Os escravos do telemarketing
O slogan de uma central de atendimento resume de forma clara a vida dos operadores: “A seu serviço sete dias por semana, 24 horas por dia: espírito dinâmico, polivalência, facilidade de adaptação, nunca doente, sem atrasos e… sobretudo nada de férias”Gilles Balbastre
“Verde”, “Azul”, “Índigo”, 0800, 0801, 0802. Todos estes números banalizados, que há alguns anos invadiram o cotidiano do consumidor, são os produtos de uma estratégia de marketing: sob o pretexto de fornecer informações sobre o produto, as empresas multiplicam as ocasiões de entrar em contato por telefone com o consumidor. Pois o cliente constitui, como se lê nas revistas especializadas em marketing, “o patrimônio mais precioso da empresa, no mesmo nível que a marca”. [1] E quem diz contato constante diz sobretudo possibilidade de venda suplementar, resumida no jargão profissional pela expressão “a estratégia do um pouco mais”: “como transformar uma chamada de reclamação em um contato comercial positivo”. [2]
Em algumas empresas, é claro que já existia há bastante tempo o serviço de atendimento pós-venda ou de reclamações telefônicas, pelo qual um número mais ou menos grande de empregados passavam o tempo informando o consumidor, e mesmo negociando com ele. Esse serviço era ainda embrionário. Mas os tempos mudaram e, levando em conta as estratégias de marketing, “na competição extrema de hoje, a satisfação da clientela constitui uma preocupação central para as empresas e a aquisição de um novo cliente pode custar até vinte cinco vezes mais caro do que a manutenção de um cliente já existente”.
Telecomunicações aliadas à informática
Esta “industrialização” da relação-cliente é permitida pelo desenvolvimento das telecomunicações aliado à informática. Sistemas do tipo ACD (Automatic Call Distribution) possibilitam fazer várias centenas de chamadas, distribuindo-as segundo a disponibilidade dos operadores e reduzindo assim o tempo de espera dos clientes. Além disso, outros sistemas, como o CTI (Computer Telephony Integration), fazem aparecer informações a respeito do cliente sobre uma tela antes mesmo que ele desligue o telefone.
Em função disso, multiplicaram-se, nos últimos quatro ou cinco anos, grandes centrais de atendimento ao cliente, que chegam a reunir várias centenas de operadores. Sua atividade consiste inicialmente em fornecer uma gama de serviços que vão da venda de produtos financeiros ou de créditos até a reserva de passagens, passando pelo tradicional pós-venda, pela assistência técnica ou comercial.
O cliente contatado em casa
Esses serviços permitem às empresas ter acesso ao consumidor em casa e — para retomar a linguagem mercantil — “melhor dirigir a ação para segmentos de pequeno porte”, a qualquer hora do dia — especialmente à noite — e nos fins de semana, sem que ninguém precise se locomover, recolhendo e organizando um conjunto de informações sobre o cliente que servirão eventualmente para próximas vendas. [3]
As centrais de atendimento ao cliente estão tecendo uma densa teia abrangendo todo o território possível, tornando cada indivíduo um cliente que deve poder ser contatado na sala de sua casa. Estabelecimentos classificados da economia tradicional — como bancos, seguradoras ou sociedades de crédito — desenvolveram bastante suas centrais de atendimento e gerenciam assim diretamente uma parte de suas atividades. Outras empresas, próximas da “nova economia” (como a France Télécom, AOL, Bouygues-Télécom ou Cégétel), multiplicam as mesas telefônicas para poder atender os numerosos problemas técnicos e comerciais que a propagação de telefones celulares, computadores e Internet pode representar para um público novato. Empresas como Atos, Téléperformance, Qualiphone ou Ceritex foram especialmente criadas para investir neste recente mercado e estão sendo contratadas (segundo o modelo da terceirização) por grandes distribuidoras, grandes empresas dos setores agro-alimentar [4] ou de comunicações, [5]para cuidar da relação-cliente — do mesmo modo como estão sendo terceirizados os serviços de contabilidade ou de limpeza.
Uma vasta plataforma telefônica
Um grande número destas centrais de atendimento ao cliente foi instalado em regiões duramente atingidas pela crise — como o Nord-Pas-de-Calais, a Picardia ou a Lorraine —, que ofereceram condições irrecusáveis: concessão de amplas áreas inteiramente equipadas, reduções fiscais, zona franca, isenção de custos, fundos regionais de apoio. O conselho regional de Nord-Pas-de-Calais, por exemplo, permitiu a instalação, perto do campus universitário de Villeneuve d’Ascq, de duas grandes centrais — France Télécom Móbiles Services — FTMS (filial de direito privado da France Télécom encarregada de gerir a comercialização do celular Ola), e Atos, contratada pela France Télécom para cuidar de seu provedor da Internet Wanadoo —, oferecendo à primeira 3,7 milhões de francos (520 mil dólares, aproximadamente) e 4 milhões (cerca de 570 mil dólares) à segunda [6]
O prefeito de Amiens, Gilles de Robien, tenta transformar sua cidade em uma vasta plataforma telefônica, fazendo deste setor o coração de sua política de retomada da economia: construção de uma rede de alto fluxo, centrais de atendimento para clientes de hotéis, zona franca etc. Um fundo de capital-risco, baseado no modelo norte-americano, garante a instalação na capital da Picardia de algumas centrais telefônicas como Intra Call Center, Coriolis ou Kertel (do grupo Pinault-Printemps-La Redoute). Um pouco por toda parte, estruturas são instaladas por câmaras ou escolas de comércio, aproveitando assim o investimento financeiro que está inundando este setor.
Um maná para geração de empregos
As centrais de atendimento geram muitos empregos e constituem um maná para todas as instituições, incluindo aí políticos legitimamente desejosos de fazer baixar as taxas de desemprego. A FTMS empregou em alguns meses mais de 500 operadores de telemarketing em sua central localizada no Norte da França. A Atos recrutou perto de 300 empregados, aos quais se juntaram outros 400 antes do final do ano passado. Instalada em Lens, a sucursal da AOL France reúne 170 pessoas em contato permanente com os cerca de 450 mil assinantes do país. As centrais de atendimento de Amiens esperam atingir os 3.000 operadores de telemarketing em 2001, número que atualmente está na casa dos 1.200.
No conjunto do país, o número de empregos gerados, dificilmente verificável, estaria entre 120 e 150 mil, ou seja, duas vezes mais do que três anos atrás. A título de comparação, uma empresa como a Aluminium Dunkerque fabrica a metade do alumínio francês com apenas 600 funcionários. Para estas regiões densamente povoadas, onde a taxa de desemprego ultrapassa de 4 a 5 pontos a média nacional, estas empresas de terceirização constituem, portanto, uma das soluções de substituição para um setor industrial em plena crise de emprego. Se não vão parar nas manchetes dos meios de comunicação, estas dezenas de milhares de empregos de operadores de telemarketing constituem, no entanto, um dos elementos centrais da atual retomada da economia. Ainda a título de comparação, as quatorze empresas start-up agrupadas no prédio parisiense cognominado “Republic Alley” não empregam senão 110 pessoas.
A “era terciária” dos tempos modernos
As centrais de atendimento ao cliente têm má reputação e o slogan de um deles — D. Line Call Center, instalado na Bélgica — resume de forma clara a vida dos operadores de telemarketing: “Ao seu serviço sete dias por semana, 24 horas por dia: espírito dinâmico, polivalência, facilidade de adaptação, nunca doente, sem atrasos e… sobretudo nada de férias”.
Horários variáveis, flexibilidade total, tempo parcial, emprego do tempo alterável, interinidade podendo atingir os 30% — e até 40% dos efetivos —, salários baixos ou chefia autoritária fazem parte do cotidiano da maioria destes soldados rasos da “nova economia”. A concentração — por razões de rentabilidade e de economia de escalas de horário — de centenas de pessoas num mesmo local, perfiladas em imensas salas, com os fones cravados nas orelhas e o nariz diante da tela do computador, acentua a impressão de se estar na “era terciária” dos tempos modernos.
O gerenciamento, porém, pretende ser cool, “à l’américaine”: o tratamento informal é obrigatório e nas “festinhas” a chefia mistura-se à base. Mas cuidado com aqueles que não se adaptam a esta cultura empresarial: os contratos temporários de trabalho e as substituições não são renovados, as gratificações só para os titulares. Na AOL, um “plano anual de progressão” acompanha cada operador. Tomando, por exemplo, o item “flexibilidade e adaptabilidade”, a avaliação recolhida pelos supervisores baseia-se de “responde sempre positivamente às mudanças — atitude favorável às evoluções”, até, com o perigo de punição, “recusa as mudanças — manifesta sempre sua desaprovação”. Há também o item “criatividade/iniciativa”, bastante difícil de cumprir, já que a duração média de uma entrevista consultores-clientela é de três minutos.
Diálogos de retardados mentais
Quanto à relação com o cliente, ela se restringe a regras bem estritas. Na maior parte das empresas, uma “bíblia” guia o funcionário. Termos como voilà (que pode significar várias coisas, entre elas, “pois é”, “é isso aí”) constam de uma “lista negra” e são proibidos. Por outro lado, uma “lista branca” é obrigatória: “com certeza”, “certamente” etc. O cliente é colocado numa relação infantil: “Pode ficar tranqüilo” ou “Vou me ocupar pessoalmente disso” são expressões consideradas reconfortantes. As perguntas devem ser constantemente reformuladas, como se se tratasse de um retardado mental. Se o operador de telemarketing não respeitar essas regras, a sanção pode ser financeira.
Pois os supervisores volta e meia ficam na escuta e é das suas anotações que dependem as gratificações. Por exemplo, na FTMS o empregado recebe notas de 0 a 4 para cada etapa da conversa. Um “até logo, senhor” pode custar dois pontos, pois jamais se deve deixar de pronunciar o nome do cliente. Em outra empresa, a Finaref, os funcionários lêem numa tela (tele-prompter) as fórmulas que devem ser empregadas. Sob uma aparência falsamente afetuosa, é fundamental arrancar informações a fim de se preencher uma ficha que será preciosa para as próximas chamadas. E finalmente, é sempre preciso pensar em propor outros serviços quando o cliente é versátil. Na AOL, a direção da empresa define essa aptidão do seguinte modo: “Consegue quase sempre firmar um compromisso e vender ofertas complementares.”
Vítimas da “democratização” do ensino
Para Dominique Dessors, pesquisador no laboratório de Psicologia do Trabalho do CNAM, o trabalho dos operadores de telemarketing gera uma dupla violência: “As situações ditas de diálogo comercial são freqüentemente difíceis ao telefone porque, não somente o operador é pressionado a atingir certos objetivos e padronizado na linguagem, mas também porque o próprio cliente também é padronizado pelo procedimento do interlocutor. Na realidade, se este cliente foi selecionado, não é tanto em função de suas necessidades efetivas, mas sobretudo para se criar a possibilidade de lhe oferecer necessidades que, de fato, ele não sente. Resulta disso uma violência em que a relação comercial é reduzida, num dos casos, a ’ganhar o outro’, e no outro, a ’não se deixar enganar’. Esta violência é dolorosa para os operadores, daí a importância do revezamento nesses postos.”
De resto, um grande número destes tele-conselheiros possuem diplomas — na maioria dos casos, as centrais de atendimento ao cliente exigem o segundo grau completo — e pertencem àquela faixa etária que se beneficiou e foi vítima da “democratização” do ensino implementada nos últimos vinte anos. Não é raro encontrar nesse tipo de empresas pessoas licenciadas em Letras ou em Pedagogia que não passaram nos concursos públicos para dar aulas nas universidades ou nas escolas secundárias.
Estratégias defensivas
Muitos destes diplomados — especialmente aqueles saídos de certas universidades do interior, dos cursos de Letras, História, AES (Administração, Economia e Social) ou LEA (Línguas estrangeiras aplicadas) — têm freqüentemente sérias dificuldades de fazer seus títulos render dinheiro, num mercado saturado de diplomas. Adiciona-se então à violência devida à relação telefônica, um sofrimento social nascido deste fenômeno da desqualificação escolar. [7]
Dominique Dessors constatou que “certos tele-operadores desempenham o papel de comediantes. Há competições que premiam os melhores intérpretes de atores conhecidos. Essas estratégias defensivas, que muitos funcionários desenvolvem numa tentativa de viver um pouco melhor o que são obrigados a viver, não ocorrem por acaso. Para aguentar, os tele-operadores são praticamente obrigados a inventar este tipo de brincadeira. O jogo, que consiste em tentar enganar o mercado ’fazendo cinema’, consegue tornar minimamente interessante um trabalho extremamente repetitivo. Permite sobretudo anunciar aos outros operadores que não se está fazendo o que realmente se está fazendo”.
Os funcionários destas empresas não são portanto nômades, desgarrados de toda e qualquer hierarquia. Suas condições de trabalho lembram, em certos aspectos, aquelas de seus avôs, operários especializados. Mas, ao contrário deles, sua capacidade de mobilização ainda é embrionária. Umas poucas lutas pipocaram, esporadicamente, em algumas centrais de atendimento. [8]Em alguns lugares, os sindicatos conseguiram implantar-se. Mas, para estes “acadêmicos desqualificados”, sindicalizar-se e reivindicar direito
Gilles Balbastre é jornalista e codiretor, com Yannick Kergoat, do documentário Les Nouveaux Chiens de Garde [Os Novos Cães de Guarda], (Jem produções, 2012).