Os incêndios vão voltar e precisamos avançar com políticas preventivas
Amazônia, Cerrado e Pantanal têm um destino certo e triste pela frente, que poderia ser evitado com ações preventivas adequadas – e que já existem
Agosto, setembro e outubro são os meses que, anualmente, apresentam maior área e maiores números de incêndios no Brasil. No ano passado, a devastação do Pantanal emocionou a todos, mas com a chegada das chuvas, o assunto cai no esquecimento da população e de parte da mídia. A sobrevivência ao passado não significa que estejamos imunes a repetir o mesmo erro. A estatística é clara: os incêndios vão voltar e com maior intensidade. A proibição a queimadas, estratégia de diversos governantes que passaram pelo Palácio do Planalto, não resolve o problema, como é evidente. A solução é executar uma política de prevenção que seja eficaz. A regularização do projeto de lei que institui o manejo integrado do fogo é um caminho que envolve respeito ao conhecimento tradicional e práticas educativas, mas não só.
A estratégia, que é carinhosamente chamada de MIF (manejo integrado do fogo), trata de executar pequenas “vacinas” contra incêndios, por meio de queimas prescritas ou controladas por brigadistas e pessoas capacitadas. Da mesma forma que imunizantes farmacêuticos são compostos por vírus enfraquecidos, o MIF opera também aplicando doses tímidas daquilo que se quer combater. Este é um assunto polêmico, mas os resultados apontam para os benefícios do MIF.
Além das queimas de manejo, o MIF inclui muitas outras atividades, como proteção de áreas de interesse contra o fogo, combate a incêndios, recuperação de áreas degradadas, capacitação, educação ambiental, monitoramento e pesquisa de longo prazo, mapeamento do combustível e das cicatrizes de queima (locais atingidos pelo fogo anteriormente), entre outras ações.
O controle do fogo pelo ser humano é uma das maiores descobertas da nossa espécie. Além de esquentar do frio e de amaciar alimentos, há gerações é usado por povos e comunidades tradicionais como principal ferramenta de proteção contra incêndios, inclusive de origem natural. Sem o MIF, as gramíneas secas e acumuladas ao longo do tempo servem de combustível para o fogo avançar rapidamente sobre a biodiversidade e propriedades no auge da época seca.
O fogo controlado, monitorado, realizado ainda em períodos chuvosos ou início da seca, antes do ápice da estiagem, feito na vegetação adaptada ao fogo e ao redor de áreas que precisam ser protegidas de incêndios (descontrolados), criam faixas de áreas sem material combustível que impede o alastramento das labaredas, caso elas sejam iniciadas criminalmente ou naturalmente. Assim, as áreas que devem ser protegidas do fogo (áreas produtivas rurais, aldeias, veredas, florestas, matas de galeria e ciliares etc.) se tornam isoladas do fogo. O filme “O fogo aliado: uma ferramenta para manejar o Cerrado”, gravado no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, mostra como isso é possível.
O famoso ditado “prevenir é melhor do que remediar” é uma sabedoria válida neste caso. A economia aos cofres públicos é inerente, considerando a redução de gastos emergenciais com combate, horas de sobrevoos de helicópteros, forças-tarefa de resgate, prejuízos de áreas produtivas e bens, sem contar as perdas e a recuperação inestimável dos ecossistemas. A quantidade de gases de efeito estufa emitida para a atmosfera também é muito menor quando se aplica o manejo integrado do fogo porque a queima prescrita realizada em períodos do ano mais úmidos não consome toda a vegetação e é controlada por brigadas ou pessoas capacitadas, que ajudam a impedir o alastramento do fogo. Para não corrermos o risco de vermos tudo queimado, é preciso queimar com estratégia e prescrição.
A implementação do MIF, aplicada especialmente por países que possuem ecossistemas dependentes e adaptados ao fogo em seus territórios, como as savanas – bioma cujas características evoluíram para sobreviver ao fogo e se regenerar – teve um programa piloto iniciado no Brasil há sete anos em três unidades de conservação: o Parque Nacional da Chapada das Mesas no Maranhão, a Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins e o Parque Estadual do Jalapão, também no Tocantins. A regulamentação deste tipo de manejo é assunto do Projeto de Lei 11.276/2018, até o momento parado na Câmara dos Deputados. Pensar em prevenir incêndios é uma ação urgente que já está atrasada. O tempo corre e agosto logo chega. Não queremos testemunhar mais catástrofes socioambientais e é preciso agir.
Raisa Pina é assessora de comunicação do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN). Lívia Carvalho Moura é geógrafa, doutora em ecologia (UnB) e assessora técnica do ISPN.