Pesticidas e agricultores
Os perigos de vários produtos químicos utilizados na agricultura vão sendo aos poucos admitidos; entretanto, sua regulamentação e o reconhecimento dos males que provocam continuam sendo um combate árduo, em particular para os agricultores
Em 10 de agosto de 2018, um jardineiro dos subúrbios de San Francisco conseguiu que a empresa Monsanto fosse condenada em juízo por não tê-lo prevenido dos efeitos do Roundup, o herbicida mais utilizado no mundo. Esse processo valeu a Dewayne Johnson, que sofria de um câncer em fase terminal, uma indenização considerável: US$ 289 milhões (cerca de R$ 1 bilhão). Na Europa, o glifosato, principal componente do Roundup, continuará autorizado pelo menos até 2022.
Na França, segundo maior consumidor de produtos fitossanitários entre os países da União Europeia (depois da Espanha), a Mutualité Sociale Agricole (MSA) indenizou quase mil agricultores durante a última década, para todos os tipos de doença. “É a ponta do iceberg”, reconhece Anne-Marie Soubielle, encarregada do Departamento de Saúde e Segurança no Trabalho do Ministério da Agricultura. Um relatório entregue ao governo em janeiro de 2018 é alarmante: “O número de vítimas hoje conhecidas disfarça claramente o número potencial delas”.1 Com base nos conhecimentos científicos internacionais atualmente disponíveis, os inspetores-gerais da administração calculam que “o risco da exposição da população agrícola aos produtos químicos envolveria hoje 100 mil pessoas. O número de vítimas potenciais em que existe uma forte presunção de causalidade entre a doença e a exposição é da ordem de 10 mil pessoas: dois terços para a doença de Parkinson e um terço para as hemopatias malignas”.2
Nos últimos anos, porém, o regime de proteção social obrigatório dos agricultores fez alguns progressos no reconhecimento das enfermidades. Vítima em 2006 de uma leucemia rara após manipular produtos à base de benzeno, Dominique Marchal foi o primeiro agricultor indenizado por causa de uma patologia profissional associada aos pesticidas. Em 2012, a MSA acrescentou a doença de Parkinson à sua lista de enfermidades profissionais. Dois anos depois, foi a vez do linfoma não Hodkin. No entanto, esses progressos ainda são insuficientes. Cofundadora do grupo Médoc Info Pesticides, Marie-Lyse Bibeyran lutou pelo reconhecimento da origem profissional do câncer de fígado, que levou seu irmão vinicultor com a idade de 47 anos. Ela sempre menciona o “duplo castigo da doença e do silêncio” imposto aos agricultores afetados em 2018.
O relatório da administração coloca em destaque os “limites dos dispositivos” de indenização atuais, cujo aspecto mais desencorajador seria a insignificância da compensação financeira a esperar. As indenizações concedidas às vítimas de produtos fitofarmacêuticos são objeto de contestações sistemáticas perante os tribunais, explica François Lafforgue, advogado de diversas vítimas, entre as quais as de Triskalia:3 “Temos ganho de causa em 95% dos casos, o que prova à sociedade que a MSA não leva em conta as sequelas constatadas”.
Os que desejam entrar com um processo devem enveredar por um labirinto kafkiano. Se suas doenças não forem Parkinson nem linfoma não Hodkin, eles precisam se dirigir ao Comitê Regional de Reconhecimento de Moléstias Profissionais (CRRMP), organismo independente da MSA, e provar que foram expostos aos produtos presumivelmente responsáveis por sua doença. Segue-se então a caça aos documentos: talões de pedidos, faturas ou recipientes que continham os tóxicos incriminados.
Essas providências são particularmente cansativas para os trabalhadores, que às vezes precisam se haver com seus patrões, pouco inclinados a fornecer os documentos comprobatórios da exposição. Uma vez de posse desses elementos, precisam em seguida estabelecer um vínculo de causalidade entre a doença e as substâncias, que podem ser múltiplas. “É uma tarefa difícil, porque os efeitos são a longo prazo, surgindo vinte ou trinta anos depois da exposição, quando o perigo era desconhecido”, explica Soubielle.
Segunda muralha a transpor: o reconhecimento clínico, considerando-se a formação precária dos médicos, conforme Annie Thébaud-Mony, socióloga e diretora de pesquisa do Institut National de la Santé e de la Recherche Médicale (Inserm). Por ocasião das entrevistas para a emissão de um atestado da origem profissional da doença, a ênfase é o mais das vezes sobre fatores individuais dependentes dos hábitos de higiene – consumo de fumo ou álcool, obesidade –, em detrimento de fatores ambientais. Ela explica: “Os médicos não estão preparados para levar em conta fatores coletivos, que ponham em causa a lógica industrial”. As associações de vítimas denunciam também pressões mais ou menos fortes que alguns médicos exercem contra os pacientes e que podem ir da advertência benevolente (“É um processo longo”) à rejeição pura e simples (“Você não tem nada”, “Isso é uma ninharia”).4
Por seu turno, a MSA garante que, na Europa, seu sistema de proteção “é o mais favorável ao demandante” para as doenças ligadas aos pesticidas, como afirma Marc Rondeau, médico assistente e consultor técnico nacional da seguradora. Alguns países, como a Alemanha, exigem dos demandantes a prova de que o produto é a causa direta da patologia, enquanto a MSA francesa sustenta que acolhe “automaticamente” os pedidos de indenização para a doença de Parkinson ou o linfoma não Hodkin, caso a exposição mais recente à substância tenha ocorrido no curso do ano anterior. Acusada de não representar as vítimas dos pesticidas, ela se defende alegando que seu conselho administrativo é eleito por 24 mil profissionais, incluindo os agricultores e os empregados da agroindústria.
Sob o fogo das críticas, o grupo de pressão francês dos pesticidas pede confiança no “sistema robusto” de regulamentação atualmente em vigor. “Seria inquietante que os produtos fossem postos no mercado segundo critérios suscetíveis de tornar as pessoas doentes”, declara Eugénia Pommaret, diretora da Union des Industries pour la Protection des Plantes (UIPP). Ela assegura: “O processo de autorização para a colocação no mercado, conduzido pela Anses (Agência Nacional de Segurança Sanitária da Alimentação, do Ambiente e do Trabalho), está entre os mais rigorosos do mundo, pressupondo um reexame do produto a cada dez anos”.
Pommaret insiste, notadamente, na melhoria dos dispositivos de proteção: os uniformes de trabalho são agora de algodão impermeável, mais confortáveis e bonitos, a fim de encorajar seu uso. E todo agricultor exposto aos pesticidas deve fazer obrigatoriamente um curso de três dias para aprender as boas práticas. Pode-se então, realmente, falar em vítimas se, como ela afirma, tudo está à disposição dos agricultores para se protegerem? “Essa é uma questão delicada, que não vou comentar”, diz. Mas acrescenta: “Posso entender que essas pessoas se sintam vítimas”.
De seu lado, ecologistas e profissionais da saúde ambiental rejeitam o argumento que minimiza os riscos associados aos pesticidas apenas porque seu uso seria controlado. O processo de homologação da Autoridade Europeia de Segurança dos Alimentos (Aesa) e os conflitos de interesses de seus especialistas concentram as críticas. Em 2014, um relatório associativo sublinhava que 52% dos especialistas encarregados de examinar os efeitos das misturas de pesticidas nos alimentos tinham “vínculos com a indústria”.5 Na França, a associação Générations Futures denuncia falhas no sistema de homologação da Anses. Aí, os produtos são avaliados isoladamente, sem levar em conta sua interação com outras substâncias químicas no ambiente – o “efeito coquetel” – nem suas consequências a longo prazo.
Alain Garrigou, professor de Ergonomia da Universidade de Bordeaux e especialista em doenças profissionais, acrescenta que o uso de uniformes não poderá jamais proteger integralmente contra a exposição aos pesticidas: na melhor das hipóteses, contribuirá para diminuí-la; na pior, para aumentá-la. Segundo seus estudos, os agricultores munidos de uniformes podem ficar até três vezes mais expostos que os que não os usam.6 Em certos casos, os produtos passam diretamente pelo tecido dos uniformes, que se tornam então verdadeiros escafandros tóxicos.
Para Thébaud-Mony, a ênfase das empresas agroquímicas nos equipamentos de segurança não passa de uma maneira disfarçada de atirar sobre os agricultores a responsabilidade da indústria. “Já vimos isso com o amianto. Os fabricantes e, em certa medida, as organizações representativas insistem na responsabilidade individual dos trabalhadores, afirmando que eles não sabem utilizar os produtos.”
Por mais estranho que pareça, a Federação Nacional dos Sindicatos de Operadores Agrícolas (FNSEA), supostamente defensora de seus membros, figura entre os mais aguerridos adversários da regulamentação e se coloca na primeira linha do grupo de pressão favorável aos pesticidas. E mais: antes de chegar à direção da UIPP, em 2014, Pommaret foi durante vinte anos a responsável “ambiental” da federação agrícola. “Eles não conseguem organizar uma reunião sem a ajuda de uma empresa”, desafia Paul François, presidente da associação Phyto Victimes e primeiro agricultor do mundo a conseguir a condenação da Monsanto, em 2012, após uma intoxicação por um de seus herbicidas, o Lasso. A FNSEA se põe também ao lado de associações de vítimas, de médicos e de funcionários na Comissão Superior das Doenças Profissionais (Cosmap), a organização responsável por propor a inscrição das doenças profissionais. Em 2012, ela votou contra a inscrição da doença de Parkinson. Em 2015, absteve-se no caso do linfoma não Hodkin.
No âmbito político, a questão vai ganhando corpo. Introduzida sob a forma de uma emenda à Lei de Agricultura e Alimentação examinada no Senado, a criação de um fundo de indenização específico para as vítimas de produtos fitossanitários está sendo atualmente debatida. Seguindo o modelo do dispositivo de indenização às vítimas do amianto, esse fundo seria abastecido por uma taxa já em vigor sobre as vendas de pesticidas, conforme o princípio do “poluidor pagador”. A possibilidade de indenização se estenderia às pessoas que não ficaram por muito tempo expostas aos produtos, inclusive as crianças cuja malformação congênita seria provocada pela exposição de seus pais. Enfim, um grupo de pesquisa independente da MSA teria competência para examinar as relações entre exposição aos produtos fitossanitários e doenças, pressupondo-se, além disso, a obrigação, por parte das empresas, de revelar o segredo comercial da composição dos produtos. Segundo François, a adoção dessa lei representaria uma vitória “histórica” para as vítimas.
Entretanto, depois que a Assembleia Nacional se recusou a proibir o glifosato no verão passado, não parece que o jogo vá ser ganho tão cedo. Apesar de um voto unânime do Senado, no dia 2 de julho de 2018, em favor da criação de um fundo específico para as vítimas de pesticidas, o governo adiou o projeto para 2020, argumentando que o conhecimento dos efeitos dos produtos era insuficiente para justificar esse fundo. Em 2013, contudo, uma análise coletiva do Inserm constatou que existiam vínculos entre a exposição aos pesticidas e as doenças neurovegetativas, problemas de reprodução ou alguns tipos de câncer, como o de próstata, as leucemias ou os linfomas, que afetam os órgãos produtores de componentes do sangue (gânglios linfáticos, baço, medula óssea). O número de pedidos de indenização não cessa de aumentar: 26 em 2007, 113 em 2016 e um total de 678 para o conjunto do período considerado.7
*Natalie Sauer é jornalista.