Pandemia e litígios na educação
Cresceu o número de ações judiciais contra estabelecimentos privados de ensino em que se pretende suspender o pagamento da mensalidade
A pandemia Covid-19 tem desafiado gestores e comunidades a encontrar medidas que evitem o colapso dos sistemas de saúde e reduzam os óbitos. Para tentar reduzir os casos de contaminação, prefeituras adotaram o regime de isolamento social, suspendendo atividades de diferentes naturezas, entre as quais dos estabelecimentos de ensino, públicos e privados.
No caso dos estabelecimentos de ensino privados, por conta da cobrança de mensalidades em momento no qual, para muitas famílias, a renda caiu, cresceu o número de ações judiciais em que se pretende suspender tais pagamentos, ou ainda, recuperar parte deles, notadamente a suposta diferença de valor entre o ensino presencial e a aprendizagem a distância (online).
As reivindicações mais comuns são baseadas na quebra de contrato, enriquecimento sem causa e violação das leis de proteção ao consumidor. Em sendo válidos os argumentos, as instituições de ensino devem ter em conta os riscos associados a este tipo de litígio, procurando responder às seguintes questões:
1. O que dizem as disposições contratuais sobre a natureza dos serviços de ensino a serem prestados pela instituição?
2. As disposições contratuais que regem o plano de ensino, carga horária e demais rotinas incluem força maior por tempo indeterminado?
3. Essas disposições fazem referência a pandemias ou epidemias?
4. O fechamento das unidades foi uma reação às declarações ou ordens de autoridades estaduais ou locais, tornando o desempenho do contrato impraticável ou impossível?
5. Na hipótese de se aceitar os argumentos, ficarão tais instituições liberadas de despesas como salário de docentes, pessoal de limpeza e segurança, alugueres, luz, água e esgoto, e IPTU?
No particular que tange à força maior, as disposições contratuais podem justificar a execução, restrições ou atrasos de certas obrigações pactuadas por causa da pandemia e seus efeitos. No entanto, a validade de qualquer disposição de força maior é regida pelo seu texto e a forma como os tribunais interpretam essas disposições varia amplamente entre jurisdições. Por conseguinte, a questão de saber se e de que modo se aplicam as disposições de força maior exige uma revisão contratual específica dos fatos de uma série de contratos, que vão desde contratos de serviços alimentares a contratos de eventos.
Quanto ao pessoal que mantém atividades no estabelecimento, as instituições de ensino podem ser processadas sob o argumento de negligência e/ou falta de proteção, por serem potencial fonte de contágio pelo coronavírus?
Os fatores importantes para litigar com essas reivindicações incluem a natureza e previsibilidade do acontecimento ou incidente específico em causa; se a instituição de ensino seguiu recomendações do governo ou orientações aplicáveis; se o aconselhamento das autoridades públicas sobre o assunto em questão é contraditório, de modo que não existe um nível claro de cuidados a serem tomados; se o evento ou incidente em questão constitui uma emergência pública, de modo que a instituição de ensino deveria ser dispensada de qualquer responsabilidade por essas reivindicações; se o estudante ou terceiro foi negligente ao descumprir normas de conduta e de isolamento social ou se assumiu o risco associado à reivindicação; se as leis estaduais ou federais estendem proteções adicionais para a instituição de ensino etc.

Considerando que a pandemia é evento incerto, como se precaver de demandas como as acima relacionadas, não se afastando outros argumentos, como se precaver a fim de reduzir a responsabilidade? De supor que a negociação entre partes envolvidas é o remédio menos ruim. Todavia, é preciso ter presente que, perdendo as escolas receita, os professores, fundamentais para o funcionamento de tais instituições, perdem renda, o que mostra que são, igualmente, enquadráveis entre os vulneráveis.
Assim, o fechamento das instituições de ensino em resposta à pandemia de Covid-19 resultou num aumento das demandas, complexas e intrincadas, que requerem um exame criterioso dos fatos relacionados aos contratos de prestação de ensino, em atenção aos interesses de todos os envolvidos.
Rachel Sztajn é professora associada de Direito Comercial da Universidade de São Paulo (USP), doutora em Direito pela USP, especialista em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas e atua na área de Direito, com ênfase em Direito Privado.
Reinaldo Marques da Silva é doutorando em Direito e Ciências Sociais pela Universidad Nacional de Córdoba, mestre em Direito Comparado pela Samford University/University of Cambridge, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário, graduado em Direito e Administração de Empresas pela USP e servidor público em São Paulo. Email: [email protected].