em relatórios da Organização Mundial da Saúde e da Fiocruz e em recomendações de médicos e pesquisadores especialistas – com um componente emocional. Por exemplo, no caso de Putin, comparando o país a uma grande família. Ou emocional e moral, quando, no plano nacional, o presidente da Câmara dos Deputados, para mobilizar em suas redes sociais, aciona como recurso simbólico a preocupação em torno da vida e da saúde: o momento é de preservar vidas, mais grave que o impacto na economia é um país doente, com pessoas morrendo. O tom emocional assume em alguns momentos, um sentido positivo, quando se trata da necessidade de termos fé, esperança, solidariedade autêntica, união, respeito ao próximo, comunhão de sentimentos, proximidade emocional e uma noção de destino em comum. Mas também a emoção assume um sentido negativo moralmente, do medo, da culpa: vocês, que defendem a abertura, aglomerações, que minimizam a crise, estão preparados para carregar os caixões com as vítimas do coronavírus? Carregue na sua consciência aquele idoso, aquela pessoa que morrer e que você terá ajudado a matá-la.
Soluções e propostas. No discurso “científico” as soluções e propostas para enfrentar e sair da pandemia se complementam, porém com acentos diversificados segundo o porta-voz. No plano internacional, no caso da OMS, a contaminação deve ser evitada por meio de medidas de prevenção da contaminação: isolamento social, lavagem frequente das mãos, uso de máscaras. Para enfrentar a pandemia, os governos devem tomar medidas de isolamento social da população, fornecimento de meios para que a população possa ficar em isolamento. A elaboração de uma vacina é essencial para sair da pandemia.

Performance: O Secretário-Geral da ONU, António Guterres (foto), lança o relatório elaborado pela OMS – “Responsabilidade compartilhada, solidariedade global: respondendo aos impactos socioeconômicos da Covid-19”.
Para o Papa Francisco, é necessário o contágio da esperança para derrotar a Covid-19. É primordial seguir as orientações de prevenção da OMS e dos órgãos de saúde, como respeitar o isolamento social. Considera a solidariedade internacional determinante, além da fé, esperança de um mundo melhor, remoção das desigualdades, visão de conjunto – sem descartar ninguém, principalmente os mais pobres – e a confiança no amanhã. É diante do sofrimento que se mede o verdadeiro desenvolvimento dos povos, esse é o tempo de reajustar a rota da vida rumo ao Senhor.
As principais medidas propostas por Putin têm girado em torno da cooperação internacional tanto na economia, quanto na área de pesquisas para produção de vacinas e medicamentos. Tem se reforçado a importância de ajudar países que sofrem com a falta de recursos para lidar com a pandemia, com a criação de um fundo especial, a suspensão de sanções e a criação de corredores verdes para suprimentos. No âmbito nacional, têm defendido a priorização da vida, saúde e segurança da população, com adoção de medidas que permitam garantir a renda e o emprego a partir de uma estratégia de longo prazo, onde deve-se considerar a nova realidade gerada pela Covid-19.

Performance: O presidente Putin (foto) é conhecido por seu estilo de se fazer presente pessoalmente em todas as situações. Em março ele visitou hospital de Moscou para pacientes com Covid-19, usando um traje de proteção e máscara de gás. Agradeceu aos profissionais de saúde e ressaltou que o país tem tradição em medicina.
Para o presidente chinês Xi-Jinping, para vencer a guerra contra a Covid-19 é necessária uma ampla articulação e cooperação internacional. Entre suas propostas têm-se o envio de médicos e assistência material, aumento de oferta de ingredientes farmacêuticos, fortalecimento de relações bilaterais, elaboração de um plano de ação a ser realizado em reunião com ministros da saúde do G-20, aumento do suporte dado a OMS e demais organizações internacionais, e a implementação de políticas fiscais e monetárias. Em termos nacionais, depois de um momento inicial de relativização da importância da Covid-19 e uma vez reconhecido esta como pandemia, propõe um plano com ações econômicas e sanitárias. Por um lado, se estabeleceram medidas para garantir a sustentabilidade da economia com a continuidade ou a volta ao trabalho a partir de estratégias diferentes para cada região baseada no risco sanitário, a retomada da agricultura, desobstrução do trânsito de pessoas e mercadorias, a continuação do comércio exterior, a garantia aos investimentos e a preocupação com as pequenas e médias empresas, pedindo a melhoria da macro regulação, diminuindo impostos e taxas. Também são abordadas a necessidade de manter a estabilidade empregatícia e a garantia de meios de subsistência básicos para a população. Pelo lado da sustentabilidade da vida, entre as medidas de combate à Covid-19, encontramos o incentivo a pesquisas, implantação de ações coordenadas de recursos médicos, a estreita cooperação com a Organização Mundial da Saúde e a cooperação internacional com outros países para desenvolvimento de vacinas e medicamentos e o compartilhamento de sua experiência no controle de epidemias.

Performance: Xi Jinping (foto) visita o hospital Huoshenshan, em Wuhan, no dia 10 de março de 2020. Como característico do seu discurso, pediu confiança na batalha contra o coronavírus.
Sebastián Piñera, presidente do Chile, iniciou o enfrentamento à pandemia concentrando seus esforços para tentar mitigar os prejuízos econômicos e a crise social que se impõe tão logo se difunde o contágio da Covid-19. Para Piñera não há contradição entre a proteção à saúde e a vida da população e a proteção a seus empregos. O desafio sanitário, ou crise sanitária aludidos pelo presidente se juntam a um clima de forte contestação política e desconfianças com o governo desde o final do ano de 2019 e em meio aos preparativos para um plebiscito de uma nova constituição. Nesse contexto, frequentemente apela a noções de unidade e responsabilidade, procurando diminuir a tensão política que ronda seu governo. Iniciou implementando medidas de isolamento social seletivo e seguindo orientações de cientistas e especialistas da OMS, ao mesmo tempo em que se viu obrigado a suspender aulas da educação básica e aumentar a compensação do Estado em aposentadorias e salários. Apesar de manifestar frequentemente a preocupação em garantir insumos para os hospitais do país, suas falas sempre realçam as preocupações com as consequências da crise econômica que a pandemia tende a aprofundar.
Para o combate à pandemia Jacinda Ardern estabeleceu a mais rigorosa quarentena no mundo. Os valores científicos foram levados em consideração, principalmente quando relacionados ao isolamento social. A primeira-ministra enfatiza o “seja forte, fique em casa e seja gentil” (stay strong, stay home and be kind). As rigorosas medidas são acompanhadas de autoridade, mas também reforçando os valores de empatia e gentileza. Dessa forma, ela constrói um discurso em que ser neozelandês é ser gentil e respeitar as medidas de isolamento. Além disso foram estabelecidas medidas de auxílio econômico às empresas e o apoio à manutenção dos empregos. As medidas do governo são pautadas na ciência, não somente no campo da saúde pública do combate diretamente ao vírus, mas na parte econômica, social e psicológica, com preocupações, por exemplo, que relacionam o momento de isolamento com o crescimento de crises de ansiedade.

Performance: Jacinda Ardens (foto) em suas atualizações diárias sobre as medidas tomadas pelo governo no combate à Covid-19. A comunicação diária sobre os rumos do país após a pandemia é informada pela primeira-ministra nas redes oficiais, mas também em suas redes sociais.
Para o presidente Fernández da Argentina, o país vive o problema de saúde mais grave que já teve em toda a vida democrática. Estaria lutando contra um inimigo invisível e tendo também que enfrentar com determinação uma questão muito presente na realidade argentina, a especulação de preços: a paciência com os especuladores acabou. Entende que o mais importante é tentar preservar a saúde das pessoas. Reafirma que quando se governa, há momentos em que se precisa enfrentar dilemas sendo preciso escolher: eu escolhi cuidar da saúde e da vida dos argentinos. É preferível que as fábricas estejam vazias porque seus trabalhadores estão em quarentena e não porque possam ter se contagiado ao irem a trabalhar, adoecer ou morrer. Assim, com a quarentena o que estamos ganhando é saúde e vidas. A Argentina decretou medidas de isolamento social, preventivo e obrigatório, que estão se flexibilizando em territórios que não têm casos de contágio. As medidas adotadas buscavam garantir que o sistema de saúde pudesse responder à demanda e diminuir o ritmo de propagação do vírus. Mas junto a isso, o governo tem destinado um pacote de ajudas para a população e para as empresas. Se reafirma que a forma de lidar com a crise requer, também, um Estado forte e presente. Com esses apoios se espera que no dia seguinte, quando todo esse pesadelo termine, as empresas estejam de pé para receber seus trabalhadores e o Estado estará lá ajudando-os. Reforçando a visão do Papa Francisco, se apela à solidariedade entendendo a quarentena como uma ação coletiva que permite cuidar de nós mesmos e cuidar do outro: aqui ninguém se salva sozinho. A solução à crise passa, também, pela necessidade de repensar a ordem global, isto é, mudar um sistema capitalista que se preocupa muito mais com o financeiro do que com o produtivo, que concentra renda entre poucos e distribui a pobreza entre milhões.
No Brasil, as práticas discursivas da Fiocruz colocam a própria instituição – com seu compromisso de 120 anos de desenvolver ciência em defesa da vida – como parte da solução do problema. Reivindicam a ciência em todas as áreas do conhecimento para dar as respostas e informar políticas públicas para proteger a sociedade, destacando o papel das ciências sociais nas emergências sanitárias. Também apontam a defesa e importância do Sistema Único de Saúde – SUS, enquanto patrimônio da sociedade brasileira e um legado da Constituição Cidadã de 1988, que necessita que seja fortalecido. O isolamento é a melhor medida disponível para frear a disseminação da doença e é o que pode evitar um longo período de falta de leitos, médicos e equipamentos. Mas essas medidas restritivas devem vir acompanhadas de apoio às populações vulneráveis – como as que dependem do trabalho informal ou precário – para que possam cumprir o isolamento, bem como suporte a pequenas empresas que geram empregos ante o impacto da pandemia. Tem que ser um esforço de todos, regras claras e a colaboração do setor privado, dos empresários e do setor público. Aí entra a política com P maiúsculo. Destaca-se como performance a comemoração dos 120 anos da instituição no último mês de maio, em meio ao maior desafio sanitário, econômico, social, humanitário e político do século 21. Na ocasião, a fachada do notável castelo Mourisco foi coberta por uma faixa escrita “Fiocruz em defesa da vida”, e o busto de seu patrono, o cientista Oswaldo Cruz, vestido de máscara de proteção.
O Comitê Científico de Combate ao Coronavírus (CCCC) apresenta como principal preocupação mitigar os impactos negativos causados pelo inimigo invisível e pouco conhecido em diversas esferas, no Nordeste. Para o Comitê a solução do problema se dará por meio da associação das ações dos gestores estaduais e municipais do Nordeste, com vistas ao combate da pandemia, às orientações baseadas na ciência. Para mitigar os impactos causados pelo inimigo invisível os gestores necessitam lançar mão dos conhecimentos dos cientistas, pesquisadores, e médicos do Nordeste, de outras regiões do país e do exterior, que atuam, além de tudo, contra a desinformação. Entre as recomendações do (CCCC) com o objetivo de reduzir a cadeia de contágio do novo coronavírus, assim como reduzir os casos de dengue e Chikungunya na região nordeste e no restante do país, além de mitigar os impactos da crise econômica gerada pela pandemia estão ações como: a manutenção do isolamento social; a utilização de tecnologia de monitoramento; ações com vistas ao apoio material e financeiro aos mais vulneráveis e àqueles que não possam exercer suas atividades; protocolo seguro de tratamento, excluindo a hidroxicloroquina e a cloroquina, entre outras.
O presidente da Câmara dos Deputados destaca a preocupação do Parlamento com a vida e os empregos dos brasileiros: não se tem medido esforços para que possamos passar pelo coronavírus sem maiores danos. Para isso, se reforça a importância de seguirmos as orientações dos órgãos de saúde e da OMS para sairmos o quanto antes dessa crise. Mas também de medidas que visam garantir recursos para a saúde pública, estados e municípios, e para setores econômicos e da população que estariam em situação mais vulnerável, como o auxílio emergencial.
Os governadores de São Paulo, Rio de Janeiro e Goiás procuram buscar o equilíbrio entre salvar vidas e manter a economia, as duas coisas andam juntas. Para isso têm contado com o apoio de economistas e especialistas na área que foram unânimes ao dizer que a quarentena, ao salvar vidas e preservar a saúde dos trabalhadores, também será fundamental para a recuperação econômica.

Performance: Em coletiva realizada no dia 04/05, Dória entrega um buquê de flores à uma enfermeira e à uma jornalista, como homenagem aos profissionais de saúde e da imprensa, logo após essas categorias serem hostilizadas por bolsonaristas em Brasília.
Ambos governadores do sudeste implementaram ações praticamente iguais para combater a Covid-19. São elas: decretar medidas de isolamento social para serviços não essenciais, bem como utilizar tecnologias que possibilitem comunicação à distância para atenuar os problemas; aumentar o número de leitos disponíveis no SUS por meio da construção de hospitais de campanha com o apoio da iniciativa privada; contratar profissionais de saúde; doar cestas básicas para os mais necessitados; decretar o auxílio-merenda para estudantes carentes da rede pública; renegociar dívidas dos estados com a União; promover outras parcerias com a iniciativa privada; disponibilização de créditos para pequenas e micro empresas; valorização das Forças Armadas no combate à pandemia. Além disso, acreditam que o presidente tem a obrigação de apresentar soluções econômicas para os estados. Nessa mesma linha, o governador de Goiás vem adotando medidas de contenção da pandemia e ampliação da infraestrutura em saúde, eventualmente se opondo a algumas lideranças empresariais de seu estado que estariam fazendo roleta russa com a cabeça dos outros ao negligenciar o alcance do problema. Como performance, destaca-se o ato pró Bolsonaro no qual o governador Caiado é vaiado após discursar em favor do isolamento social e da conscientização das pessoas para a gravidade da pandemia. Em sua conta pessoal no Twitter, o goiano afirma que é sua obrigação como governador e médico zelar pela saúde do povo.
A partir de junho, entretanto, esses três governadores começaram a flexibilizar as medidas de isolamento social em seus estados. João Dória, o governador mais atacado pelas carreatas bolsonaristas, que tiveram São Paulo como um dos focos, foi o primeiro a apresentar um plano para flexibilização, ainda no final de maio, o que gerou muitas críticas de especialistas médicos por causa dos números ainda crescentes de contágio e mortes pela Covid-19. No caso de Wilson Witzel, as medidas acompanham uma mudança de tom em relação ao presidente Jair Bolsonaro, um processo de impeachment aberto e denúncias de corrupção. Em Goiás, Caiado também se reaproxima do presidente e cede às pressões de prefeitos e da iniciativa privada para afrouxar consideravelmente as regras de isolamento social.

Performance: Governador Witzel gravou vídeos de sua residência, no Palácio Laranjeiras, para explicitar o resultado positivo de seu teste para Covid-19, comentar sobre seus sintomas e mostrar que se mantinha em isolamento social. As imagens procuram mostrar que, mesmo na crise, Witzel continuou trabalhando à distância, por videoconferência.
Para o governador do Maranhão, primeiro estado brasileiro a adotar o lockdown, só será possível vencer essa pandemia quando todas as agendas (de todos os gestores – estaduais e o federal) estiverem alinhadas com essa finalidade, tendo como prioridade o enfrentamento ao coronavírus. Para que isso seja possível, se necessitaria de um líder nacional capaz de unir a população, cuidar da gestão pública e administrativa, que considere os interesses de toda a população antes dos próprios. Um líder que se sensibiliza com as mazelas que afetam o seu povo. Aponta como preponderante, para vencer esse momento de instabilidade no país, agravado em razão do Covid-19, a defesa da democracia e do Estado Democrático de Direito, a partir da atuação de uma Frente Ampla que engloba todos aqueles que defendem a normalidade democrática no Brasil, o direito dos mais pobres [15], e também as ações do que chama de Núcleo do bom senso, integrado pelo Judiciário, pelo Ministério Público, pelo Congresso, pelos governadores, pelos prefeitos, entre outros. Ele incluiu nesse núcleo também Mandetta, então ministro da saúde. Para Dino, temos que manter esse núcleo de bom senso aglutinado e em sintonia com os profissionais de saúde, que têm os conhecimentos técnicos e são os líderes disso tudo. É o que tem dado certo e salvado o Brasil [16].
O “eles”. No discurso “científico” a construção de identidades políticas antagônicas aponta também para um “eles” que articula elementos negativos em oposição a um “nós” que condensa grupos e atributos positivos. No plano internacional, nas práticas discursivas da OMS a construção de antagonismos é evitada, visto que a organização produz uma chamada para ação de todos os governos e empresas para que prezem pela solidariedade global nesse momento. Contudo, é possível perceber confrontos nos momentos em que se responde à críticas feitas a seus posicionamentos e suas recomendações. Por exemplo, na resposta à fala do presidente dos EUA sobre a Covid-19 como vírus chinês criado em laboratório nesse país; ou na resposta ao presidente do Brasil quando este utilizou um discurso do Diretor da OMS fora de contexto.
Para lideranças da Igreja Católica, o significante vazio do “eles” seria a pandemia da irresponsabilidade a partir do qual se constrói uma cadeia de equivalências conformada por: governantes, empresários e economistas preocupados apenas com a economia; governantes que valorizam seus interesses pessoais, sem pensar no bem comum; a política genocida; a mídia que apavora; o charlatanismo dos falsos profetas – como alguns pastores que prometem falsas curas e se aproveitam da fé das pessoas em cenários caóticos; os grupos negacionistas que minimizam a Covid-19, desrespeitam e desacreditam as medidas orientadas pela OMS; a ‘cultura do descarte’ adotada no mundo das finanças; a desarmonia e o egoísmo.
Nas práticas discursivas de Putin, o ponto nodal do “eles” com forte conteúdo moral negativo seria cada um por si como resposta à crise. A partir dele se articulam: a adoção de políticas unilaterais, o liberalismo, o isolacionismo, a situação desafiadora que se desenrola pela forma com a qual os governos europeus e americanos lidam com a crise, a manutenção de sanções econômicas, os que desacreditam a OMS.
No caso das práticas discursivas de Xi-Jinping os pontos nodais do “eles” são a democracia liberal e a falta de cooperação internacional, a partir dos quais se constrói uma cadeia de equivalências conformada por: individualismo, os Estados Unidos, entraves ao fluxo comercial, não colaboração com organizações internacionais, xenofobia, sociedades desestabilizadas que propiciam o aumento do desemprego, governos que não compartilham pesquisas a nível internacional, e sociedades que demonstram pouca preocupação com empresas nacionais.
No caso chileno, para Sebastián Piñera os pontos nodais de oposição na prática discursiva “eles” se articulam especialmente em torno dos irresponsáveis, os quais segundo o presidente não atuam de acordo com o enfrentamento à pandemia. Embora não nomeie frequentemente adversários em seus pronunciamentos, estes seriam os que não respeitam a quarentena, os violentos, os que denunciam os problemas (enquanto o governo e o próprio Piñera tratariam de resolvê-los), os encapuzados, os “obstrucionistas”, a esquerda extremista.
No discurso político de Jacinda Ardern a construção do “eles” não aparece a todo momento de forma explícita. Até mesmo a oposição política ao seu governo não é contrária às medidas tomadas pela alternativa científica. Vale destacar que sua gestão procura ser baseada sempre na empatia e em prol de uma coletividade maior. No entanto, no discurso da primeira-ministra podemos observar alguns momentos em que se estabelecem a fronteira do “outro”. O ponto nodal que articula o discurso é estabelecido pelo valor da individualidade. Dessa forma é organizada uma cadeia de equivalência através deste ponto. Ela atribui a esse valor: aquelas pessoas que vão trabalhar em serviços não essenciais e acabam colocando a vida dos trabalhadores essenciais em risco; aquelas que não obedecem às restrições de isolamento social e aqueles estrangeiros que não seguem as determinações do governo neozelandês, sendo ameaçados de serem deportados. No tocante, seriam os negligentes, os individualistas e os egoístas. Obviamente, se resume a todas aquelas pessoas que não seguem a cartilha do governo embasada na ciência.
No início da pandemia, o presidente Fernández conseguiu construir um consenso em torno às medidas adotadas de isolamento social, preventivo e obrigatório. Ele afirmava que a melhor Argentina é a que discute como fazê-lo, mas não discute o que fazer, já que todos concordavam que se devia evitar o contágio com a propagação do vírus. Haveria diferenças que levavam a discutir se a quarentena deveria durar mais alguns dias, menos dias, mas todos aparentemente, a apoiavam. As medidas do governo começaram a dar certo, fazendo de Argentina fosse um dos países com mais controle da contaminação e com menos número de mortes proporcionalmente. A popularidade do presidente aumentou, o que levou a setores da oposição a sentir-se ameaçados. Ao mesmo tempo setores financeiros, empresariais e profissionais liberais viram afetados seus interesses econômicos com a extensão do isolamento e com medidas adotadas durante a pandemia, como a intervenção estatal na empresa agroexportadora Vicentin. As práticas discursivas do presidente passam a identificar no “eles” alguns empresários miseráveis que demitem na crise e figuras do núcleo duro da oposição no governo anterior, como o ex-presidente Macri e a ex-ministra de seguridade, Bulrich que defendem a saída logo do isolamento horizontal. Mas também na crítica identificam lideranças de direita – como Aznar, Zedillo e Uribe – signatários junto com Macri do documento publicado pela Fundação Internacional para a Liberdade (FIL) presidida por Mario Vargas Llosa, onde são criticados os governos – particularmente o argentino – que teriam restringido as liberdades. Também fazem parte líderes como o do Brasil, país com mais de 200 milhões de habitantes, com fronteiras com quase todos os países da América do Sul e cujo presidente faz chacota, abraçando e indo às ruas a tirar selfies cercado por pessoas negando a importância da pandemia.
Figura 1: Cadeia de equivalências do “eles” do discurso científico no campo internacional
Na construção política do “eles” no plano nacional, confluem em geral as práticas discursivas do presidente da Câmara dos Deputados, dos governadores de São Paulo, do Rio de Janeiro e até do Maranhão. Os pontos nodais seriam irresponsabilidade, promoção do ódio e o fazer política. A cadeia de equivalências articula: a falta de senso de humanidade, os que estimulam o falso conflito entre saúde e economia, os que enxergam a questão da crise da Covid-19 como política visando as Eleições de 2022, populistas, o presidente da República, seus filhos, o gabinete de fake news, golpistas, os que atentam contra a Constituição, os semeadores do caos, cavaleiros do apocalipse que querem o desespero para poder semear as suas teses autoritárias e fascistas, manifestantes de carreatas, milicianos ideológicos, aliados da doença, os que ameaçam à imprensa, os que atacam a especialistas em saúde pública, os que ignoram a ciência e negam a realidade, os insensatos, a indiferença. No que concerne ao Comitê Científico do Combate ao Coronavírus (CCCC) o ponto nodal do “eles” é articulado pelos impactos negativos (na saúde, sociedade e economia) causados pelo novo coronavírus, um inimigo invisível e pouco conhecido.
Figura 2: Cadeia de equivalências do “eles” do discurso científico no campo nacional
O “nós”. Tendo como referência o “eles”, as práticas discursivas dos porta-vozes do discurso científico procuram construir o “nós”, articulando em torno de pontos nodais e significantes vazios uma cadeia de equivalências de demandas e grupos positivos. No plano internacional, o ponto nodal das práticas discursivas da OMS é solidariedade global, responsabilidade dividida. A cadeia de equivalências articula a resposta multilateral para uma emergência global, toda a humanidade já que o vírus não vê a cor da pele e nem classe social, todas as vidas importam. Para a Igreja Católica, a solidariedade global, a fraternidade da comunidade humana e a oração apontam para a saída. Assim, o “nós” é construído numa cadeia de equivalências pela figura do Papa, bispos, padres e fiéis; a OMS; a imprensa que arrisca a própria saúde para informar a população e entregar a verdade, não a que gera pânico; pessoas e empresas defensoras do isolamento social e de todas as medidas de prevenção; os que reconhecem a vulnerabilidade física, cultural e política diante da pandemia; os que alertam para o perigo do vírus da indiferença egoísta; os que promovem valores como a esperança, fé, união, responsabilidade, caridade e solidariedade. As demandas principais que estão associadas ao “nós” são as de preservar a vida, resguardar a saúde, a reconstrução de um mundo melhor pós-pandemia, com mais união, menos desigualdades e sem poluir e depredar o planeta.
Nas práticas discursivas de Putin, o ponto nodal do “nós” é o povo russo ao qual se articulam na cadeia de equivalência, grande família, valores como união, solidariedade e resiliência. As principais demandas identificadas no contexto da pandemia que também fazem parte da cadeia são: isolamento social sem maiores riscos; tudo sob controle devido a proatividade e adoção rápida de medidas de contenção da pandemia; disciplina; vontade de apoiar ao outro; priorizar a vida, a saúde e a segurança da população; manutenção dos empregos e da renda; valorização da cooperação internacional.
No caso de China, as práticas discursivas de Xi-Jinping constroem o “nós” a partir de pontos nodais como humanidade como unidade, e o sistema de socialismo com características chinesas. A cadeia de equivalência articula: empresários comprometidos com a agenda de desenvolvimento nacional, a cooperação internacional com demais países e especialmente com Organização Mundial da Saúde (OMS), os governantes regionais que não baixam a guarda para o controle da disseminação do vírus, a facilitação do comércio internacional, a garantia de emprego, o cumprimento de metas, a estabilidade social, a preocupação com as empresas nacionais, o compartilhamento de pesquisas no plano internacional, respeito, o futuro compartilhado da humanidade, a China guiada por uma visão de comunidade.
Jacinda Ardern ao construir o “nós”, obtém o ponto nodal de seu discurso a empatia, caracterizando principalmente a atuação do conjunto majoritário da própria população neozelandesa, que junto com o governo obteve bons resultados. Assim configura-se uma cadeia de equivalências que articula valores como o companheirismo, ao defender que ninguém deve ser abandonado, em conjunto com a responsabilidade, a gentileza e a gratidão em relação às pessoas que respeitam os parâmetros científicos e aos trabalhadores de serviços essenciais. Articula também atos como o “ficamos em casa para salvar vidas” e o “evitamos o contato uns com os outros”. Além disso o “nós” é construído também por aqueles que seguiram as determinações científicas, sejam dos conselhos de saúde, sejam das estatísticas com a finalidade de achatar a curva e evitar novas transmissões. Jacinda não opõe o diálogo da saúde com as questões econômicas, coloca seu governo preocupado em manter os empregos e ajudar as empresas, estabelecendo que o foco na saúde se torna, também, uma estratégia para a economia.
Para Sebastián Piñera, o “nós”, entendido como diferenciação discursiva entre seus adversários no campo político procura construir uma ideia de grande maioria em relação a seus adversários. Em torno da ideia de compatriotas ou os chilenos, procura construir uma cadeia de equivalências sob o signo da colaboração, nomeando o governo (ele incluído), a imensa maioria dos chilenos, a sociedade civil, os responsáveis.
No caso do presidente Fernández, o “nós” é conformado para além dos seus apoiadores, é o povo que entendeu o perigo e a importância do isolamento social. Há um acordo construído pelos argentinos: cuidar de todos, de todas e de “todes”.

Performance: O presidente Alberto Fernández construiu uma rede de 12 hospitais modulares de emergência em pouco mais de 20 dias: “Nossa prioridade é fortalecer o sistema público de saúde para cuidar de todos os argentinos ante a pandemia do Coronavírus”. Na foto, visita o hospital Cuenca Alta, na cidade de Buenos Aires.
Em termos de lideranças se incluem membros da oposição que administram a crise enquanto governadores ou prefeitos, e que apoiam as medidas do presidente; também a comunidade científica, os médicos, os infectologistas, os epidemiologistas. Faz parte do “nós” o Papa Francisco: o presidente tem mostrado um alinhamento ideológico com as falas do Papa – sobre solidariedade e a crítica à cultura do descarte dos que sobram, o que de alguma forma dá uma legitimidade moral às suas decisões. Finalmente se inclui o Grupo de Puebla, como um importante espaço para a construção de um contraponto frente a visões que defendem a liberdade econômica como mais importante do que a saúde.
Figura 3: Cadeia de equivalências do “nós” do discurso científico no campo internacional
No Brasil, as práticas discursivas dos principais porta-vozes do discurso científico confluem na construção das cadeias de equivalência dos “nós”, ainda que com algumas diferenças nos pontos nodais. Enquanto os governadores de São Paulo e do Rio de Janeiro, e o presidente da Câmara têm em comum salvar a vida e proteger empregos, Maia destaca também o Brasil precisa, a Câmara aprova.

Performance: Durante a pandemia o presidente da Câmara mantém presença física no plenário, conduzindo sozinho as sessões plenárias virtuais: “O Congresso só foi fechado na ditadura e não vai fechar mais”. Dá uma resposta aos extremistas que pedem o fechamento do Congresso e sua saída.
A cadeia de equivalências articula o Estado democrático de direito; a democracia; os brasileiros que querem paz; gestão eficiente; governar com equilíbrio, sensatez e diálogo; seriedade; agir de forma não-ideológica; solidariedade; saúde e economia inseparáveis; isolamento social; embasamento científico e técnico; a Organização Mundial da Saúde; a maioria absoluta de médicos e cientistas; brasileiros que estão respeitando a quarentena; união entre iniciativa privada e poder público; aumento do investimento em saúde; #fiqueemcasa; um Brasil unido; governadores; prefeitos; o ministro Guedes; o vice-presidente Mourão; ex-ministros Mandetta e Moro; o STF; a polícia militar; a polícia civil; o corpo de bombeiros; a imprensa; e o Papa Francisco. No caso do governador de Maranhão, o ponto nodal é o núcleo do bom senso que articula o Judiciário, o Ministério Público, o Congresso, governadores, prefeitos, ex-ministros como Mandetta como também atributos como solidariedade, responsabilidade e senso de humanidade. Nas práticas discursivas do Comitê Científico de Combate ao Coronavírus (CCCC), expressas principalmente nos boletins, a cadeia de equivalência do “nós” está articulado entre os representantes dos nove estados do Nordeste, o Consórcio Nordeste, à ciência, representada pelas orientações do Comitê, Subcomitês, e colaboradores, para vencer a desinformação e a falta de articulação das ações com vistas a combater o coronavírus e mitigar os seus impactos.
Figura 4: Cadeia de equivalências do “nós” do discurso científico no campo nacional
A reprodução e criação de antagonismos
Na disputa entre os discursos “negacionista” e “científico” que é promovida pelas práticas discursivas dos principais porta-vozes, seja no nível internacional como no nacional, se reproduzem antagonismos pré-existentes como também novos são criados.
Estes antagonismos reproduzidos e criados nos (e com) os discursos expressam as disputas políticas que se abrem em termos de hegemonia ante o acontecimento pandemia da Covid-19, e o rompimento da normalidade que tinha sido estabelecida pelas relações de poder dominantes.
Nas práticas discursivas de lideranças da igreja católica o antagonismo que se reforça é entre o povo católico, os movimentos de pobres e excluídos, e os governantes responsáveis preocupados com a justiça social, a sustentabilidade ambiental e a preservação da vida vs. os governantes, empresários e elites preocupados apenas com a esfera econômica e o lucro, defensores da ‘cultura do descarte’, cultores do egoísmo, a segregação, a histeria, a desigualdade social e de preconceitos, em especial, aos migrantes mais vulneráveis.
No caso da Rússia, a pandemia parece reforçar antagonismos antigos. Considerando que, o antagonismo que mais se destaca a nível nacional é pautado por uma questão de identidade (um debate em torno do ocidentalismo, eslavofilismo ou eurasianismo) que, por sua vez, reflete um antagonismo externo. Em meio à crise da Covid-19, as falas de Putin têm comparado a situação desafiadora dos países europeus e dos EUA com a da Rússia, onde tudo está sob controle, mas reconhece o potencial de alto risco. Em contrapartida, opositores nacionais e internacionais questionam os dados oficiais – à princípio, o número de casos de coronavírus e a taxa de mortalidade – e criticam uma abertura precoce. Por outro lado, o presidente russo ressalta que hoje em dia o país é o que mais faz testes em todo o mundo e que a experiência estrangeira mostrou que o fracasso em fazer os preparativos necessários, bem como um sistema de saúde sobrecarregado, foram as principais causas de uma alta taxa de mortalidade. Contudo, as medidas tomadas com antecedência teriam permitido salvar milhares de vidas. Putin afirma que, por conta dessas medidas, o país poderia seguir para o próximo estágio de combate ao coronavírus e dar início a uma suspensão gradual das restrições. Putin enfatiza que sua posição não mudou, a principal prioridade é a vida, a saúde e a segurança das pessoas. Mas que considerando a extensão territorial do país e as diferenças na situação epidemiológica entre as regiões, não se deve seguir um padrão geral, já que certas ações podem produzir riscos injustificados para as pessoas, enquanto em outras regiões podem levar a restrições injustificadas para pessoas e empresas. Portanto, as regiões devem ter autonomia para elaborar seus respectivos planos, com base nas recomendações do governo, Rospotrebnadzor [17] e do grupo de trabalho do Conselho de Estado, mas de forma que a palavra final seja dos médicos e especialistas.
Na prática discursiva de Xi-Jinping não é apresentado explicitamente antagonismos no plano interno, salvo menções como a de melhorar a ineficácia da mídia, o que nos leva a fazer um paralelo ante performances relatadas por jornais, como as reportagens do South China Morning Post [18] denunciando o desaparecimento de alguns jornalistas chineses que criticaram a ineficácia das medidas do governo, e/ou a demora na tomada de ações para o controle da epidemia. Também podemos citar o caso do médico Li Wenliang, repreendido no dia 3 de janeiro de 2020 por supostamente estar espalhando boatos. No plano internacional, os antagonismos existentes entre China e Estados Unidos foram reforçados durante a pandemia da Covid-19. Donald Trump denominou o novo coronavírus de vírus chinês. As acusações não pararam por aí: o governo norte-americano chegou a alegar que hacker chineses tentaram roubar dados de vacinas e tratamentos para a Covid-19 [19], e que o país asiático havia encoberto o surto da doença propositalmente, acusações respondidas pela embaixada chinesa em Washington como falsas [20]. O conflito em torno da Covid-19 acrescenta um novo elemento a nova guerra fria que teve seu início com a guerra comercial em 2018, e o acréscimo da dimensão tecnológica com a disputa pelo domínio da tecnologia 5G. No mais, ainda nesse cenário é possível identificar novos antagonismos, como no caso do Brasil que também realizou acusações à China, exemplo clássico foi a fala do ex-ministro da educação, Abraham Weintraub, de que a Covid-19 seria um plano de dominação mundial. Em coletiva de imprensa do dia 7 de abril, o porta voz Zhao Lijian’s, quando indagado sobre essa acusação reforçou o discurso do vírus como inimigo de todos e se opôs à estigmas. E ainda, recentemente o conflito econômico entre China e Austrália se agravou após essa solicitar abertura de uma investigação internacional independente sobre as origens do novo coronavírus. Anteriormente, a Austrália havia imposto restrições ao retorno de estudantes chineses ao país. Em resposta ao que classificou como ataques racistas, a China aplicou medidas econômicas contra a carne bovina e a cevada australiana [21].
O presidente do Chile, em suas práticas discursivas, procura estabelecer em torno de si e do governo a ideia de uma amplitude de apoios, caracterizada pela utilização de termos mais gerais dentro da cadeia de equivalências do “nós”, passando uma sensação de unidade e ponderação, relegando ao campo opositor uma caracterização mais pormenorizada e, portanto, mais circunscrita. O fato é que Piñera não possui atualmente condições políticas de estabelecer para si muitos antagonismos, a oposição é grande e sua aprovação popular é muito baixa e, embora tenha conseguido se manter no cargo de presidente, tem sido obrigado a fazer cada vez mais concessões e atender demandas populares devido à pandemia.
Em suas práticas discursivas, o presidente da Argentina procura superar os velhos antagonismos que marcaram o país por mais de setenta anos entre peronistas vs. anti-peronistas, polarização que se amplificou e intensificou com outros componentes (vinculados tanto a posicionamentos a respeito do regime militar como às políticas neoliberais) e denominada nos últimos anos como a fenda (grieta). Como apontado anteriormente, tinha conseguido com suas atitudes e medidas um crescente apoio de até quem não tinha votado nele na eleição o ano passado. De toda forma, os porta-vozes do “eles” – e seus seguidores nas mídias e nos panelaços – estão tentando ressignificar os antagonismos entre: o governo corrupto, que interfere nos processos judiciais, com sua visão estatista e seus seguidores planeros (beneficiários de planos assistencialistas) e que estão levando a economia ao caos vs. a oposição, que defende a justiça e a moralização da política, o mercado, a meritocracia, a abertura ao mundo global e a volta ao trabalho e à normalidade.
As práticas discursivas expressas por lideranças como o presidente da Câmara dos Deputados e de governadores como os de São Paulo e Rio de Janeiro, apontam para a criação de um novo antagonismo que emerge no contexto da Covid-19. Este antagonismo está dividindo a anterior ampla coalizão de direita que permitiu o triunfo eleitoral do atual presidente. Assim, esse novo antagonismo se daria entre uma direita gerencial reciclada vs. a extrema direita populista. A direita gerencial reciclada estaria conformada, entre outros, por essas lideranças (presidente da Câmara, governadores de São Paulo e do Rio de Janeiro); o presidente do Senado; o governador de Goiás[22]; o ex-ministro da Saúde Mandetta; o prefeito de São Paulo; representantes de partidos políticos desse “novo centrão” como o DEM, o PSDB, o MDB entre outros[23]; lideranças do agronegócio com interesses no mercado chinês; industriais; parte das elites financeiras; o ex-ministro Moro e setores do lava-jato; o MBL; setores da classe média antipetista e apoiadores da luta contra a corrupção. Teriam uma ampla repercussão na mídia tradicional, procuram ecoar-se como alternativa real de poder político ante o STF e ante membros do governo como o ministro Guedes, o vice-presidente Mourão, assim como na hierarquia das forças armadas. Com o surgimento dessa “direita gerencial reciclada” se reconfigura no polo oposto, uma “extrema direita populista” (isto é, a direita se radicaliza em extrema direita). Ela congrega o presidente e seu núcleo familiar e ideológico, misturando parlamentares das bancadas da bala, da bíblia e do boi; flertando com o “velho” centrão[24], com apoio de alguns governadores (como os de Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul); industriais; lideranças do agronegócio tradicional; parte das elites financeiras; lideranças pentecostais; classes médias mais radicalizadas; trabalhadores informais e setores empobrecidos beneficiários dos auxílios de emergência; forças de choque que articulam civis e militares retirados; milícia; polícias militares e corpo de bombeiros; baixos escalões das forças armadas e setores do alto oficialato em ativa e retirados; mídias tradicionais controladas pelos evangélicos e um amplo leque de seguidores nas mídias sociais[25]. Junto a esse novo antagonismo, permanece e se reproduz – ainda que em menor intensidade – o antagonismo desse polo entorno do presidente contra a esquerda, petista ou não, herdado da contenda eleitoral e que, agora, tem na primeira linha a maioria dos governadores do Nordeste – com Dino como uma figura de destaque – parlamentares do PT, PSOL, PSB e parcialmente do PDT, ex-presidentes (Lula e Dilma) e candidatos como Haddad, Boulos, Ciro e Marina, lideranças de movimentos sociais e sindicais, com apoio de parte da classe média e de setores populares. Tanto a força deste polo de esquerda, como deste antigo antagonismo está secundarizada. Destaca-se ainda algumas iniciativas suprapartidárias de união, com a formação de uma Frente Ampla em defesa da Democracia e contra o atual governo, a exemplo do movimento “#Somos70PorCento”. A iniciativa se espalhou nas redes sociais a partir da análise do economista Eduardo Moreira sobre pesquisa indicando que 70% da população brasileira avalia como regular, ruim ou péssima o atual governo.
Recapitulando a caracterização do discurso “científico”
Como já temos apontado em vários momentos de nossa pesquisa, o olhar para pandemia da Covid-19 enquanto acontecimento nos permite vislumbrar a oportunidade de mudança política que se abre com a suspensão da hegemonia através da disputa entre discursos sobre a própria pandemia: o discurso “negacionista” e o discurso “científico”. Nas páginas precedentes, com o apoio metodológico da análise política de discurso e da abordagem de marcos interpretativos temos caracterizado os principais elementos de um desses discursos mestres, o que denominamos de “científico”.
Este discurso se encontra presente na prática discursiva de uma diversidade muito ampla e majoritária de porta-vozes: desde lideranças políticas de países estrangeiros, autoridades religiosas e instituições internacionais até, no plano nacional, governadores, parlamentares, ex-ministros e ex-presidentes, partidos, instituições de pesquisa, consórcios de cientistas, organizações da sociedade civil, mídias tradicionais e sociais entre outros. Desse amplo leque, para os fins deste artigo, no plano internacional fizemos uma caracterização sumária de porta-vozes como a Organização Mundial da Saúde, o Papa e presidentes e primeiros ministros de Argentina (Fernández), Nova Zelândia (Ardern), Rússia (Putin), China (Xi Jinping), Chile (Piñera) e no plano nacional da Fundação Oswaldo Cruz, governadores de Maranhão, São Paulo, Rio de Janeiro e Goiás, Comitê Científico do Nordeste e o presidente da Câmara de Deputados além de mídias tradicionais.
O diagnóstico do problema deste discurso destaca a pandemia da Covid-19 como uma ameaça à vida, saúde e segurança da população. Mas ao mesmo tempo se considera que é um risco a economia global. Porém, colocar a economia em primeiro lugar como faz o discurso “negacionista”, reforçaria a cultura do descarte adotada no mundo das finanças. Esse diagnóstico destaca como injustiças a desigualdade econômica, social e de gênero, a falta de responsabilidade global, as demissões em larga escala em países em desenvolvimento e os grupos vulneráveis que já sofrem o desemprego e a fome. No plano nacional, o diagnóstico do problema acrescenta o tumulto político representado pelo posicionamento do presidente que estimula as pessoas a saírem às ruas e convoca manifestações que atentam contra as instituições e a saúde da população; divulga fake news sobre o tema. Assim no Brasil, estamos lutando contra o coronavírus e contra o Bolsonarovírus. É o vírus do extremismo, cujo pior efeito é ignorar a ciência e negar a realidade.
No que diz respeito ao tom, cabe refletir sobre o peso da razão e da paixão (ou do emocional) neste discurso. Como identificamos na sua caracterização, o tom que assumem as práticas discursivas – com variantes entre os porta-vozes – não fica só restrito ao técnico ou racional. Apesar de que o técnico e o racional são dimensões centrais na descrição do problema, do prognóstico sobre o mesmo e das propostas e soluções para enfrentar a pandemia, o tom do discurso “científico” – superando um possível paradoxo com sua ênfase no cuidado e sustentabilidade da vida – também deixa espaço para a empatia, a emoção e a paixão. Este espaço, ao invés de diminuir, pelo contrário, fortalece o discurso. Com efeito, a importância desta dimensão emocional ou da paixão é fundamental para entender a eficácia do discurso científico na construção de uma empatia com as injustiças que o diagnóstico denuncia, de identificação com a fronteira que estabelece em termos do antagonismo entre a identidade do “eles” e do “nós”, e com a capacidade de mobilizar aderentes e aliados em defesa das soluções propostas[26].
Em termos de soluções e propostas no discurso “científico” destaca-se que os governos, seguindo as orientações da OMS, devem tomar medidas de isolamento social assim como o fornecimento de meios para que a população possa ficar em isolamento. Também se apontam a solidariedade e uma amplia articulação da cooperação internacional com a ajuda a países que sofrem com a falta de recursos para lidar com a pandemia. Em termos nacionais, tem que fazer escolhas: é preferível que as fábricas estejam vazias porque seus trabalhadores estão em quarentena e não porque possam ter se contagiado ao irem a trabalhar, adoecer ou morrer. Dessa forma com a quarentena o que estamos ganhando é saúde e vidas. Com a crise, se requer um Estado forte e presente. Mas tem que ser um esforço de todos, regras claras e a colaboração do setor privado, dos empresários e do setor público. Aí entra a política com P maiúsculo: para vencer o momento de instabilidade no Brasil, agravado pela pandemia, se necessita a defesa da democracia e do Estado Democrático de Direito, a partir da união, da atuação de uma Frente Ampla que engloba todos aqueles que defendem a normalidade democrática no Brasil, o direito dos mais pobres com ações do Núcleo do bom senso, integrado pelo Judiciário, pelo Ministério Público, pelo Congresso, pelos governadores, pelos prefeitos, entre outros.
Na prática discursiva de porta-vozes internacionais a cadeia de equivalência do “eles” em torno do ponto nodal politicagem articula entre outros elementos, individualismo, ataque as organizações internacionais, ineficiência, omissão do papel do Estado, defensa do mercado em detrimento da vida, demissões em larga escala. No plano nacional, o “eles” articula uma cadeia equivalencial em torno do ponto nodal irresponsabilidade e politicagem do presidente, elementos como ódio, fake-news, individualismo, negacionismo, ataque as organizações internacionais, omissão do Estado, ataque à imprensa, ineficiência e Bolsonavirus.
Por sua vez, o “nós” no plano internacional articula uma cadeia de equivalências em torno do ponto nodal salvar vidas composta por elementos como solidariedade global, cooperação internacional, manutenção de empregos, repensar modelo econômico, Estado como ator principal e respeito as recomendações científicas. No plano nacional, a partir do ponto nodal salvar vidas e empregos, o “nós” articula uma cadeia equivalencial composta, entre outros elementos, por: foco na vida e na saúde, dados e informações confiáveis, valorização do trabalho da imprensa, união nacional, Estado como ator principal, respeito às recomendações científicas, manutenção de empregos, defesa do isolamento social, auxílio emergencial para os mais vulneráveis, defesa das instituições democráticas.
Cabe destacar que o discurso científico congrega num “nós” uma série de atores com posições diversas e até antagônicas em diversas questões políticas, econômicas, sociais e culturais. Por exemplo, no espaço latino-americano, os presidentes Fernández de Argentina e Piñera de Chile; ou no contexto nacional, os governadores Dória de São Paulo e Witzel de Rio de Janeiro com o governador Dino de Maranhão. Manifesta-se como aponta Laclau em seus escritos, uma exterioridade constitutiva do grupo expressa no “eles”. A identidade do “nós” – com a articulação de demandas, atores e valores diversos – é construída a partir do antagonismo com o “eles”. Essa identidade não é produto de uma essência anterior ao antagonismo. Ela é contingente, resultado da exterioridade do “eles”. A reconfiguração de identidades e grupos que se manifesta com a disputa de discursos políticos sobre a pandemia, pode de forma contingente se manter ou estender para outras disputas políticas. Assim podem se conformar novos blocos de poder articulando atores que estavam anteriormente em campos diversos ou até antagônicos. O acontecimento pandemia, com a suspensão da hegemonia, abre esta possibilidade.
No próximo artigo da série retomaremos e aprofundaremos esta reconfiguração política em curso com o acontecimento pandemia, ao trazer para análise o papel das mídias sociais e tradicionais na reprodução dos discursos “negacionista” e “científico”.
Jorge Osvaldo Romano, Thais Ponciano Bittencourt, Renan Alfenas de Mattos, Annagesse de Carvalho Feitosa, Juanita Cuellar Benavídes, Ana Carolina Aguiar Simões Castilho, Caroline Boletta de Oliveira Aguiar, Érika Toth Souza, Vanessa Barroso Barreto, Daniel Borges, Daniel Macedo Lopes Vasques Monteiro, Lize Uema, Eduardo Britto Santos, Paulo Petersen, Paulo Augusto André Balthazar, Ricardo Dias da Silva, Larissa Rodrigues Ferreira, Myriam Martinez dos Santos são pesquisadoras e pesquisadores do grupo de pesquisa “Discurso, Redes Sociais e Identidades Sócio-Políticas (DISCURSO)” vinculado ao Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento Agricultura e Sociedade e ao Curso de Relações Internacionais do DDAS/ICHS da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, registrado no CNPq e com apoio de ActionAid Brasil.
[2] Para Han, o acontecimento abre uma fissura na certeza dominante. Apesar de ser tão imprevisível e repentino como um evento natural, ele se articula ao social e ao político. O acontecimento é aquilo que abre as portas para o não previsto, rompe com regularidades, padronizações e uniformidades envolvidas na capacidade de projetar e gerir o mundo (Han, Byung-Chul. Psicopolítica. Belo Horizonte: Ayne 2018; Han, Byung-Chul. La Emergência viral y el mundo de mañana. 2020, in: https://dialektika.org/wp-content/plugins/algori-pdf-viewer/dist/web/viewer.html?file=https%3A%2F%2Fdialektika.org%2Fwp-content%2Fuploads%2F2020%2F04%2FSopa-de-Wuhan-ASPO.pdf
[3] Romano, J. O. et al. O vírus não é democrático: a pandemia da Covid-19 como acontecimento e a disputa de discursos. Le Monde Diplomatique Brasil Online, Séries Especiais, Populismo e Crise: A análise política dos discursos sobre a pandemia Covid-19, 2020.
[4] A análise política do discurso se fundamenta no olhar de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe para os quais as disputas de narrativas presentes no contexto democrático remetem a uma confrontação entre diferentes práticas e projetos antagônicos. O discurso político que conforma as narrativas em disputa tem a virtude e o poder de articular as identidades múltiplas e contingentes dos sujeitos (Laclau, E. Los fundamentos retóricos de la sociedad. Buenos Aires: FCE, 2014).
[5] A análise dos marcos interpretativos (frame analysis) desenvolvida por autores como Lakoff, Snow, Benford e Galván considera o discurso político um conjunto articulado de marcos de interpretação da realidade que estrutura o pensamento, fala e ações individuais e coletivas. Lakoff, George. No pienses en un elefante. Lenguaje y debate político. Editorial Complutense, Madrid, 2007; Snow, D. e Benford, R. Ideology, Frame Resonance and Participant Mobilization. In B. Klandermans, H. Kriesi y S. Tarrow (eds.) From Structure to Action: Comparing Social Movement Research across Cultures. Greenwich: JAI Press, 1988; Galván, I. La lucha por la hegemonía durante el primer gobierno del MAS en Bolivia (2006-2009): un análisis discursivo. Madrid: Universidad Complutense, tesis de doctorado, 2012.
[6] Metodologicamente, ao longo do texto, pusemos em itálico palavras ou significados tanto expressos nas práticas discursivas dos porta-vozes como aquelas que achamos adequadas, em termos de significado, pelo trabalho analítico e que gostaríamos de destacar.
[7] Romano, J. O. et al. “Uma gripezinha”: A análise política do discurso negacionista. Le Monde Diplomatique Brasil Online, Séries Especiais, Populismo e Crise: A análise política dos discursos sobre a pandemia Covid-19, 2020.
[8] Cabe destacar limites na identificação de porta-vozes do discurso “científico”, pelas escolhas da mídia, que faz com que lideranças com posicionamentos claros – como vários governadores do Nordeste ou líderes de partidos de esquerda – sejam preteridos ou invisibilizados, não ganhando espaço nos debates veiculados publicamente. É sintomática também a ausência ou presença diluída da voz do “mercado” que em outros contextos é permanentemente acionada.
[9] O Grupo de Puebla é formado por cerca de 40 líderes políticos do campo progressista, de 13 países da América Latina. De acordo com sua declaração de fundação, o objetivo do “Grupo Progressista Latino-Americano” é servir como um “espaço de reflexão e intercâmbio político”, para “analisar desafios comuns e desenhar iniciativas conjuntas, em busca do desenvolvimento integral de nossos povos”. Seria uma nova aliança para uma nova agenda progressista, diante do avanço de uma “nova onda de governos neoliberais” na região. O nome se refere à cidade de Puebla, no México, onde o Grupo teve seu primeiro encontro em julho de 2009. O último e quinto encontro ocorreu em maio de 2020 de forma virtual, já no contexto da pandemia, com o tema: “A união é a mudança: paz, economia e pandemia”.
[10] Segrillo, A. de O. Europa ou Ásia? A questão da identidade russa nos debates entre ocidentalistas, eslavófilos e eurasianistas. 2016. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.
[11] Referências disponíveis em: https://www.forbes.com/profile/sebastian-pinera/#1da8feef7a75, https://www.declaracionjurada.cl/sistema/patrimonio.web.publico/pu/index.html?sid=1,
https://www.bcn.cl/laborparlamentaria/wsgi/consulta/verParticipacion.py?idParticipacion=1626093&idPersona=404&idDocumento=666468&idAkn=akn666468-ds32-ds43, http://www.memoriachilena.gob.cl/602/w3-article-93006.html. Acessados em: 20/06/2020.
[12] Página do Comitê Científico. Coordenação e Membros. Disponível em: <https://www.comitecientifico-ne.com.br/comit%C3%AA#h.wvqpc2545jkl>. Acessado em: 20/06/2020.
[13] Boletim 01 (01/04/2020), Boletim 02 (03/04/2020), Boletim 03 (09/04/2020), Boletim 04 (16/04/202), Boletim 05 (24/04/2020), Boletim 06 (05/05/2020), Boletim 07 (21/05/2020), Boletim 08 (01/06). Disponíveis em: https://www.comitecientifico-ne.com.br/imprensa. Acessados em: 20/06/2020.
[14] A análise acompanha a proposta de marcos interpretativos (frame analysis), particularmente a implementada por Errejón Galván (2012), que sugere a reconstrução de três marcos específicos: o marco do diagnóstico, onde se identifica o problema principal que aflige o país; o marco do prognóstico que apresenta e nomina a proposta geral de solução do problema, traça a fronteira que delimita o “eles” – os outros e articula a identidade do “nós”- do povo; e o marco de motivação, no qual se pretende incentivar a adesão à sua narrativa e a mobilização de seus adeptos e seguidores através da moralização dessa fronteira, a naturalização de um passado histórico e um programa ou lista de ações para solucionar o problema. Galván, I. E. La lucha por la hegemonía durante el primer gobierno del MAS en Bolivia (2006-2009): un análisis discursivo. Madrid: Universidad Complutense, tesis de doctorado, 2012.
[17] Rospotrebnadzor é o Serviço Federal Russo de Vigilância sobre Proteção dos Direitos do Consumidor e Bem-Estar Humano, uma agência federal que trabalha para fornecer supervisão e controle do bem-estar e dos direitos do consumidor e proteção dos cidadãos da Federação Russa.
[18] Lew, L. Missing Chinese citizen journalists highlight risks of telling Wuhan’s story during coronavirus outbreak.South China Morning Post. Disponível em: < https://bit.ly/3d3jXzB>.
[19] Satter, R. U.S accuses China-linked hackers of stealing coronavirus research. disponível em: <https://reut.rs/2UUeyVm>
[20] Recentemente os dois países têm trocado ameaças devido a atitude dos EUA de aprovar no congresso o “Projeto de Lei de Política de Direitos Humanos Uigur 2020”, que objetiva punir violações de direitos humanos praticadas por autoridades chinesas contra muçulmanos Uigures em Xinjiang.
[21] Os antagonismos entre a China e demais atores, como Estados Unidos e Brasil, serão abordados de forma mais ampla no artigo específico sobre a China, que também será publicado na série “Populismo e crise”.
[22] Como já foi apontado anteriormente, depois de um enfrentamento maior, os governadores de Rio de Janeiro, São Paulo e Goiás, não só estão adotando medidas de flexibilização do isolamento, mas também de diversas formas, vem procurando retomar o diálogo com o governo federal.
[23] O grupo que está sendo chamado informalmente de “novo centro” reúne, além de uma parcela dos deputados não suspensos do PSL, antiga legenda de Bolsonaro, cerca de 160 deputados também espalhados por: MDB, DEM, PSDB, SD, Podemos, Cidadania, Novo e PV. Fonte: Levantamento UOL.
[24]A maior parte do antigo ou “velho centrão” está se alinhando com o presidente. Esse bloco estaria conformado com a maior parte dos deputados do PSL(se incluir os que estão sob suspensão) e mais nove legendas: PP, PL, PSD, Republicanos, PTB, Pros, PSC, Avante e Patriotas. Somam cerca de 203 deputados, podendo chegar a 223, se incluir metade dos ainda filiados ao PSL. Fonte: Levantamento UOL.
[25]A aliança com o “velho centrão” não dá garantia da maioria ao presidente Bolsonaro no Congresso. Se o grupo do “novo centrão” se juntar aos 130 deputados dos partidos de oposição, reúnem 263 do total de 513 deputados da Câmara. Tem que se considerar também que a contagem é feita levando em conta o tamanho de cada bancada. E em quase todos os partidos elas estão rachadas. Ou seja, nenhum dos dois grupos tem consolidada com segurança uma maioria e, muito menos, o número necessário para aprovar uma emenda constitucional, que exige o voto de três quintos (308) dos deputados. Fonte: Levantamento UOL.
[26] Vale aqui lembrar novamente a Mouffe quando aponta criticamente que na filosofia política, o racionalismo e o individualismo que estão no cerne do liberalismo, enquanto tendência dominante, não permitem compreender o papel central que as paixões desempenham na política, isto é a dimensão afetiva e emocional que é mobilizada na criação de identidades políticas. Tudo aquilo que implica uma dimensão coletiva é considerado como arcaico, como algo também irracional que já não deveria existir nas sociedades modernas. (Mouffe, Chantal: En torno a lo político. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2011 ). Ver também: Paixão e razão: Os discursos políticos na disputa eleitoral de 2018. Jorge O. Romano (Org.) – São Paulo: Veneta, 2018.