Os limites do cancelamento: a força do racismo institucional
O pacto narcísico da branquitude não apenas fomenta e reproduz o racismo, como o faz em nome da imagem das pessoas brancas que ainda selecionam nas instituições aqueles que serão silenciados e os que podem vociferar boas intenções
Sentadas em seus postos institucionais, as pessoas brancas bem-intencionadas não hesitam em tomar a palavra quando o tema é racismo. Elas sabem muito, inclusive sobre o sofrimento das pessoas negras. Elas são legais, lêem autores negros, mas especialmente autoras negras, curtem a cultura afro diaspórica e postam nas redes sociais sobre discriminação. As pessoas brancas não podem deixar de se pronunciarem, afinal, elas sabem de muitas coisas, sobretudo quando as suas imagens são resguardadas (morrem de medo de um suposto cancelamento). Cancelar um branco não impede que apareça outro e que ele reincida nas práticas racistas porque as instituições são racistas. Parece que as pessoas brancas querem mesmo parecer corretas e se manterem, com isso, no poder.
O racismo não é um problema das pessoas negras, ele foi criado e é mantido pelo pacto que as pessoas brancas perpetuaram de silenciamentos e estruturas de poder. Se Freud nos mostrou que não somos senhores de nossa própria casa, o racismo se consolida nos não-ditos, nas repetições. Não à toa, Cida Bento se inspirou no conceito de pacto denegatório do psicanalista René Kaës, conhecido por seus trabalhos com grupos, para versar sobre o pacto narcísico da branquitude. O pacto denegatório é um vínculo que se sustenta pelo que há de inominável – são espécies de acordos inconscientes que mantêm grupos coesos através do silenciamento compartilhado. O pacto narcísico da branquitude não apenas fomenta e reproduz o racismo, como o faz em nome da imagem das pessoas brancas que ainda selecionam nas instituições aqueles que serão silenciados e os que podem vociferar boas intenções. Os que agem com emoção e os que agem com a razão.

Crédito: 2012 Anne Vilela
Nas universidades, empresas e instituições públicas, o racismo muitas vezes não se revela no discurso manifesto, mas é exercido nos silêncios institucionais sobre práticas instituídas de perpetuação do poder. Os atos individuais de discriminação são embasados pelos atos administrativos: os primeiros podem até ser trocados por belos discursos, mas não mexa em “como as coisas são feitas”, isto é, nas instituições. Enquanto as instituições se recusarem a enfrentar seus próprios mecanismos de exclusão – desde processos seletivos enviesados até a desvalorização de saberes não-eurocêntricos – seguirão sendo cúmplices ativas da manutenção das hierarquias raciais. O desafio, portanto, não é apenas incluir corpos negros nestes espaços, mas transformar radicalmente suas lógicas de poder, desmontando a ficção de neutralidade que encobre seu papel na perpetuação do racismo.
Thais Klein é psicanalista, professora da Universidade Federal Fluminense e do Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Érico Andrade é filósofo, psicanalista, professor da Universidade Federal de Pernambuco.