Pior que crack! Como essa droga f*** meu cérebro
Sinto que cheguei ao fundo do poço, sou um dependente químico de likes, confesso que enfio o nariz na timeline, chapado de alertas e musiquinhas, compulsivo das redes sociais, viciado por joguinhos, obcecado em checar a caixa de entrada do e-mail, baqueado de séries, injeto selfs na veia a todo momento, trago mensagens instantâneas, lombrado por memes e embriagado por correntes, noiado nos grupos e fissurado no stories.
Eu era um cara normal, cheio de amigos, divertido e boa pinta. Apesar de ter minhas frustrações e minhas manias, afinal, ninguém é perfeito, né!?
Me orgulhava em ser um careta de tudo. Não bebia, não fumava e sempre que possível optava pela escolha mais saudável do cardápio. Alimentação orgânica, sal rosa do Himalaia, em jejum, limão taiti.
Era bem nerd na escola, estudante nota dez. Bom emprego, carro, casa, viagens… só do melhor.
Foi numa festa a primeira vez que me apresentaram. A coisa parecia inofensiva. Foi só um tapinha como diversão mesmo. Estavam todos os amigos lá, só gente bonita, todos sorrindo, todo mundo parecia bem feliz!
Pouco a pouco eu fui usando mais e mais. Queria novamente aquela sensação, aquele furor. Precisava ser aceito e estar com toda aquela gente incrível.
Demorei para notar que havia algo errado.
No trabalho eu aguentava, quando me esforçava muito, não mais que uns dez minutos. Era quando me escondia no banheiro para usar. Bom mesmo era na facú, lá todo mundo usava na frente de todo mundo, sem constrangimentos ou repressão. Até os professores curtiam o barato.
Quando notei as pessoas estavam usando no trem, no ônibus, nas ruas, no barbeiro, no cinema, no chuveiro… na academia então, parece que o consumo era treino obrigatório. No pré-treino pra esquentar, intervalado nos exercícios como se o barato fosse um aparelho de cárdio obrigatório e depois do treino era só usar mais um pouco para relaxar os músculos.
Taí o detox perfeito, lowcarb, antistress, baixa calorias, zero lactose e sem glúten. Vai querer mais o quê?
Só que, dentro de casa, as coisas não iam bem. No começo eu achava que ninguém nem sequer desconfiava que eu estava usando. Nem falo por mim, o pior são as crianças, elas já nasceram nesse mundo, com essa droga comendo a mente de todo mundo. Agora elas também estavam usando, dando seus tapinhas como se fosse brincadeira. Até minha coroa que era contra, dava oreiada pela sem-vergonhice por usarmos assim a qualquer hora do dia ou da noite, agora se rendeu e não para de usar também.
Já não conversamos mais na hora do jantar. É dês do café da manhã até à noite, tá cada um no seu canto, encolhido, dando um tapa. Já não tem mais a cacheta no domingo, a conversa com os vizinhos no portão, eles que uma vez chamaram a polícia por conta do som alto, agora estão iguais a gente, tudo viciado.
Ao abrir os olhos, a primeira coisa que faço é acender e dar uns dois. Às vezes, quando me dou por mim, já estou horas lá deitado, o sol na cabeça e atrasado para o serviço reunindo a coragem para apagar essa droga e cuidar de minha vida.
Faço um esforço danado, até que levanto, vou até o banheiro e volto a usar… só não perco meu emprego porque o meu patrão, aquele escroto, é mais dependente do que eu.
A coisa não seria tão ruim quanto parece se eu conseguisse manter meu casamento, minha família. Mas minha esposa não deu uma nova chance, ela me deixou, disse que eu a troquei pelo meu vício. Que droga! Eu sei que ela usava também, só não queria admitir pra mim, me trocou para usar com outro, eles usam juntos na cama toda noite, eu sei.
Quando me dei por mim, estava sozinho, já não via os amigos, nem parentes, mal cuidava de mim. Como vou conseguir alguém pra chamar de meu bem? Quem vai querer qualquer coisa com um viciado como eu?
Essa parada me criou dependência física. Uso tanto que acordo no meio da noite ligadão só para usar. Fico com os olhos estatelados, tremendo e só durmo depois de usar. O problema é que já é quase na hora de usar… ops, de acordar e uso de novo pra despertar. O resto do dia é aquela merda, um sono, um cansaço, aquela falta de energia esperando a noite chegar pra poder dormir e começa tudo de novo.
Só um pouquinho (pausa). Desculpa voltei, parei para ir ali usar, falei que seria rápido.
É quase uma compulsão. Não é que eu seja sem vergonha. Eu já não tenho mais controle sobre meus vícios, quando me vejo, já tô lá adormecendo o cérebro com uma dose cada vez maior, mais forte. O dano que saporra fez na minha cabeça me impede de me concentrar, lembrar das coisas, manter uma linha de pensamento e além do mais… uhm, do que nós estávamos falando mesmo?
Ah, já não consigo pegar num livro, logo eu uma traça de livraria.
Já num bato aquela bolinha com os amigos, logo quem? O rei do contra-ataque.
Já não consigo pensar mais, logo eu que era o cara das ideias.
Já nem como direito, peço pra entregarem qualquer gororoba quando bate a larica e não paro de alimentar meu vício.
Votei num presidente ligadão. Afinal ele prometeu que ia legalizar, mas o vício é tanto que ficou na promessa, agora posta que é só usar, ninguém vai ligar.
Sinto que cheguei ao fundo do poço, sou um dependente químico de likes, confesso que enfio o nariz na timeline, chapado de alertas e musiquinhas, compulsivo das redes sociais, viciado por joguinhos, obcecado em checar a caixa de entrada do e-mail, baqueado de séries, injeto selfs na veia a todo momento, trago mensagens instantâneas, lombrado por memes e embriagado por correntes, noiado nos grupos e fissurado no stories.
É por isso que tomei coragem e vim hoje aqui para essa reunião do DTA, pois só os Dependentes de Tela Anônimos podem me ajudar. Peço socorro porque sei que não conseguirei sair dessa sozinho.
E você que ouviu minha história, sente essas mesmas coisas? Cuidado, quando você menos esperar verá que não tem mais volta, talvez você já esteja doente também. Então antes de sair usando, deixa um like. É só uma pontinha vai, porque eu tô só o pó.
*Toni C. é autor dos livros Sabotage – um bom lugar, e do romance “O hip-hop está morto!”, criador do coletivo LiteraRUA.