Os banhistas do porto
No litoral das Ilhas Canárias, ao longo do Saara Ocidental, marinheiros de países orientais e da África são abandonados sem salário depois de meses no mar, enganados por armadores falidos ou mafiosos. Longe dos olhares, nesse arquipélago no cruzamento dos continentes, a solidariedade se organizaOlivia Dehez
(Barco apreendido atracado em Las Palmas)
Sentado atrás de sua mesa de escritório, o capitão cubano Pedro Leyva avança um peão no tabuleiro de xadrez eletrônico, iluminado pela luz que passa através da janela. Em volta dele, nos corredores, ao longo das escadas de metal e até o fundo dos tanques, o silêncio fez ali seu ninho, enrolado na ferrugem, símbolo de uma deserção antecipada. Amarrado entre dois grandes barcos a uma barragem do porto comercial de Las Palmas, nas Ilhas Canárias, o petroleiro Iballa G está abandonado há três anos e meio. Incapaz de honrar suas dívidas para com os fornecedores no cais e pagar sua tripulação, o armador fugiu. E os marinheiros, lesados, partiram. Menos um. Aos 68 anos, sem dinheiro, Leyva, último ocupante de um petroleiro de 116 metros, passa seus dias na sombra, no meio dos ferros, esperando o veredicto do processo, previsto para 2015.
Três aposentados que se revoltaram administram como podem a Stella Maris de Las Palmas, uma associação católica de ajuda aos homens do mar, de um local onde eles nem sequer possuem os meios para instalar uma conexão à internet. No porto, os voluntários são a última proteção que os marinheiros abandonados têm contra a miséria que os espreita. A van de Juan Antonio Rodríguez acaba de estacionar diante do barco de pesca Alba, e três membros da tripulação descem ao cais para receber suas caixas de alimentos. Abandonados por um armador mal-intencionado há dois anos, os marinheiros são do oeste da África. Entre os ocupantes do prédio, alguns não pertenciam à tripulação: imigrantes ilegais ou em situação precária, eles chegam da cidade e se instalam em um dos quarenta barcos que se encontram no porto, aproveitando a habitação gratuita e uma parte dos estoques da Stella Maris.
Mais ao longe no porto estão os marinheiros da traineira Valiente. Eles vieram de Murmansk, cidade portuária do extremo nordeste da Rússia, e aportaram há uma semana, depois de sete meses no mar. O armador, fechado em seu escritório, se recusa a acertar os salários, no valor de 300 mil euros. “É um momento do procedimento no qual as pessoas ficam com medo”, explica Rodríguez, com uma pasta embaixo do braço. “O que eles querem é recuperar seu dinheiro e ir embora. Enquanto ONG, nós podemos representá-los juridicamente, pagar um advogado, e temos o poder de imobilizar o barco se o armador se recusa a pagar. Por enquanto, vamos propor uma negociação. Ou ele aceita pagar pelo menos 80% dos salários e o negócio se resolve imediatamente, ou entramos com um processo e o barco fica paralisado.”
O capitão, que comanda sob a bandeira do Belize, tomou o partido do armador. “Depois disso, eles dividem os lucros”, diz Maximo, o intérprete contratado pela associação, nativo de Odessa, e que chegou ao porto de Las Palmas em condições similares em 1999. “Eles não estão nem aí para a tripulação. São os mafiosos de Murmansk. Lá, há muita miséria, não tem trabalho. Então eles não têm dificuldade para contratar homens. Eles os fazem trabalhar no mar por muitos meses, não pagam e vão embora. Depois, mudam o nome da companhia e recomeçam.” Diversos membros da tripulação se recusaram a incluir seus nomes na queixa. Entrar no braço de ferro pode piorar as coisas. Em 2012, no mesmo cais, o armador de uma traineira ameaçou as famílias dos marinheiros de represálias se eles reagissem.
Vulneráveis por terem uma atividade nômade, os trabalhadores do mar contam com o apoio de uma internacional sindical: a International Transport Worker’s Federation (ITF), fundada pelos estivadores de Londres no fim do século XIX, coloca à disposição fundos para responder às situações de urgência. Em 2011, ela permitiu que diversos marinheiros ucranianos abandonados no País Basco voltassem para casa sem atrasos. No entanto, a ITF cria obstáculos à ação quando o valor do barco é inferior à dívida salarial contraída pelo armador, ou ainda quando as delegações regionais são, como nas Canárias, dirigidas por um trabalhador do transporte terrestre, menos propício a se sujar pelos camaradas do mar.
Quanto às autoridades portuárias, elas associam os marinheiros presos no cais a imigrantes clandestinos, situação que torna sua proteção – mesmo que apenas administrativa – impossível. Tranquilizado pela reatividade das ONGs, o porto espanhol se isenta de qualquer responsabilidade: segundo a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), se o armador não responde mais, o destino das tripulações depende da administração do país onde o barco está registrado. Mas como obter das autoridades de Belize ou das Ilhas Cayman que levem os marinheiros de volta para a Rússia?
Uma lona branca está cobrindo Obva, a traineira vizinha. Ela contém a seguinte inscrição: “Somos mantidos reféns pelo porto”. O barco contém 300 toneladas de peixe, que, há dois meses, as autoridades sanitárias proibiram o capitão de descarregar. Uma dúvida plana sobre a carga e as condições de pesca, que devem corresponder às normas europeias. A decisão final deverá vir do Ministério da Agricultura, da Alimentação e do Meio Ambiente espanhol. E, em último lugar, obter a concordância de Bruxelas. Uma eternidade à qual os refrigeradores da traineira não irão sobreviver. O peixe será perdido e, com ele, o salário dos marinheiros, vinculado ao lucro da venda. A tripulação está presa na areia movediça dos procedimentos burocráticos. “Há dez anos, a legislação internacional se reforça constantemente”, comenta Eric Banel, administrador dos negócios marítimos1 e delegado-geral dos Armadores da França. “Os Estados europeus reforçaram seus controles, que se tornaram extremamente severos no que diz respeito às condições de segurança e às convenções sociais mínimas a serem respeitadas. Encontramos cada vez mais navios imobilizados por não passar nos controles.” Alguns armadores preferem deixar para trás homens e embarcações quando isso parece rentável.
Como em Las Palmas, marinheiros abandonados se entediam em Marselha, no Havre, em Anvers, em Liverpool, em Roterdã ou em Hamburgo. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) elaborou em 2006 a Convenção do Trabalho Marítimo, que deve garantir aos homens do mar o pagamento de seu salário e facilitar o retorno ao país de origem em caso de litígio: os Estados que recebem as tripulações deverão bancar os custos, reembolsados em seguida pelo Estado onde o barco está registrado. O texto, de aplicação universal, entrará em vigor ainda neste ano.
Olivia Dehez é Jornalista.