Para acabar com o terrorismo
Os atentados em Túnis e Sanaa lembram que os países muçulmanos são os mais atingidos por ações contra civis. A luta contra o “terrorismo” permite mobilizar a opinião pública, criar coalizões militares e aprovar leis que restringem as liberdades. Mas isso torna possível enfrentar a realidade política do Oriente Médio?Alain Gresh
Foi uma batalha homérica, coberta hora a hora por todos os meios de comunicação do mundo. A Organização do Estado Islâmico (OEI), que havia conquistado Mossul em junho de 2014, prosseguia em seu avanço fulgurante em direção a Bagdá e à fronteira turca, e ocupava 80% da cidade de Kobane, na Síria. Os combates se agravaram durante meses. Os milicianos curdos locais, apoiados pela aviação norte-americana, receberam armas e a ajuda de cerca de 150 soldados enviados pelo governo regional do Curdistão no Iraque. Seguidos com paixão pelas TVs ocidentais, os enfrentamentos terminaram no início de 2015 com a retirada da OEI.
Mas quem são esses heroicos resistentes que cortaram uma das cabeças da hidra terrorista? Qualificados de maneira genérica como “curdos”, eles pertencem em sua maioria ao Partido da União Democrática (PYD), o ramo sírio do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). Ora, o PKK figura há mais de uma década na lista das organizações terroristas elaborada pelos Estados Unidos e pela União Europeia. Assim, podemos ser condenados em Paris por “apologia ao terrorismo” se emitirmos uma opinião favorável ao PKK; em Kobane, porém, seus militantes merecem toda a nossa admiração. Quem ficaria espantado com isso num momento em que Washington e Teerã negociam um acordo histórico sobre a energia nuclear e em que o diretor do setor de informação nacional norte-americano envia ao Senado um relatório no qual o Irã e o Hezbollah não são mais apontados como entidades terroristas que ameaçam os Estados Unidos?1
Um qualificativo aplicado ao outro
Foi um verão particularmente agitado. Em Haifa, um homem colocou uma bomba em um mercado em 6 de julho; 23 pessoas foram mortas e 75 feridas, na maioria mulheres e crianças. No dia 15, um ataque realizado em Jerusalém matou dez pessoas e fez 29 feridos. Dez dias depois, uma bomba explodiu, também em Haifa, fazendo 39 mortos. As vítimas eram todas civis e árabes. Na Palestina de 1938, esses atos foram reivindicados pelo Irgun, braço armado da ala “revisionista” do movimento sionista que deu a Israel dois primeiros-ministros: Menahem Begin e Itzhak Shamir.2
Resistentes? Combatentes da liberdade? Delinquentes? Bárbaros? Sabemos que o qualificativo “terrorista” é sempre aplicado ao outro, nunca a “nossos combatentes”. A história também nos ensinou que os terroristas de ontem podem se tornar os dirigentes de amanhã. Isso causa surpresa? O terrorismo pode ser definido – e os exemplos do PKK e dos grupos sionistas armados ilustram as ambiguidades do conceito – como uma forma de ação, não como uma ideologia. Nada liga os grupos de extrema direita italianos dos anos 1970, os Tigres Tâmeis, o Exército Republicano Irlandês (Irish Republican Army, IRA), sem falar da Organização pela Libertação da Palestina (OLP) e do Congresso Nacional Africano (CNA), estes dois últimos denunciados como “terroristas” por Ronald Reagan, por Margaret Thatcher e, é claro, por Benjamin Netanyahu, cujo país colaborava estreitamente com a África do Sul do apartheid.3
Na melhor das hipóteses, podemos inscrever o terrorismo na lista dos meios militares. E, como já se disse com frequência, ele é a arma dos fracos. Figura brilhante da revolução argelina, preso pelo Exército francês em 1957, Larbi ben M’hidi, chefe da região autônoma de Argel, foi interrogado sobre o motivo pelo qual a Frente de Libertação Nacional (FLN) colocava suas bombas camufladas no fundo de cestinhos de carregar bebês em cafés ou em lugares públicos. “Deem-nos seus aviões, nós lhe daremos nossos cestinhos”, retorquiu a seus torturadores, que iriam assassiná-lo friamente alguns dias depois. A desproporção dos meios entre guerrilheiros e um exército regular leva a uma desproporção do número de vítimas. Se o Hamas e seus aliados devem ser considerados “terroristas” por terem matado três civis durante a guerra de Gaza de 2014, como deveríamos classificar o Estado de Israel, que massacrou, segundo as estimativas mais baixas – as do próprio Exército israelense –, de oitocentos a mil, entre os quais centenas de crianças?
Para além de seu caráter indistinto e indeciso, o uso do conceito de terrorismo tende a despolitizar as análises e, pelo mesmo caminho, tornar impossível qualquer compreensão dos problemas levantados. “Nós lutamos contra o Mal”, afirmava o presidente George W. Bush diante do Congresso norte-americano em 24 de setembro de 2001, acrescentando: “Eles odeiam o que veem nesta assembleia, um governo democraticamente eleito. Seus dirigentes designam a si próprios. Eles odeiam nossas liberdades: nossa liberdade religiosa, nossa liberdade de expressão, nossa liberdade de votar e de nos reunir, de estar em desacordo uns com os outros”. Para enfrentar o terrorismo, não é, portanto, necessário modificar as políticas norte-americanas de guerra na região, colocar um termo ao calvário dos palestinos; a única solução consiste na eliminação física do bárbaro. Se os irmãos Kouachi e Amedy Coulibaly, autores dos atentados contra o Charlie Hebdo e o Hyper Cacher da Porte de Vincennes, são movidos fundamentalmente por seu ódio à liberdade de expressão, como proclamaram os principais dirigentes políticos franceses, é inútil nos interrogarmos sobre as consequências das políticas levadas a efeito na Líbia, no Mali e no Sahel. No dia em que prestava homenagem às vítimas dos atentados de janeiro, a Assembleia Nacional votava com o mesmo ímpeto o prosseguimento das operações militares francesas no Iraque.
Um balanço da “guerra ao terror”
Não seria chegada a hora de realizar o balanço dessa “guerra contra o terrorismo” em curso desde 2001, do ponto de vista de seus objetivos afixados? Segundo o Global Terrorism Database, da Universidade de Maryland, a Al-Qaeda e suas filiais cometeram cerca de duzentos atentados por ano entre 2007 e 2010. Esse número aumentou 300% em 2013, com seiscentos atos. E ninguém duvida que as cifras de 2014 irão superar todos os recordes, com a criação do califado por Abu Bakr al-Baghdadi.4 E quanto à quantidade de terroristas? Segundo as estimativas ocidentais, 20 mil combatentes estrangeiros se juntaram à OEI e às organizações extremistas no Iraque e na Síria, entre eles 3,4 mil europeus. “Nick Rasmussen, chefe do Centro Nacional de Contraterrorismo norte-americano, afirmou que o fluxo de combatentes estrangeiros que se dirigiu para a Síria ultrapassa de longe o daqueles que partiram para o jihad no Afeganistão, no Paquistão, no Iraque, no Iêmen ou na Somália em algum momento ao longo dos últimos vinte anos.”5
Esse balanço da “guerra contra o terrorismo” seria bem fragmentário se não levasse em conta os desastres geopolíticos e humanos. Desde 2001, os Estados Unidos, às vezes com a ajuda de seus aliados, conduziram guerras no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e, de maneira indireta, no Paquistão, no Iêmen e na Somália. Balanço: o Estado líbio desapareceu, o Estado iraquiano mergulha no confessionalismo e na guerra civil, o poder afegão vacila, os talibãs nunca foram tão poderosos no Paquistão. Condoleezza Rice, ex-secretária de Estado norte-americana, evocava um “caos construtivo” em 2005 para justificar a política da administração Bush na região, anunciando os amanhãs que cantariam o hino da democracia. Dez anos depois, o caos se estendeu a tudo aquilo que os Estados Unidos chamam de o “Grande Oriente Médio”, do Paquistão ao Sahel. E as populações foram as principais vítimas dessa utopia cuja dimensão construtiva temos dificuldade de medir.
Dezenas de milhares de civis foram vítimas dos “bombardeios direcionados”, dos drones, dos comandos especiais, das prisões arbitrárias, das torturas sob a égide de conselheiros da CIA. Nada foi poupado, nem festas de casamento, cerimônias de nascimento e funerais, reduzidos a cinzas por tiros norte-americanos “direcionados”. O jornalista Tom Engelhardt citou oito bodas bombardeadas no Afeganistão, no Iraque e no Iêmen entre 2001 e 2013.6 Quando são evocadas no Ocidente, o que é raro, essas vítimas, contrariamente àquelas que o “terrorismo” faz, nunca têm rosto, nunca apresentam uma identidade; são anônimas, “colaterais”. No entanto, todas têm família, irmãos, irmãs, pais. Seria de admirar que sua lembrança alimentasse um ódio crescente contra os Estados Unidos e o Ocidente? Podemos imaginar que o ex-presidente Bush seja levado diante de um tribunal penal internacional por ter invadido e destruído o Iraque? Esses crimes jamais punidos dão crédito aos discursos mais extremistas na região.
Ao designar o inimigo como uma “ameaça à existência”, ao reduzi-lo ao “islamofascismo”, como fez o primeiro-ministro francês, Manuel Valls, evocando uma terceira guerra mundial contra um novo totalitarismo herdeiro do fascismo e do comunismo, o Ocidente concede à Al-Qaeda e à OEI visibilidade, notoriedade e estatura comparável àquela da URSS, ou mesmo da Alemanha nazista, fazendo crescer artificialmente o prestígio e a atração exercidos por essas organizações sobre aqueles que desejariam resistir à ordem imposta por exércitos estrangeiros.
É preciso entender as conexões
Certos líderes norte-americanos têm por vezes lampejos de lucidez. Em outubro de 2014, o secretário de Estado, John Kerry, ao celebrar com os muçulmanos norte-americanos a “festa do sacrifício”, declarou, evocando suas viagens na região e suas discussões em relação à OEI: “Todos os líderes mencionaram espontaneamente a necessidade de tentar alcançar a paz entre Israel e os palestinos, porque [a ausência de paz] favoreceria o recrutamento [da OEI], a cólera e as manifestações de rua às quais esses líderes deveriam responder. É preciso entender essa conexão com a humilhação e a perda da dignidade”.7
Haveria então uma relação entre “terrorismo” e Palestina? Entre a destruição do Iraque e o florescimento da OEI? Entre os assassinatos “direcionados” e o ódio contra o Ocidente? Entre o atentado do Museu do Bardo, em Túnis, o desmantelamento da Líbia e a miséria das regiões abandonadas da Tunísia, que, se espera, sem muita convicção, vá receber enfim uma ajuda econômica substancial não condicionada pelas receitas habituais do Fundo Monetário Internacional, criadoras de injustiças e de revoltas?
Ex-integrante da CIA e excelente especialista no islã, Graham Fuller acaba de publicar um livro, A World Without Islam [Um mundo sem o islã], cuja conclusão ele mesmo resume: “Ainda que não tivesse havido uma religião chamada islã ou um profeta chamado Maomé, o estado das relações entre o Ocidente e o Oriente Médio seria hoje mais ou menos igual. Isso parece contraintuitivo, mas revela um ponto essencial: existe uma dúzia de boas razões fora o islã e a religião para que as relações entre o Ocidente e o Oriente Médio sejam ruins […]: as cruzadas (uma aventura econômica, social, política e geopolítica ocidental), o imperialismo, o colonialismo, o controle ocidental dos recursos do Oriente Médio sobre a energia, a introdução de ditaduras pró-ocidentais sem fim, as fronteiras redesenhadas, a criação pelo Ocidente do Estado de Israel, as invasões e as guerras norte-americanas, as políticas norte-americanas enviesadas e persistentes em relação à questão palestina etc. Nada disso tem a ver com o islã. É certo que as reações da região são cada vez mais formuladas do ponto de vista religioso e cultural, ou seja, muçulmanos e islâmicos – o que não é de surpreender. Em cada grande enfrentamento, as pessoas procuram defender sua causa em termos morais mais elevados. É o que fazem tanto as cruzadas cristãs quanto o comunismo com sua ‘luta pelo proletariado internacional’”.8
Ainda que tenhamos de nos preocupar com os discursos de ódio propagados por certos pregadores muçulmanos radicais, a reforma do islã depende da responsabilidade dos fiéis. Em contrapartida, é de nossa responsabilidade a inflexão das políticas ocidentais que, há décadas, alimentam o caos e os ódios. E desprezamos os conselhos de todos aqueles especialistas na “guerra contra o terrorismo”. O mais ouvido em Washington há trinta anos não é outro senão Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro israelense, cujo livro How the West Can Win [Como o Ocidente pode vencer]9 pretende explicar como podemos “acabar com o terrorismo”;10 ele serve de breviário a todos os novos cruzados. Suas receitas alimentaram a “guerra da civilização” e mergulharam a região em um caos do qual, ao que tudo indica, ela terá dificuldades para sair.
Alain Gresh é jornalista, do coletivo de redação de Le Monde Diplomatique (edição francesa).