Pesca milagrosa
Neoliberalismo fantástico: para facilitar as privatizações, o governo Gaviria estimulou uma indústria de indenizações trabalhistas fraudulentas. Como prêmio, foi conduzido à secretaria-geral da OEA, com apoio decidido dos EUAMaurice Lemoine
Era uma época em que tremulava sobre o Caribe a bandeira preta, decorada por uma caveira e duas tíbias cruzadas. Naquele tempo, ouro, prata, piastras e escudos caíam nos bolsos sem fundos daqueles que eram o que havia de mais vil sobre a Terra: corsários, piratas e aventureiros. Praga dos mares agitados, acabavam de saquear um galeão, que deveria chegar a Sevilha carregado até o pescoço da seiva arrancada da América espanhola. Acabavam de pilhar uma das grinaldas destas terras distantes, afortunadas e quentes: Maracaibo, Porto-Belo ou ainda a bela Cartagena das Índias, o orgulho da Nova Granada, que se tornaria a Colômbia.
Surpreendendo seu governador em pleno banquete, um francês, Robert Baal, consegue extorquir 310 quilos de ouro de Cartagena. Ele precede um bando de biltres aventureiros, os ingleses John Hawkins (1567) e Francis Drake (1586), os franceses Jean-Bernard Desjeans e Jean Ducasse (1697) e o almirante Edward Vernon (1741). Este último, tendo quebrado a espada e os dentes — a pérola caribenha, protegida por suas imponentes fortificações — acredita ter exterminado o bando de piratas que pretendem saqueá-la. Até que apareça, quase no fim do século XX, um certo? César Gaviria.
Por algumas migalhas de pão
Membro do Partido Liberal, eleito presidente da República em 27 de maio de 1990, Gaviria aposta no liberalismo, na abertura comercial e na globalização. A Colômbia possui então cinco portos marítimos estatais — Cartagena, Barranquilla e Santa Marta, na costa caribenha, e Buenaventura e Tumaco, na costa do Pacífico — todos administrados por um mesmo organismo, o Colpuertos. Muito habilmente, o presidente promove uma campanha na imprensa: a situação dos portos é caótica, convém privatizá-los. O que é feito, depois da assinatura da Lei n°1 de 1991 (Ley Primera de 1991).
Seguindo a grande tradição das liquidações estatais, empregados e máquinas desaparecem e nenhum inventário das instalações é realizado. Nenhuma abertura à concorrência é efetuada. A transferência é deixada à discrição de um funcionário — superintendente portuário — que oferece o contrato a quem for do seu agrado. O artigo 12 da lei permite-lhe isto: “Em cinco meses, a partir da data da demanda, o superintendente geral dos portos fornecerá uma resolução na qual serão indicados os termos nos quais a concessão será acordada”.
Nada além disso. E é pura obra do acaso se, atrás dos testas-de-ferro (testaferos) que se precipitam neste lucrativo negócio, encontra-se a nata dos dois grandes partidos políticos (liberal e conservador). Por algumas migalhas, instalações são entregues a sociedades surgidas do nada e a particulares desprovidos de qualquer experiência neste tipo de atividade. É verdade que, precavida, a lei (artigo 30) tinha considerado esta hipótese: “As sociedades portuárias podem contratar subprestadores (…) “. Todos estes felizes incompetentes poderão então ficar multimilionários da noite para o dia. Faturando benefícios em dólares, os portos são um excelente negócio.
Até aí nada de novo no grande Monopoly da economia dita de mercado. “Mas”, denuncia oito anos mais tarde, em Bogotá, a senadora Ingrid Betancourt, “a história não pára aí. Esta privatização era de fato apenas uma operação de diversão para se poder montar o maior assalto à mão armada da história da Colômbia “.
Demissões sem protesto
Os cinco portos da Colpuertos empregavam então mais de 15 mil trabalhadores, reagrupados em oito sindicatos e uma federação, os quais adquiriram importantes privilégios e, dizem, “conduziram todos os governos que se sucederam pelo cabresto”. Para o presidente Gaviria, trata-se desde então de evitar toda reação violenta dos trabalhadores diante da privatização anunciada. Para tanto, eles serão ? demitidos. E para a surpresa geral, eles não se manifestam nas ruas.
Permite-se a transferência dos ativos do Estado ao setor privado, a Ley Primera prevê, como convém, que todo o passivo será coberto pelo orçamento nacional. “A nação assumirá o pagamento das pensões de aposentadoria de toda natureza, os demais encargos, seguros sociais, indenizações e condenações [grifo nosso] devidas pelos Puertos de Colômbia.” (artigo 35). A máquina infernal está em ação, pois não faltarão “condenações”.
Durante os últimos meses de existência da Colpuertos, entre maio e agosto de 1991, foram curiosamente assinadas seis novas convenções coletivas com sindicatos. Estas convenções outorgam à mão-de-obra todo o tipo de vantagens, por meio de “fatores salariais” (factores salariales), aproximadamente quarenta incentivos e gratificações que deverão ser levadas em conta para determinar aposentadorias e pensões: as refeições (café da manhã, almoço e jantar já a cargo da empresa) ; transportes; domingos e feriados; férias; horas adicionais; doenças e acidentes; insalubridade; escolaridade e até, o que é mais fantástico, períodos de greve; serviços funerários; indenização por demissão injustificada; sapatos do domingo! gratificações “por serviços” ou camisa; bonificações as mais diversas? Tudo que se possa imaginar. No momento de proceder às demissões e liquidar as aposentadorias, inúmeros são os erros deliberadamente cometidos pelos funcionários da Colpuertos que, nos portos, são os responsáveis por estas operações. Eles “esquecem” sobretudo de levar em conta os famosos “fatores”. Estas lamentáveis omissões permitirão aos trabalhadores acionar o Estado representado pelo Fundo de Participação Social da empresa Puertos de Colombia (Foncolpuertos), criado após o fechamento dos portos para pagar as pensões.
Muito a propósito, a direção geral deste novo estabelecimento público foi confiada pelo Presidente Gaviria, em 27 de novembro de 1992, a Hernando Rodríguez, de quem nada se sabe a não ser que é o marido de Marta Catalina Daniels, congressista bastante controversa, “reconhecida já na época como uma das pessoas mais corruptas da Colômbia”. Rodríguez empreende imediatamente aquilo ficará como o essencial de sua contribuição à obra-prima que se anuncia: a organização de um caos total através da destruição dos bancos de dados informatizados contendo todas as informações sobre os trabalhadores. “A partir daí”, confidencia um funcionário bem informado sobre o assunto, “não se sabe mais quem são, nem quantos, nem o que podem pedir, se trabalharam ou não e por quanto tempo, quais são os ’fatores salariais’ a que têm direito. O que restou foi um banco de dados completamente falho com, no melhor de casos, informações incompletas “.
“Espoliados” pelas irregularidades cometidas, os ex-trabalhadores portuários manifestam sua discordância com as liquidações. Uma vez esgotado o recurso amigável que permaneceu infelizmente sem resposta, “eles concedem poder a um advogado que os põe em contato com outro advogado que até então permanecia misterioso.” Mas nem tanto, pois entre a pletora de defensores desinteressados que se apresentam espontaneamente, figuram vários ex-funcionários de Colpuertos, tão “advogados” quanto você ou eu. Aqueles mesmos que cometeram os “erros” na hora da liquidação!
Uma profusão de demandas judiciais é apresentada (30 mil para 16 mil trabalhadores!). Na ausência da base de dados com as informações, somente as “hojas de vida” (ficha de identidade: histórico do trabalhador na empresa) poderiam permitir reconhecer o caráter bem fundado das ações. Mas estes documentos continuam nos portos, inutilizáveis, atirados em contêiners, apocalipticamente empilhados em cantos inundados. Diante disso, todas as reclamações são possíveis, até mesmo as mais delirantes ou menos comprovadas. Condenações seguem-se sobre a base de julgamentos não motivados. Ou melhor, motivados e mesmo duplamente motivados. Representado por seu advogado, um grupo de trabalhadores pede 1,55 bilhão de pesos (aproximadamente 800 mil dólares). [1] O juiz, em sua infinita sabedoria, estima que o valor é muito pequeno e concede 2 bilhões de pesos (1 milhão de dólares), pois é ele que embolsará a diferença.
Protegidas pelo anonimato, pessoas detalham-nos as engrenagens da máquina diabólica. Por direito, um ex-trabalhador que recebeu uma pensão na qual os “fatores” foram mal liquidados ou mesmo não liquidados, deve apresentar uma reclamação global. De fato, ele apresenta uma para cada anomalia (a média, por pensionista, chega a vinte). “Aqui há quatro. Esta dá direito a tanto, aquela a tanto, esta outra a mais tanto”. O total é endossado pelo magistrado que acrescenta: “Para cada dia de mora, o Estado pagará um dia de salário de indenização”. Em uma só demanda, a pena seria “por exemplo, por oito meses, para 160 dias de salário. Ou seja 7 dólares x 160 = 1.120 dólares, mais juros. Mas como a condenação é sobre quatro demandas, calcula-se: 1.120 x 4 = 4.480 dólares. Às vezes, há dez, quinze ou vinte demandas. E alguns processos duram vários anos. Faça os cálculos…”
Advogados pedem qualquer coisa e obtêm tudo. Multas e outros “juros retroativos” multiplicam o valor das somas a pagar. Um exemplo: sobre 14 recibos de caixa, dos quais 11 referentes a setembro de 1998, correspondendo a somas supostamente devidas a grupos de “trabalhadores”, num total de 945 mil dólares, os juros de mora atingiram 2 milhões e 750 mil dólares. [2] Beneficiando-se da inexistência de controle e da ausência de cruzamento das informações, as mesmas reclamações são apresentadas em lugares diferentes (Cartagena, Barranquilla, Santa Marta, Bogotá, etc.) e “para que não fique evidente tratar-se da mesma demanda, os nomes são ligeiramente modificados, ou altera-se o número da carteira de identidade”. Pedidos de 1 milhão de dólares cada uma, repetidos dez vezes! Aposentadorias que, normalmente, deveriam chegar a 150 ou 200 dólares por mês, literalmente explodem; são concedidas pensões por invalidez total a adultos robustos e em plena saúde?
O mais feliz dos beneficiários é sem dúvida o ex-lider sindical Arturo Forbes Rye. Empregado em um depósito, contratado em 4 de abril de 1973, ele percebe em fim de carreira um salário de 308 dólares e embolsa uma pensão mensal de 13 mil dólares, soma que aproveitou para estudar Direito e passar a defender os interesses de 150 pessoas. Privado de mecanismos de controle, sem elementos objetivos para um julgamento, o Tesouro paga as somas mais extravagantes sem vacilar.
Poder-se-ia sorrir e ver nesta maquinação — que, para lhes fechar a boca, faz dos ex-trabalhadores de Colpuertos o segmento da classe operária mais rico do mundo — apenas a democratização da corrupção. Mas isto tudo é apenas uma cortina de fumaça.
Uma lei de silêncio
É um(a) funcionário(a) que, com ira nos lábios, procede à desmontagem do mecanismo que ele(a) domina perfeitamente. “Todas estas pessoas são do litoral, têm a sua cultura, a sua idiossincrasia, mas, além disso, desfrutaram da cumplicidade mais do que ativa dos” — um silêncio, um olhar breve na direção do gravador, nosso interlocutor(a) apanha uma folha branca de papel e rabisca sem dizer uma palavra “políticos”, antes de continuar, um pouco nervoso(a) — “para pilhar o patrimônio do Estado”. Outro interlocutor que possuía informações de primeira mão começa a entrevista de maneira lapidar: “Se você mencionar meu nome, eu sou um homem morto”. Um(a) outro(a), que conhecia o dossiê a fundo, fala com uma voz segura, mas surda: “Você não me conhece, você nunca me viu, você nunca me encontrou.” Neste país, um “contrato” para assassinar uma pessoa é negociado por cerca de 200 dólares com um sicario (assassino profissional). Interesses enormes estão em jogo e no mais alto nível.
Realmente, a voracidade dos ex-trabalhadores não pode por si só explicar as somas alucinantes pagas pelo Estado. Além disso, relatam-nos, “muitos trabalhadores nunca souberam que um advogado trabalhou para eles. De fato, um pequeno número beneficiou-se destas fantásticas somas.”
“Até um certo momento”, explica Ingrid Betancourt, “pegava-se comissões das somas injustificadas pagas aos trabalhadores. Depois pegava-se diretamente. Como o arquivo não existe, eles são preenchidos como bem se quer”. O Foncolpuertos transforma-se em “máquina de fazer dinheiro”. Diariamente, pessoas apresentam-se com demandas contra o Estado. Diariamente, sem nenhuma prova documental em que possam se apoiar, juízes condenam este mesmo Estado. Uma coisa explicando a outra, Omar Niebles, membro da direção do Foncolpuertos, oferece uma caminhonete último modelo ao juiz de Santa Marta em troca de um julgamento favorável que lhe permita embolsar a módica quantia de 500 mil dólares.
Procuradores ingressam em juízo em nome de grupos de 100 empregados que nunca existiram. De um lado, Maria Teresa Caicedo foi beneficiada três vezes com 25 mil dólares, com três carteiras de identidade diferentes (229.222.061, 129.222.061 e 329.222.061). De outro, um certo Adalberto Berdugo obteve (através das resoluções 1052, 1059 e 1019, assinadas pelo mesmo diretor geral do Foncolpuertos, Salvador Atuesta Blanco) três pagamentos, de 50 mil, 44 mil e 70 mil dólares. Em outra ocasião, 5 “trabalhadores” arrancam 400 mil dólares porque 29 dias de greve no Terminal Marítimo de Barranquilla não foram levados em conta no cálculo de suas pensões. Munido de uma carteira de identidade n° 122.687.993 (não existe na Colômbia carteira de identidade cujo número ultrapasse a casa dos 100 milhões) surge um beneficiário contratado em… 1899 (o que perfaz alguns anos de pensão) [3].
Pensões para os fantasmas
Ou pior ainda, Oswaldo Brochero, falecido em 3 de outubro de 1993, concede, três meses após sua morte, poderes ao advogado Alfredo Tapta. Este conseguirá (ato 1798 bis) 6 mil dólares de pensão mensal (até a morte!) para o seu “cliente”. Esta conciliação faz parte de um pacote de 471 atos fantasmas que reclamam 255 milhões de dólares por, entre outros motivos, o não pagamento de gratificações de repouso (!) e de gratificações extras pelo manuseio de substâncias corrosivas (deste total, 110 milhões de dólares foram pagos em 1998). De acordo com uma investigação preliminar da Procuradoría General de la Republica (PGR), uma comissão de 40% das somas obtidas por cada uma das contas relacionadas foi atribuída a funcionários de Bogotá [4]. A advogada Leydith Correa Laffont conseguiu, com a ajuda de documentos falsos ou alterados, receber mais de 3 milhões de dólares. Mais que o advogado Dulis Escobar, o “rei da conciliação”, cujo patrimônio é avaliado em 2 milhões de dólares.
Adulteração de bancos de dados, liquidação incorreta de benefícios e aposentadorias, aceitação de documentos falsificados, perda de faturas, pagamentos ilegais, sindicalistas comprados, trabalhadores que se prestam à fraude, funcionários corrompidos, advogados, juízes, liquidantes, tesoureiros, trapaceiros de toda espécie, tudo e todos nos conduzem ao Foncolpuertos. Constatou-se que em agosto de 1998, em uma base de dados comportando 16.515 operações, 12.233 registradas pelo Foncolpuertos sob o código 999 são desprovidas de justificação e não possuem nenhum documento que as legitime [5]. E todos esses fatos conduzem, em primeiro lugar a seus sucessivos diretores — Hernando Rodríguez, Deyfan Silva, María Fressia Suárez, Juan Manuel Cubides, Manuel H. Zabaleta, Salvador Atuesta, Maria Piedad Mosquera —, nomeados pelos poderes liberais de César Gaviria (1990-1994) e Ernesto Samper (1994-1998).
“Do que foi estabelecido durante os controles da Procuradoría”, declara sem rodeios o atual Contralor (o Procurador geral da nação), Carlos Osso, “pode-se quase concluir que a desorganização que conduziu a todo este desperdício foi deliberada, foi cuidadosamente planejada”. Que se avalie: dos 120 empregados do Foncolpuertos, somente 11 cargos pertencem à função pública. Os outros não possuem nenhuma qualificação que esteja em conformidade com a função administrativa complexa e delicada que lhes é confiada. O chefe do Escritório dos Benefícios Econômicos é… arquiteto! Entre os liquidadores, encontram-se pessoas com apenas o segundo grau, nutricionistas, engenheiros, desenhistas — todos recrutados por recomendação de políticos — o que alguns qualificam cuidadosamente de “laços com terceiros”. Nenhum manual sobre procedimentos a seguir, nenhum controle interno. Melhor, e mesmo inacreditável, as chaves de acesso à rede de computadores do Sistema Nacional de Pagamentos (Sistema Nacional de Pagos) foram confiadas a 61 dos empregados — tão altamente qualificados! — do Foncolpuertos. A medida vai permitir alterar, apagar, manipular dados que figuram em arquivos usados pela administração do patrimônio do Estado. Com isso, o dinheiro corre solto e para o grande proveito daqueles que, na sombra, são os instigadores e os maiores beneficiários desta hemorragia financeira. “Formou-se um verdadeiro cartel que funciona assim: uma soma ínfima para o trabalhador, uma quantia cômoda para o líder sindical, uma porcentagem para o advogado, o juiz, o funcionário, uma para o intermediário que pôs em contato o funcionário e o advogado, que, por sua vez, paga a alta classe política”.
Processo 8.000
Campanhas eleitorais e enriquecimento pessoal durante a administração de Gaviria, “geraram uma alta grana”, diz-se amargamente em Bogotá. Em 1994, ocorre o escândalo que vai abalar o presidente Ernesto Samper, acusado de ter recebido 3,6 milhões de dólares de narcotraficantes do cartel de Cali para financiar sua campanha eleitoral. Preso, o ministro da Defesa Fernando Botero, diretor da campanha, admite: sim, o candidato Samper pediu dinheiro aos narcos e o obteve em troca da promessa de não os extraditar para os Estados Unidos, já que, eterno ponto de discórdia com Bogotá, Washington reclamava com insistência a extradição. Julgado pelo Congresso ao fim de um “Processo 8.000 ” muito confuso, o Sr. Samper é absolvido, para a surpresa geral, em 15 de dezembro de 1995.
Neste momento, algumas das personalidades políticas, ligadas ao presidente — Marta Catalina Daniels, Carlos Alonso Lúcio, o “Chucho” Barcilla, Jaime Lara (atualmente preso por tráfico de drogas), José Name, etc. —, dispõem de homens deles no seio do Foncolpuertos. É a instituição usada para comprar, por preço alto, a absolvição do presidente? “Não há uma prova formal, hesita-se, mas é o que afirma a vox populi no interior do Congresso”. “Heyme Mogollon, acrescenta-se, aquele mesmo que deveria conduzir a investigação contra o presidente, saiu do Congresso com 1,5 milhão de dólares no bolso e se tornou ’o rei de uma vilazinha qualquer de fim de mundo’ na costa colombiana”.
Somente a senadora Ingrid Betancourt, odiada pela classe política pela coragem e tenacidade com que conduz a luta implacável contra a corrupção, ousa ir mais além. Face a uma pilha de documentos, ela afirma: “Este pacote corresponde às ’liquidações’ apresentadas no momento do processo Samper. Foram concebidas como se elas tivessem sido redigidas em 1993, e apresentadas em Barranquilla porque os congressistas dispunham aí dos juizes mais corruptos do mundo. Por falta de sorte, uma auditoria do CGR acabara de acontecer em Barranquilla, constatando que este porto tinha equilibrado dívidas, e que todas as liquidações haviam sido pagas. E eis que, de repente, caem do céu estas múltiplas demandas. E deu 575 milhões de dólares”. Esta auditoria da CGR, envolvendo 1 bilhão de dólares, evidencia que os senadores estão de posse dos atos de liquidação e que estes atos são falsos.
O contralor Carlos Osso mostra-se mais comedido. “Todo mundo disse isto a meia voz, mas com exceção de Ingrid Betancout, ninguém proclama publicamente”. Mas apesar disso deixa escapar seu sentimento: “Quanto a mim, estou seguro que alguns setores políticos participaram ativamente da fraude. A investigação em andamento certamente provará isto”.
Como poderia ser de outra forma? A fraude foi descoberta desde 1993. Em 24 de maio, o CGR remete ao Ministro das Finanças um relatório alarmante sobre a desordem absoluta que reina no Foncolpuertos. Nada acontece. Em 1995, nova auditoria do CGR, novo grito de alarme. Nenhuma investigação foi realizada, nem mesmo por Francisco Becerra, contralor geral da nação, que entretanto na ocasião estava à frente dos serviços que “anunciam a desgraça”, pois no quadro de suas atribuições, o CGR pode conduzir auditorias, mas também investigações, o que jamais fez. Os ministros que deveriam zelar pela transparência do processo e fazem parte da direção (junta directiva) do Foncolpuertos não reagem mais.
Prisão de comparsas
Em 21 de janeiro de 1997, o Tribunal constitucional entra na dança e descobre por sua vez — isto não é muito difícil — irregularidades [6]. Ele intervém então em 19 de fevereiro junto ao contralor David Turbay para que seja conduzida uma investigação fiscal sobre um primeiro “pacote” de 34 decisões da Justiça, relacionadas a 470 ex-trabalhadores (3,5 milhões de dólares). Quatro meses depois, no dia 29 de setembro, o inquérito na unidade de investigação do CGR [7] é interrompida e o caso é arquivado pelo contralor, “dado que não foram descobertas irregularidades de caráter fiscal (…) e considerando que o Estado pagou o que realmente devia aos seus trabalhadores, em conformidade com os diversos benefícios legais e contratuais (…) sem que se tenha produzido qualquer prejuízo ao patrimônio público”. Preso em fevereiro de 1998, no âmbito do “Processo 8.000”, por enriquecimento ilícito (50 mil dólares recebidos do Cartel de Cali), o ex-fiscal Davis Turbay foi condenado em 29 de dezembro de 1999 a 5 anos e 10 meses de prisão.
Todos os Ministros do Trabalho, do Desenvolvimento e das Finanças que se sucederam durante este longo período foram alertados; todos os diretores do Orçamento; os funcionários de alto escalão, tal como Zamora Zuniga Valverde, o magistrado da Vara especializada no Trabalho da Supremo Corte de Justiça (enquanto magistrado, ele deixou pagar falsas indenizações; quando se aposentou, tornou-se o advogado de juízes presos neste caso de prevaricação). “Os presidentes Gaviria e Sampers sabiam, e como!” insiste a Sra. Betancourt. Toda investigação é sistematicamente paralisada no topo. Apesar das ordens, apenas funcionários escandalizados, freqüentemente de segundo escalão, continuam a trabalhar em silêncio, a reunir provas, a desmontar a máquina, homens e mulheres anônimos, honra de seu país, que conduzem hoje a batalha com todos os riscos que isto implica.
“Pressões? ameaças? Sim, muitas “, confirma a sra. Betancourt que se tornou a porta-bandeira do movimento. “Mas enquanto senadora tenho proteção [da polícia] que me é garantida pelo Estado”.
Pressões, o atual contralor, Carlos Osso, nomeado para este posto depois da chegada ao poder, em 1998, do presidente conservador Andrés Pastrana, parece também desconsiderar: “Minha conclusão é que, e eu falei isto no Congresso, houve uma conspiração contra a nação, conspiração da qual participaram, por ação ou omissão, os mais altos funcionários do Estado”.
Resta ainda avaliar o tamanho do crime, tarefa especialmente árdua, pois nenhum serviço ou ministério guardou o menor documento contábil sobre as somas pagas. “O orçamento nacional já desembolsou mais de 600 milhões de dólares, 40% dos quais provavelmente de maneira fraudulenta”, estima Osso. “Mas o problema não pára aí… ” De acordo com o grupo interno de trabalho do Ministério de Trabalho, existiam ainda para pagar, em junho de 1999, 18.232 processos em andamento e mil conciliações presumivelmente falsas, referentes a dezembro de 1993. A soma é estimada por Osso: “entre 1,25 e 1,5 bilhão de dólares”. Arredondando por baixo pode-se chegar ao total de US$ 1,75 bilhões a 2 bilhões. O atual governo de Pastrana decidiu suspender qualquer pagamento das novas demandas. Para a sra. Betancourt, o prejuízo pode chegar a 3 bilhões de dólares. “Em um país que conta com 25% de desempregados e onde 40% da população vive abaixo da linha de pobreza, isto é o equivalente a duas vezes o orçamento social em educação, saúde e moradia previsto para o ano 2.000. É monstruoso!”
Monstruoso, mas, por ora, sem muita conseqüência. Aproximadamente quarenta trabalhadores, advogados, juízes e comparsas foram presos. De pequeno em pequeno processo, dilui-se o escândalo pelo qual a mídia, ligada aos grandes grupos econômicos, e, portanto, ao establishment político, demonstra pouco interesse. Carlos Viera de la Fuente, diretor do grande jornal El Espectador, foi advogado de uma sociedade beneficiada com a privatização dos portos. O Conselho Nacional da Magistratura (Judicatura) expressou a necessidade de revisar cerca de 18 mil julgamentos que foram realizados. “Mas a Justiça está de tal forma implicada que dificilmente pode pôr em questão senadores, deputados, ministros e presidentes. ”
Quanto aos organismos de controle, eles permanecem nas mãos dos personagens próximos ao ex-presidente Samper. Alfonso Gomez Mendez, fiscal (procurador) da nação, que deve atualmente conduzir a investigação, foi advogado de ministros acusados de ter recebido dinheiro da máfia, quando do “Processo 8.000”. O procurador Jaime Bernal, que tem a seu cargo a aplicação das medidas disciplinares contra os funcionários públicos, era, antes de ser incumbido do caso, advogado pessoal de Hernando Rodríguez, primeiro diretor do Foncolpuertos e mentor de um assalto que teria alcançado a ordem de 10 bilhões de dólares.
Um processo foi, aliás, aberto contra Rodríguez, mas este deixou a Colômbia há dois anos para comprar cigarros e ninguém o viu desde então? A empresa Hermac Ltda, que ele possuía em companhia de sua esposa Marta Catalina Daniel (Hermac: Hernando y Marta Catalina), foi confiscada. Quanto a Marta Catalina, ela continua a ter sua cadeira no Congresso como sempre.
Enquanto isto, plebiscitado por seus pares — particularmente o governo dos Estados Unidos — o ex-presidente Gaviria acaba de ver renovadas as suas funções de Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA). Confrontado a uma terrível crise econômica, o atual governo colombiano precisou solicitar ajuda ao Fundo Monetário Internacional. Pressentindo como nunca ecos do desvio de recursos que sangrou a Rússia [8], o FMI nunca tinha ouvido falar do Fonco
Maurice Lemoine é jornalista e autor de “Cinq Cubains à Miami (Cinco cubanos em Miami)”, Dom Quichotte, Paris , 2010.