A pandemia gerada pelo novo coronavírus tem reforçado iniquidades endêmicas presentes no Brasil, e uma delas é o desemprego. De acordo com as estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 75,4 milhões de pessoas estão fora da força de trabalho (não está trabalhando nem procura por trabalho); 27,1 milhões gostariam de trabalhar, mas não buscaram emprego; 12,9 milhões se encontram desocupadas; enquanto 28 milhões trabalham na informalidade.
Um outro efeito foi sentido no início de maio, quando cerca de 16,6 milhões de trabalhadores haviam sido afastados do trabalho por causa do isolamento social imposto pela pandemia.
Milhões de trabalhadores tiveram sua renda comprometida de formal integral ou parcial, e como consequência, a garantia de acesso a uma assistência à saúde de forma privada, por meio de planos de saúde fornecidos pelo empregador (plano empresarial) ou contratados diretamente pelo trabalhador (individual, familiar ou coletivo por adesão).
Diante de uma das maiores crises sanitárias já vivenciadas e suas consequências trágicas não apenas na saúde, mas também na economia, com o objetivo de impedir a suspensão de contratos por conta de inadimplência gerada pela pandemia, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por meio de um termo de compromisso, buscou a garantia do atendimento aos inadimplentes, a renegociação de pagamento das mensalidades e a não recisão contratual.
Em contrapartida, além de flexibilização de exigências, ofereceu a liberação de um fundo (reservas técnicas) de, aproximadamente, R$ 15 bilhões para o uso em ações de combate à Covid-19 pelas empresas.
Em um universo de mais de setecentas empresas, apenas nove aderiram ao termo de compromisso, ou seja, o consumidor que não conseguir pagar seu plano de saúde, está sujeito a perder a assistência após sessenta dias de atraso.
Mais de 46 milhões de brasileiros, há anos, se esforçam para pagar religiosamente as mensalidades, e no momento em que mais precisam, as empresas de planos de saúde viram as costas.
Vale lembrar que essas mesmas devem bilhões aos cofres públicos em multas e ressarcimento ao SUS, e fazem uso de mecanismos como renegociação de dívidas e renúncias fiscais.
Trata-se de uma grande oportunidade para que as empresas expulsem os “clientes” e acabem com os escassos planos modalidade pessoa física (individual ou familiar), pois esses possuem um teto de reajustes publicado anualmente pela ANS, ao contrário dos planos pessoa jurídica (empresarial ou coletivo por adesão) com reajustes ilimitados e ampla oferta no mercado.
Em meio a uma das maiores crises sanitárias, outros serviços essenciais como gás, luz e água foram assegurados, enquanto os planos de saúde, não.
Vale lembrar, que enquanto era permitido o financiamento empresarial de campanha, o volume de recursos doados oficialmente pelas operadoras de planos de saúde vinhaa aumentado exponencialmente. Nas eleições de 2002, 2006, 2010 e 2014 foram repassados R$ 839 mil, R$ 7 milhões, R$ 11 milhões e R$ 54 milhões. Enquanto deputado federal, em 2014, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, recebeu R$ 100 mil da empresa Amil.
E assim, mais de 254 mil cidadãos deixaram os planos de saúde entre abril e julho e se juntaram aos mais de 160 milhões de usuários exclusivos do SUS, que se encontra com o orçamento congelado até 2036 (20 anos), e que de acordo com a proposta orçamentária enviada ao Congresso terá um corte de mais de R$ 2 bilhões em 2021.
Valorize, defenda e lute por melhorias no SUS, pois no momento em que mais precisamos é com ele que podemos contar, desde um simples curativo até mesmo cirurgias complexas como transplantes, e no tratamento de doenças graves como a tão sonhada vacina para a Covid-19.
Leandro Farias é farmacêutico sanitarista da Fiocruz e fundador do Movimento Chega de Descaso.