Patrimonialismo e estamento burocrático no Brasil
Analisando os dados sobre a estrutura tributária brasileira, o sistema penal e os gastos com a elite política nacional, podem ser observados indícios de que o patrimonialismo e o estamento burocrático ainda fazem parte da realidade brasileira, mesmo após toda a “modernização” decorrida. Nesse contexto, as análises de Raymundo Faoro e de Florestan Fernandes são muito válidas para explicar o Brasil contemporâneo, como afirma Faoro (1979), essa camada que são os “donos do poder” se modifica, renova-se, porém, mesmo com o passar do tempo não representam a nação.
O patrimonialismo foi um conceito trabalhado por Max Weber (1864-1620) que buscou analisar o modo do exercício de poder de dominação que ocorre na sociedade nos aspectos político e econômico. Esse fenômeno é marcado por uma miscelânea entre o público e o privado em que um grupo ou indivíduo utiliza o Estado em benefício particular. Isto pode ocorrer de modo ilegal ou dentro da legalidade.
Os pensamentos de Florestan Fernandes e Raymundo Faoro também contribuem para a compreensão do Brasil. De um modo geral, análises de Florestan Fernandes e Raymundo Faoro possuem diferenças, mas também aproximações. Uma das aproximações é em relação ao jogo de poder e interesses no Brasil. Ambos destacam que uma elite direciona toda uma população e que este “direcionamento” observa mais a lógica de representar os próprios interesses das elites do que os anseios da coletividade.
Alguns elementos podem ser apontados como expoentes de indícios deste fenômeno. Como por exemplo, a estrutura tributária brasileira, a qual é marcadamente regressiva e tributa mais os contribuintes de baixa renda relativamente aos de maior renda; o sistema penal, caracterizado por apresentar uma população carcerária composta, quase que exclusivamente, por pessoas de baixa renda, negras e sem escolaridade; e a existência de uma elite política que possui acesso legal a benesses e regalias de ordem financeira e outras que estão em enorme dissonância com a realidade de um país de renda média que possui sérios problemas de miséria, desemprego, precarização do trabalho e outras mazelas socioeconômicas.
A estrutura tributária brasileira beneficia quem possui maior renda e cobra mais tributos da base da pirâmide, configurando assim, um privilégio para quem dirige o país, pois grande parte dos dirigentes estão no topo da pirâmide de renda. De acordo com a FIESP (2015), que realizou o estudo para o ano de 2015, famílias que possuem renda de até dois salários mínimos ao mês gastam até 46% de tudo que ganham com tributos embutidos no consumo, já para os que recebem mais de 25 salários mínimos por mês, esse valor cai para 18%. Ainda de acordo com a publicação, o Brasil possui 18% das receitas oriundas de tributação sobre a renda, já os países da OCDE 37%, as tributações sobre bens e serviços são em média 25% nos países da OCDE contra 51% da carga tributária no Brasil.
A estrutura da população carcerária no Brasil pode dar outro indício dos elementos que Florestan Fernandes e Faoro analisaram. De acordo com levantamento nacional de informações penitenciárias INFOPEN (2014), o perfil do encarcerado brasileiro é composto por jovens negros de baixa renda e escolaridade, ou seja, dá indícios de que os delitos cometidos pelos mais abastados ficam, muitas vezes, sem o mesmo rigor punitivo, em comparação aos delitos cometidos pelas classes mais pobres e desfavorecidas.
Outro exemplo é representado pela classe política (obviamente não generalizando, pois existem valorosos e diversos bons exemplos dentro da política e ela é fundamental para o país), a qual, muitas vezes legisla em causa própria e não pensando necessariamente no bem-estar da sociedade em geral. Com base em dados a partir do trabalho de Mendes (2009), o qual debate estudos da organização Transparência Brasil, que afirmam que os parlamentares brasileiros são os que mais pesam no bolso dos cidadãos na comparação com sete outros países, e que Congresso Brasileiro é o que mais pesa no bolso da população na comparação com os parlamentos de onze países.
É apontado neste estudo que o vencimento dos parlamentares em relação ao PIB per capita, no Brasil, é o mais elevado da amostra e fica na frente de países desenvolvidos como França, EUA, Alemanha, Grã-Bretanha e Itália. Esse indicador revela a discrepância entre o vencimento parlamentar e a renda média da população em geral. Até mesmo em termos nominais o vencimento do parlamentar brasileiro é bastante elevado, sendo superior ao da França e Grã-Bretanha e muito próximo ao da Alemanha, países que possuem uma renda média muito superior à brasileira.
Analisando os dados sobre a estrutura tributária brasileira, o sistema penal e os gastos com a elite política nacional, podem ser observados indícios de que o patrimonialismo e o estamento burocrático ainda fazem parte da realidade brasileira, mesmo após toda a “modernização” decorrida. Nesse contexto, as análises de Raymundo Faoro e de Florestan Fernandes são muito válidas para explicar o Brasil contemporâneo, como afirma Faoro (1979), essa camada que são os “donos do poder” se modifica, renova-se, porém, mesmo com o passar do tempo não representam a nação.
Contudo, é importante destacar que o objetivo deste texto não é justificar pensamentos extremistas e ignorantes que infelizmente veem crescendo no Brasil, no qual defendem o ataque as instituições brasileiras. Muito pelo contrário, o país só avançará dentro da civilidade, por meio da política democrática e transparente, nesse sentido o congresso e as demais instituições são importantíssimos! É fundamental mais política dialogada e não o ataque a democracia!
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Mateus Boldrine Abrita é professor efetivo na UEMS. Doutor em economia pela UFRGS. Possui trabalhos científicos publicados no Brasil e no Exterior.