Pentágono se volta para o Pacífico
Enquanto o governo israelense ameaça bombardear o Irã, a União Europeia e os EUA endurecem as sanções contra a república islâmica – uma estratégia com chances duvidosas de atingir seus objetivos. A situação preocupa tanto Washington que o governo procura reorientar suas prioridades e se concentrar no PacíficoMichael Klare
“Nossa nação vive um momento de transição”, anunciou no dia 5 de janeiro o presidente BarackObama, antes de revelar a futura estratégia de defesa dos Estados Unidos. Esta prevê a redução do Exército e o fim de algumas missões de combate, principalmente os enfrentamentos terrestres mecanizados na Europa e as operações contrainsurrecionais no Afeganistão e no Paquistão. A meta é se concentrar melhor em outras regiões (em particular na Ásia e no Pacífico) e objetivos: a ciberguerra, as operações especiais e o controle dos mares. “A força interaliada norte-americana ficará mais leve”, precisou o secretário de Defesa, Leon Panetta, “mas ela será mais ágil e flexível, pronta a se introduzir rapidamente, inovadora e tecnologicamente aperfeiçoada.”1
Segundo Obama e Panetta, essa nova orientação reflete uma situação interna e externa morosa. Enfraquecidos pela crise econômica, os Estados Unidos viram sua dívida pública explodir; em virtude do Budget Control Act adotado em 2011, o orçamento da Secretaria de Defesa será cortado em US$ 487 bilhões ao longo dos próximos dez anos. Arrochos ainda mais importantes são prováveis se republicanos e democratas não conseguirem entrar em acordo sobre outras medidas econômicas. No plano internacional, a retirada do Iraque não diminuiu a pressão militar. Washington está diante de novos conflitos potenciais − por exemplo, com o Irã (ler artigo na pág. 6)ou a Coreia do Norte −, assim como o fantasma da afirmação crescente da China.
Rivais ambiciosos
Num primeiro momento, essa política que visa constituir uma força militar mais restrita, porém mais bem adaptada aos futuros perigos potenciais, pode ser percebida como uma resposta pragmática a um contexto econômico e geopolítico em movimento. Olhando de perto, no entanto, podemos detectar objetivos mais amplos. Confrontados ao aparecimento de rivais ambiciosos e à inevitável erosão de seu statusde única superpotência, os Estados Unidos buscam perpetuar a supremacia mundial mantendo sua superioridade nos conflitos decisivos e nas zonas-chave do planeta, quer dizer, nas periferias marítimas da Ásia, segundo um arco que se estende do Golfo Pérsico ao Oceano Índico, passando pelo Mar da China e o noroeste do Pacífico. Para isso, o Pentágono vai se empenhar em conservar sua supremacia nos ares e nos mares, mas também no campo da ciberguerra e das tecnologias espaciais. Aspecto central da política de defesa norte-americana, o contraterrorismo será em grande parte delegado a forças de elite, equipadas com dronesassassinos e com material ultramoderno.
Administrar a redução de sua presença no estrangeiro – ou, para dizer com outras palavras, gerir o declínio de um império – nunca é fácil. Diversos países confrontados a esse desafio, principalmente o Reino Unido e a França depois da Segunda Guerra Mundial, ou a Rússia depois da queda da União Soviética, puderam constatar isso. Eles muitas vezes se precipitaram em aventuras militares incertas, como a invasão franco-britânica do Egito em 1956 ou a do Afeganistão pela URSS em 1979 − iniciativas que apressaram o declínio em vez de retardá-lo. Quando atacaram o Iraque em 2003, os Estados Unidos se encontravam no auge de seu poder. Mas a insurreição que se seguiu durou tanto tempo e custou tão caro – cerca de US$ 3 trilhões – que acabou com a propensão e, em parte, com a capacidade norte-americana de entrar em um conflito de fôlego na Ásia. Hoje parece bem pouco provável que Obama ou qualquer outro presidente, democrata ou republicano, se lance num futuro próximo em uma campanha militar comparável às guerras do Iraque e do Afeganistão.2
Mesmo que, como grandes conhecedores da história, o presidente Obama e seus principais conselheiros entendam que é inapropriado – e arruinador – se agarrar à totalidade dos engajamentos militares norte-americanos no estrangeiro, eles não têm a intenção de abandoná-los. Sua nova política de defesa segue um caminho do meio: reduzir a implicação em certas regiões, em particular na Europa, e reforçar sua presença em outras. “Durante as próximas décadas, o Pacífico se tornará a parte mais dinâmica e mais importante para os interesses norte-americanos no mundo”, anunciou o secretário de Estado adjunto, William J. Burns, durante um discurso em Washington, em novembro de 2011. “Essa zona já contém mais da metade da população mundial, aliados-chave, potências emergentes e alguns dos principais mercados econômicos.” A fim de continuarem prósperos e não sofrerem com o crescimento chinês, é nessa zona que os Estados Unidos devem concentrar seus esforços, explica Burns: “Para responder às profundas mudanças pelas quais a Ásia está passando, devemos desenvolver uma arquitetura diplomática, econômica e securitária que possa acompanhá-las”.3
A “nova arquitetura” comporta diversas dimensões, tanto militares quanto não militares. Washington reforçou recentemente suas ligações diplomáticas com a Indonésia, as Filipinas e o Vietnã,4 e restabeleceu relações oficiais com a Birmânia. Paralelamente, a Casa Branca se empenha em impulsionar o comércio norte-americano na Ásia e milita arduamente pela adoção de um tratado multilateral de livre-comércio: a Parceria Transpacífica (Trans-Pacific Partnership, TPP). Essa estratégia tem um objetivo implícito: conter a ascensão da China e sua influência no Sudeste Asiático. Ao restaurarem as relações diplomáticas com a Birmânia, por exemplo, os Estados Unidos esperam penetrar num país em que Pequim tinha, até agora, poucos concorrentes. Quanto à TPP, ela simplesmente exclui a China, pretensamente por razões técnicas.
A vontade de engolir o peão do rival chinês necessita também de novas orientações militares. Segundo as estratégias do Pentágono, a prosperidade das alianças norte-americanas na Ásia depende de sua liberdade de acesso ao Pacífico e ao Oceano Índico, condição indispensável para importar matérias-primas (em particular petróleo) e exportar produtos manufaturados com toda a tranquilidade. “A ascensão da China não apenas remodelou as cidades e as economias asiáticas: ela redesenhou o mapa geoestratégico”, analisou Burns. “Para citar apenas um exemplo, metade das cargas mercantis passa agora pelo Mar da China Meridional.”5
Ao dominarem as águas chinesas, os Estados Unidos poderiam exercer um poder coercitivo latente sobre Pequim e os outros Estados da região, como fazia antes a Marinha britânica. Os conselheiros do Pentágono clamavam por tal política havia muito tempo, defendendo que a vantagem singular dos Estados Unidos residia em sua capacidade de controlar as principais vias marítimas mundiais, um privilégio que nenhuma outra potência tem. Parece que a administração Obama também abraçou esse ponto de vista.6 O presidente norte-americano garantiu, durante um discurso em Canberra, na Austrália, em novembro passado, que apesar dos cortes orçamentários “nós empregaremos os recursos necessários para a manutenção de nossa presença militar nesta região e ainda aumentaremos nossa presença no Sudeste Asiático”. Pode-se, então, esperar que os exercícios militares e os deslocamentos de navios de guerra norte-americanos na região se multipliquem. Obama também anunciou a criação de uma nova base em Darwin, na costa norte da Austrália, e o aumento da ajuda militar à Indonésia.7
Poder de projeção
Colocar em ação esse vasto projeto geopolítico engendrará ainda uma mutação do Exército norte-americano. Este vai “aumentar seu peso institucional e concentrar sua presença, seu poder de projeção e sua força de dissuasão na Ásia Pacífica”, anuncia um documento do Pentágono.8 Se o texto não precisa que componentes do Exército serão priorizados, está claro que a tônica será colocada nas forças navais – em particular nos porta-aviões e suas frotas – e nos aviões e mísseis de última geração. Considerando que a força total do Exército norte-americano passará, em dez anos, de 570 mil para 490 mil tropas, Obama rejeitou a ideia de reduzir a frota.
Os Estados Unidos preveem, entre outras coisas, investir somas consideráveis em armas destinadas a conter a estratégia dita de “antiacesso” e de “interdição de zona” (A2/AD) de seus inimigos potenciais.9 “A fim de dissuadirem de maneira crível seus eventuais adversários e de evitar que estes atinjam seus objetivos”, explica o novo plano do Pentágono, “os Estados Unidos devem conservar seu poder de projeção nas zonas onde nossa liberdade de circulação e de ação é contestada”: uma referência quase explícita aos mares da China Meridional e Oriental, assim como ao Irã e à Coreia do Norte. Nessas regiões, indica o texto, os adversários potenciais dos Estados Unidos, “tais como a China”, correm o risco de utilizar “meios assimétricos” – submarinos, mísseis antinavios, ciberguerra etc. – para vencer ou imobilizar as tropas norte-americanas. Em consequência, “o Exército investirá o quanto for necessário para garantir sua capacidade de agir nas regiões A2/AD”.10 Claramente, os Estados Unidos agora querem dominar a periferia marítima da Ásia; eles fizeram disso uma prioridade. Pouco importa se a China e outras potências emergentes se opuserem.
Michael Klare é professor de estudos sobre paz e segurança mundiais no Hampshire College, em Amherst, Masachusetts, e autor do recém lançado Rising powers, shrinking planet; the new geopolitics of energy, publicado nos Estados Unidos pela Metropolitan Books, e no Reino Unido pela One World Publications.