Pesadelo vertical
O arranha-céu tornou-se a expressão por excelência do capitalismo. Ele não permite o encontro e isola os indivíduos em um mundo doentio de luz artificial e ar condicionado, centrado no elevador e nas entregas em domicílio
Nascida no final do século XIX, a torre é um objeto arquitetônico que resulta da combinação de uma técnica construtiva (a estrutura metálica), de equipamentos como o elevador e o telefone, e, principalmente, da inacreditável riqueza de algumas firmas, que construíram para si prédios emblemáticos, despertando todos os ciúmes. O primeiro imóvel de grande altura (40 metros) foi construído em Nova York, em 1868; o segundo, em Minneapolis; e o terceiro em Chicago. Este, o célebre Home Insurance Building, de 10 andares, projetado por William Le Baron Jenney, teve suas obras concluídas em 1885. A torre tornou-se, assim, a expressão por excelência do capitalismo.
Isso significa dizer que se trata de uma obra necessariamente datada: uma empresa é sempre ultrapassada por outra mais prodigiosa, que marca sua supremacia construindo uma torre maior. Ao insaciável “cada vez mais” dos capitães da indústria ou das altas finanças corresponde o “cada vez mais alto”, símbolo, a seus olhos, do poder: sua torre, ao mesmo tempo sede social, insígnia e marca. Há qualquer coisa de infantil nessa competição ascensional, a não ser por um punhado de arquitetos, convencidos de que a torre exprime o futuro… de um século passado!
O verdadeiro desafio que temos pela frente consiste em inventar uma forma arquitetônica que possa responder às expectativas contrastantes de cidadãos em busca de um conforto real, que respeite o meio ambiente, e que acompanhe as mutações urbanas em curso. Os sem-teto esperam por condições de sobrevivência, primeiro passo em direção a uma moradia decente. Os mal-instalados desejam habitações mais confortáveis e adaptadas ao tamanho de sua família ou ao seu universo sensorial. Os ocupantes de moradias sociais 1 reclamam novas normas e inserções mais urbanas. Em suma, as apostas são altas e necessitam de experimentações audaciosas, seja no modo de financiamento, seja no sistema de atribuição, seja na arquitetura desses habitats. E – por que não? – na participação dos futuros locatários em sua construção.
A torre não é a alternativa de moradia para a maioria: é cara (seus condomínios representam um segundo aluguel) e, na maioria das vezes, não disponibiliza aos moradores nenhum espaço comunitário (toda a vida é centrada no elevador, na entrega em domicílio, no isolamento em relação à cidade real). Ela é um impasse em altura, como a definiu o filósofo Paul Virilio.
Quanto aos escritórios, mal nos damos conta das doenças provocadas pelo enclausuramento em um universo dominado pela luz artificial e o ar condicionado, mas multiplicam-se as histórias sobre anginas, distúrbios respiratórios e outras enfermidades. Os empregados das empresas antes instaladas no World Trade Center que, após o atentado de 11 de setembro, foram deslocados para pequenos imóveis disseminados em meio à natureza em New Jersey, manifestam sua satisfação, lamentando às vezes apenas a falta do ambiente de Manhattan 2.
No entanto, alguns arquitetos-estrelas, estimulados por todo um lobby imobiliário, afirmam, sem qualquer prova, que a torre resolve a questão fundiária (o que é verdade, em parte), aumenta a densidade (o que não está demonstrado), economiza energia (os dados ainda permanecem contraditórios), e faz parte do espírito da cidade (o que nem sempre é evidente).
No Mercado Internacional dos Profissionais de Imóveis (o Mipim), realizado em Cannes em 2007, os visitantes puderam admirar as maquetes dos futuros arranha-céus de Moscou (a Torre da Federação, de 448 metros, que ficará pronta em 2010), Varsóvia (a Zlota 44, de 54 andares), Nova York (a Torre da Liberdade, de 541 metros, e a do New York Times, de 228 metros), Dubai (certamente próximo de 800 metros), Paris (Granite, da Nexity, por Christian de Portzamparc; Generali, por Valode e Pistre; Unibail, por Tom Mayne, de 300 metros, que deverá ser entregue em 2012) e Londres (Renzo Piano e a London Tower Bridge, de 300 metros). Um verdadeiro frenesi construtivo, à imagem da arrogância das firmas.
Já em 1936, em suas conferências no Rio de Janeiro, Le Corbusier reclamava uma torre de 2 mil metros para Paris. Mas, até agora, somente os japoneses trabalharam nos projetos de uma torre de 4 quilômetros de altura ou de uma pirâmide de 2.004 metros (chamada TRY 2004), podendo receber 700 mil residentes permanentes e 800 mil assalariados.
Desde 1930, o arquiteto norte-americano Frank Lloyd Wright denunciava a supertorre: “Os arranha-céus não têm vida própria, não têm vida a oferecer e não recebem nenhuma da natureza da construção (…) Bárbaros, eles são erguidos sem nenhuma consideração particular pelos arredores nem uns pelos outros (…) A aparência dos arranha-céus não tem moral, não tem beleza, não tem permanência (…) Os arranha-céus não têm um ideal unitário mais elevado que o sucesso comercial” 3. Com certeza ele não previa a vitória dos shoppings centers e dos cenários que os acompanhariam, pelo menos em certas megalópoles.
Esse simulacro de cidade se satisfaz com uma imagem na qual a torre assume o papel principal. Guy Debord, na revista Potlatch, denunciava os “mais policialescos que a média” (e apontava para Le Corbusier), que têm a ambição de “suprimir a rua” e encerrar a população em torres. Para ele, ao contrário, era preciso valorizar “os jogos e os conhecimentos que estamos no direito de esperar de uma arquitetura verdadeiramente perturbadora” (Potlatch n° 5, 20 de julho de 1954). Debord desenvolveu, a seguir, a psico-geografia, o urbanismo unitário e a deriva, criticando sem trégua a fria geometria dos grandes conjuntos, essas linhas insensíveis à vagabundagem lúdica.
O urbanista chinês Zhuo Jian, que enumerou 7 mil imóveis de grande altura em Xangai (duas dezenas ultrapassam os 200 metros), constatou que o solo afunda muitos centímetros a cada ano4. Os especialistas explicam que uma torre é uma devoradora de energia na sua fabricação (os aços e os vidros, cada vez mais sofisticados, exigem um grande gasto de energia para serem produzidos) e na sua manutenção (ar condicionado, iluminação, elevadores etc.), ainda que se tenham em vista novos procedimentos (como a engenhosa torre Hypergreen, de Jacques Ferrier). Eles insistem ainda a respeito da limitada vida útil, cerca de duas décadas, desse produto oneroso e pouco adaptável a usos diversos. Crer que nele seria fácil abrigar uma universidade, uma biblioteca, apartamentos de luxo, um hotel 5 estrelas, com horários e clientes tão diferentes é nada menos que um desafio.
E em Paris? O Front de Seine, os Olympiades, o Quartier Italie, Flandres e a torre Montparnasse (209 metros) não encorajam em nada a construção de outras torres e condenam o urbanismo do concreto. Em 1977, o Conselho de Paris fixou em 37 metros a altura máxima das construções. Em 2003, uma consulta aos parisienses registrou 63% de oposição às construções de grande altura.
No entanto, em junho de 2006, arquitetos localizaram 17 lugares que poderiam abrigar torres de 100 a 150 metros e prédios residenciais de 50 metros (17 andares). A maior parte dos projetos conserva uma monofuncionalidade vertical, não leva em conta os efeitos relativos à insolação do bairro e à aceleração dos ventos, o tratamento dos impactos e o custo energético das construções. Quanto à estética, o debate está apenas começando!
É absurdo ser tolamente a “favor” ou “contra”: existem torres esplêndidas, que honram a paisagem da cidade que ajudam a embelezar (quem pode ficar insensível à beleza de algumas cidades “verticais”, como Nova York ou Chicago?). No entanto, é uma aberração construir uma torre solitária sem se preocupar com o urbanismo, ou seja, com a ocupação do solo, com a rua, com os transportes coletivos, com as relações de escalas frente às demais construções, com o jogo de proporções entre as fachadas, com as praças, com os jardins.
Se, em vez de construir torres associadas a um modo de vida opressor, alguns daqueles que concebem a cidade concentrassem sua inteligência para imaginar ecobairros, não apenas conformes às atuais normas de alta qualidade ambiental, que são o mínimo, mas também às de alta qualidade existencial, zelando pelas pessoas, pelos lugares e pelas “coisas da cidade” (por exemplo, uma iluminação suave e tranqüilizadora), então a urbanidade seria menos seletiva e a alteridade menos discriminadora.
A torre não permite o encontro. De resto, nem a literatura nem o cinema fizeram dela um lugar mágico. Ao contrário, ela alimenta cenários catastróficos! Desconfiemos das modas, por natureza passageiras. Mais vale a diversidade das paisagens urbanas, das formas contrastantes, dos materiais e das cores de paletas variadas!
*Thierry Paquot é filósofo do urbano, autor de obras como o Petit manifeste pour une écologie existentielle [Pequeno manifesto para uma ecologia existencial] (Paris, Bourin-éditeur, 2007) e editor da revista Urbanisme.