Plataformas de incentivo à representatividade nas eleições
Mulheres, negras e negros, LGBTQIA+, sem terras e indígenas criam iniciativas de ocupação da política com acolhimento e circulação de informação que aumentaram as chances de representatividade nas eleições de 2022
Movidas pela prática do aquilombamento, o legado político de Marielle Franco e o combate às políticas racistas, anti-indígenas e LGBTfóbicas nos parlamentos, ativistas concorreram às eleições de 2022 em plataformas políticas que buscaram ampliar a representação de mulheres, pessoas negras, indígenas e LGBTs nas casas legislativas e nos poderes executivos. As candidaturas eleitas prometem existir e resistir ao Congresso mais conservador dos últimos anos apostando no compartilhamento de experiências e radicalização da participação social.
O Congresso Nacional teve uma taxa de renovação de apenas 39% e saiu das urnas em 2022 ainda mais conservador e reacionário. O Partido Liberal (PL), legenda do presidente e candidato derrotado à reeleição, Jair Bolsonaro, elegeu 99 deputados federais e 8 senadores – totalizando 14 cadeiras no Senado. Ex-ministros do atual governo e lideranças bolsonaristas também tiveram sucesso nas urnas, a exemplo do jovem de 26 anos Nikolas Ferreira, que se tornou o deputado mais votado do país, com 1,47 milhão de votos.
Na tentativa de equilibrar o jogo político, iniciativas como “Quilombo nos Parlamentos”, “Bancada do Cocar”, “Eu Voto em Negra”, “Im.pulsar”, “Bancada da Reforma Agrária e Popular”, “Vote LGBT+”, “Meu Voto Será Feminista” e “Mulheres Negras Decidem” são algumas das experiências de mobilização para representatividade política de seguimentos sub-representados nos parlamentos. Suas estratégias vão além da competitividade partidária e abrem brecha para a renovação de perfis políticos coerentes com a diversidade da população brasileira.
Essas plataformas apostam em formação, pesquisa, monitoramento das políticas públicas, tecnologia, encontros, assessorias compartilhadas, investimento financeiro em pré-candidaturas de primeira viagem e muita incidência política. Como alternativa para ampliar suas capacidades na corrida eleitoral, sem depender exclusivamente do tempo reduzido de aparição na propaganda gratuita e acesso, ainda desigual, aos fundos eleitoral e partidário, mulheres e homens das lutas populares recorrem ao que mais sabem fazer: construir redes territoriais de mobilização para o acesso aos direitos, entre eles o de poder votar e ser votado na democracia.
Sementes das lutas antirracistas
Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as eleições de 2022 também foram as mais diversas em termos de representação racial e de gênero. Ao todo foram 14.712 candidatos autodeclarados pretos e pardos. Na Câmara Federal, por exemplo, 26% das candidaturas negras eleitas estão nessa condição. Em 2023, o parlamento contará com 135 deputados e deputadas negros, na sua maioria em partidos do espectro ideológico de direita, como o PL, Republicanos e União Brasil.
Segundo levantamento do site Poder 360, um a cada três candidatos que se autodeclararam negros nessas eleições já se autodeclararam brancos em eleições passadas. Neste contexto está o caso emblemático do candidato a governador na Bahia, ACM Neto. O candidato insistiu na autodeclaração de pardo como elemento de campanha, mesmo depois de inúmeros constrangimentos e denúncia do movimento negro. A partir da análise lateral dos dados, o aumento da diversidade deve ser interpretado com cautela.
A afroconveniência foi um aspecto da representação racial nas eleições e apresenta sérios riscos para o desenvolvimento das políticas de ações afirmativas conquistadas pelos movimentos sociais nas reformas eleitorais. Esse fenômeno “coincide” com mudanças nas regras que ampliam o acesso ao fundo eleitoral por candidatos autodeclarados negros e partidos.
Visando aumentar a representação negra comprometida com a luta antirracista, a campanha “Quilombo no Parlamento” nasceu com “a construção de um projeto de Brasil com os negros”, como destaca Sheila de Carvalho, integrante da Coalizão Negra por Direitos.
A campanha mobilizou 120 candidaturas em 24 estados, legitimadas por 250 entidades da Coalizão. Oitos partidos compuseram essa articulação (PT, PSOL, PSB, PCdoB, Rede, PDT, Unidade Popular e PV) e 26 candidaturas foram eleitas – 8 para Câmara Federal e 18 para Assembleias Legislativas.
Uma das candidatas eleitas pela campanha foi a jovem Dandara Tonantzin, vereadora de Uberlândia e, agora, deputada federal por Minas Gerais. Ela é oriunda das lutas do movimento de juventude negra, feminista e educacional. Atuou como conselheira no Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR) e ficou conhecida nacionalmente por reagir contra uma violência racial ao ter seu turbante arrancado por um homem branco em uma festa de formatura.
“Foi importante participar do Quilombo nos Parlamentos pela legitimidade que essa iniciativa deu às candidaturas. Para aderir, você se comprometia com pautas antirracistas desenvolvidas historicamente pelo movimento negro.”, afirma a deputada eleita.
Dandara nos conta que a campanha serviu para fortalecer a solidariedade entre as candidaturas. Durante os encontros de formação era comum ver candidatas trocando experiências, mesmo sendo de estados distintos, para articular redes de apoio e cuidado. Entidades da Coalizão, como o Movimento Negro Unificado (MNU), contribuíram organizando materiais, eventos territoriais e encontros de gerações – aproximando referencias políticas históricas nas lutas antirracistas das (os) jovens candidatas.
“Poder contar com as nossas referências durante a campanha e agora no trabalho legislativo é uma honra! Aprendemos que é possível montar mandatos afrorrefenciados. Isso é o que as nossas mais velhas sempre nos ensinaram: Sueli Carneiro, Jurema Vernek, Benedita da Silva, Vilma Reis, Antonio Pitanga.”, resgata Dandara.
Marielle Franco foi uma das principais referências para que campanhas e outras iniciativas de mobilização ganhassem visibilidade nas eleições. Dandara Tonantzin compreende que a denúncia da violência política que assassinou a vereadora do Rio de Janeiro extrapolou o território nacional e jogou luz para uma situação de racismo estrutural que fez muitas pessoas negras e não negras questionarem a incompatibilidade do racismo na democracia. “Ela de fato é semente e a forma trágica com que foi tirada de nós nos mobilizou a não deixar sua prática e legado políticos serem esquecidos.”, argumenta.
Outra experiência de mobilização negra para a ocupação política vem da região Nordeste, o “Voto em Negra”. Inicialmente formatado como uma campanha de comunicação dentro do projeto “Mulheres Negras e Democracia”, a iniciativa tornou-se um trabalho de mobilização permanente sob a coordenação da Casa da Mulher do Nordeste, Centro da Mulher do Cabo, MMTRNE e Fórum de Mulheres Negras do Nordeste.
Com a metodologia de busca ativa das candidaturas nos territórios, as mobilizadoras do projeto fomentaram assembleias para indicação de lideranças, mulheres negras, que posteriormente se candidataram representando suas regiões. Fruto dessa articulação, 72 mulheres encararam a missão e formaram 48 candidaturas entre individuais e coletivas, elegendo duas deputadas estaduais: Dani Portela (PE) e Diva Basílio (RN).
Segundo Piedade Marques, da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e coordenadora da campanha, os desafios para montar uma iniciativa de mobilização de candidaturas territoriais foram diversos desde a luta por autonomia dos povos até o combate à violência política. “Aprendemos o quanto é importante a incidência nos territórios e a construção de referência, com a formação de alianças por dentro. Vimos o grau de violência que as mulheres sofreram ao longo da construção dessas candidaturas, desde a falta de apoio, passando pelo sistema político construído para que as mulheres negras não saiam candidatas, nem sejam eleitas.”, reconhece Piedade.
Semelhante ao “Quilombo no Parlamento”, a campanha “Voto em Negra” conta com a articulação dos movimentos negros e territoriais para impulsionar ações que vão desde as formações até a incidência política de combate à violência racial e de gênero, promoção da soberania alimentar e energética, orçamento público, entre outras pautas importantes nos projetos do bem viver.
Piedade Marques e Dandara Tonantzin são unânimes em afirmar que as iniciativas para estimular candidaturas negras no pós-eleições têm o papel de manter as articulações aquilombadas, ou seja, em processo de autodefesa, cuidado e compartilhamento de experiências para unir formas forças e derrotar a colonialidade do poder.
Bancadas para barrar a boiada
Povos indígenas de todo o país estão, cada vez mais, defendendo que a ocupação dos parlamentos é uma estratégia importante para derrubar as políticas anti-indígenas intensificadas no governo Bolsonaro. Para isso, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) montou a plataforma “Bancada do Cocar” .
A iniciativa foi idealizada em 2018 a partir do sucesso das campanhas de Sônia Guajajara, primeira mulher indígena a compor uma chapa presidencial como candidata a vice-presidenta, e Joênia Wapichana, candidata a deputada federal eleita. Esse período também foi marcado pelo crescimento dos conflitos em terras indígenas e desmatamentos das florestas brasileiras, fruto da flexibilização das políticas ambientais pós-impeachment da presidenta Dilma Rousseff .
“Tínhamos as candidaturas para o congresso brasileiro como algo ainda muito longe de ser conquistado. Aí a Joênia vem e quebra essa barreira. Ela diz sim, é possível. É possível que os povos indígenas sejam eleitos! E a inspiração foi ainda maior através do enfrentamento que ela fez no parlamento, em torno do direito dos povos indígenas. Mesmo sendo a única indígena ela conseguiu mobilizar outros agentes, deputados que defenderam a pauta indígena e ambiental”, conta Dinamam Tuxá, coordenador da Apib.
Entre as 184 candidaturas autodeclaradas indígenas, a Bancada do Cocar mobilizou trinta candidatos distribuídos em pleitos executivos e legislativos. Para a Câmara dos Deputados foram eleitas duas lideranças: Sônia Guajajara (SP), com 156.966 votos, e Célia Xakriabá (MG), com 101.154 votos.
“O Brasil é terra indígena, mas não somos representados na política institucional. É também o que chamamos de racismo da ausência. A nossa luta do lado de fora nunca parou, mas era urgente aumentar a nossa presença também em lugares como o Congresso Nacional […] essa urgência da luta foi impulso para a nossa decisão de criar a Bancada do Cocar. Pararemos a boiada do lado de dentro. Reflorestaremos o salão verde”, declara Xakriabá, professora da rede pública e primeira deputada federal indígena eleita pelo estado de Minas Gerais.
A bancada pretende somar esforços com outros parlamentares autodeclarados indígenas, como Juliana Cardoso (PT/SP) e Paulo Guedes (PT/MG) e a bancada ambientalista: “Nós vamos fomentar a bancada indígena com eles. Mesmo não estando dentro dos trinta candidatos que a Apib fez aquele trabalho mais assíduo de visibilidade e compromisso, essas pessoas precisam estar no debate, incluí-las na defesa dos direitos dos povos indígenas.”, afirma o coordenador da Apib.
Tuxá aposta que essas bancadas têm o papel de convencer outros colegas da necessidade de voltar a demarcar terras indígenas, barrando a tese do marco temporal (PL 490/2007) e a proposta de regulamentação de mineração em terras indígenas (PL 191/2020). Além disso, será necessário cobrar o fortalecimento das políticas indigenistas no âmbito da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), órgãos desidratados no governo Bolsonaro.
Outra bancada que soma na defesa dos territórios, da alimentação saudável, autonomia e soberania dos povos é a Bancada da Reforma Agrária e Popular, liderada pelo Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Apesar da presença de lideranças do MST no cenário político-eleitoral em anos anteriores, 2022 foi a primeira vez que o movimento articulou uma plataforma de ocupação da política institucional com quinze candidaturas, elegendo seis.
Rosa Amorim, jovem candidata, eleita por essa articulação para deputada estadual em Pernambuco, aponta que a Bancada da Reforma Agrária e Popular saiu vitoriosa nas eleições porque soube dialogar com a sociedade os principais problemas nacionais como a concentração de terras para o agronegócio e a sua relação com o adoecimento das pessoas e o crescimento da fome.
“O MST é um movimento histórico, com muita expressão na América Latina. Ele é o maior produtor de arroz orgânico do Brasil. […] conseguimos furar uma bolha e legitimar nossa luta com a população brasileira e esse é um saldo positivo de participar da plataforma eleitoral da reforma agrária”, declara Rosa.
Com a alta da inflação e o aumento de preço dos alimentos nos últimos anos, o movimento atuou na denúncia da carestia e realizou inúmeras ações de mitigação da insegurança alimentar, distribuindo toneladas de alimentos saudáveis durante a pandemia de Covid-19. Outra estratégia importante foi ampliar sua rede de comercialização de alimentos orgânicos, com a abertura de 33 lojas em 14 estados e no Distrito Federal. Os “Armazém do Campo”, como os estabelecimentos são chamados, também são espaços dedicados para a produção cultural e organização do movimento.
Geração de dados, conhecimento aberto e mobilização
Incentivar novas candidaturas passa por disponibilizar informações acessíveis sobre o sistema eleitoral, características da população e os meandros do sistema político. Em que pese a lei de acesso à informação ser um marco importante na circulação de informações institucionais, o ambiente político ainda é restrito para a maioria da população que deseja entender o seu funcionamento.
Como forma de contribuir para candidaturas de mulheres e LGTBQIA+ aos cargos legislativo ou executivo, a organização Vote LGBT+ e o projeto Im.pulsa Voto investem em pesquisa e circulação de informações sobre o sistema político com viés de gênero e sexualidade.
O “Vote LGBT+” surgiu em 2014 como um coletivo visando enfrentar os entraves da participação de Mulheres LGBTs na política e buscando mapear candidaturas LGBTs, como forma de visibilizar e apoiar o segmento na busca por representação.
A iniciativa, desde então, realiza busca ativa de candidaturas com prioridades na pauta dos direitos LGBTs, gerando dados sobre essa população. Sua missão também é mobilizar diversos setores e candidaturas para incidir politicamente na cobrança de ações afirmativas que pautem a identidade de gênero e a sexualidade, importantes para o crescimento da diversidade nos parlamentos.
“Mais que dar visibilidade a essas candidaturas o propósito é conseguir monitorar as regras do jogo eleitoral e como elas impactam na sub-representação LGBTs para cargos políticos”, conta Evorah Cardoso, pesquisadora do Núcleo Direito e Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e integrante do #VoteLGBT.
Segundo dados da iniciativa, nas eleições de 2022 foram 317 candidaturas LGTBs disputando as eleições, com o saldo de dezoito candidates eleites. Entre elas estão dezesseis mulheres e catorze negras. Em comparação com 2018, as candidaturas e número de eleites duplicaram. Naquele ano foram identificados 157 candidates e apenas 9 eleites.
Recentemente a pesquisa do Orgulho, uma iniciativa da Havaianas, com apoio da All Out e executada pela DataFolha, revelou uma população 9,3% LGBTs no Brasil. Com base nesse levantamento é possível dimensionar que eleitas, eleitos e eleites neste ano não passam de 0,16%.
Evorah Cardoso estima que a sub-representação LGBT na política é de 58x e, como não há dados oficiais, esse fenômeno cresce sem uma responsabilização do poder público. Para ela, “primeiro precisamos saber que existimos! A justiça eleitoral tem que incorporar perguntas sobre identidade de gênero e orientação sexual no momento do registro na candidatura”, afirma a pesquisadora.
Apesar dos entraves, a percepção do eleitorado para a ampliação da diversidade na hora do voto parece estar mudando. Em levantamentos realizados pela VoteLGBT+ na Parada do Orgulho LGBT de 2017 e 2022, ocorreram mudanças emblemáticas sobre o posicionamento da importância de eleger LGBTs para cargos políticos. Em 2017 o tema não foi bem recebido e muitos participantes não achavam importante votar. Já em 2022, 89% das pessoas preferiam votar em LGBTs, entendendo como estratégica a aliança das pautas de gênero e igualdade racial.
“É como se o eleitorado fizesse render ao máximo o seu voto em termos de representatividade. Isso é uma conquista muito grande. Entre as pessoas LGBTs eleitas tivemos a presença muito grande de pessoas transexuais e com votação expressivas.”, aponta Evorah com otimismo.
Lembrando da luta pelo nome social no título eleitoral, em 2018, Cardoso aposta em incidência política como chave para a ampliação da participação política, em especial nas regras eleitorais. Para ela, é preciso acompanhar as reformas políticas, cobrar ações afirmativas na legislação e na jurisprudência de modo que exista reserva de vagas nas chapas/federações, reserva para distribuição dos fundos eleitoral e partidário, além da tarefa coletiva de denunciar e exigir punições à violência política LGBTFóbica da qual candidatas, sobretudo transexuais, são vítimas.
Este ano o Brasil contou com 9.353 candidatas mulheres e 91 eleitas para a Câmara Federal. Apesar do crescimento de 2% em relação a 2018, a tarefa de enfrentar uma eleição não é fácil. Exige esforço redobrado quando as candidaturas são femininas e populares, o que demanda ações de incentivo que devem ir além da reserva de 30% de vagas para candidaturas das mulheres.
Iniciativas como Meu Voto Será Femista e Mulheres Negras Decidem trabalham lado a lado com as mulheres para fomentar suas capacidades de liderança por meio da mobilização de campanhas para o voto em mulheres feministas e o reposicionamento de temas na agenda política que permita um olhar para a diversidade das mulheres que atuam na luta por direitos.
Com uma abrangência continental, a iniciativa Im.pulsa aposta na produção de conteúdo político para incentivar mulheres da América Latina a ingressarem na vida política, produzindo campanhas inovadoras. A plataforma aberta e gratuita, produzida por mulheres e para as mulheres está em atividade desde 2020. No site encontramos vídeos, pequenos textos e ilustrações dispostos em trilhas que ajudam a entender a trajetória das mulheres na política, como conseguir dinheiro para uma campanha, o que fazer na pós-campanha, entre outras informações importantes para iniciar a corrida eleitoral.
Letícia Medeiros, co-criadora da plataforma Im.pulsa, nos conta que existem muitos desafios na circulação de informações para empoderar candidaturas femininas: “tanto no Brasil, como na América Latina, esse tipo de conhecimento ainda é bastante construído em torno da realidade de candidaturas masculinas e brancas. Além disso, antes da Im.pulsa, boa parte do conhecimento didático sobre campanhas eleitorais só eram encontrados em cursos pouco acessíveis de marketing político”, comenta Medeiros.
Para ela, além do acesso a informações, existem três aspectos emblemáticos que impedem as mulheres de participar da política: a dificuldade de cumprimento da cota de 30% de candidaturas femininas pelos partidos; a falta de leis que garantam cotas de eleitas nos parlamentos e a manutenção de um “status quo” partidário que a reserva de vagas não conseguiu quebrar, uma vez que essas candidaturas não são vistas como competitivas e muitas vezes ficam na sombra de lideranças masculinas.
Para derrubar essas barreiras, Letícia aposta em formação, apoio financeiro, compartilhamento de boas práticas e mais mulheres no centro das decisões políticas. O México, por exemplo, é um importante modelo de país que já adota a paridade de gênero nos parlamentos, o que ajuda a garantir uma “chegada” das mulheres nesses espaços de poder para que uma mobilização interna também aconteça.
Nova cultura política para enfrentar o conservadorismo
Passado o momento da ressaca eleitoral, a atenção volta-se para o número de candidaturas eleitas pelas plataformas que visam ampliar a representação política dos movimentos sociais e diversidade de vivências. Uma “bancada de lutas” é a forma com que o conjunto de deputados e deputadas jovens, negros, feministas, LGBTQIA+, sem terra e indígenas que assumirão em 2023 já se reconhecem.
Com votação expressiva e buscando contrabalancear a proporção de forças no Congresso, essas iniciativas alimentam esperanças e devem ser consideradas como protagonistas de uma nova cultura política. Apesar do cenário político indicar um movimento de crescimento do conservadorismo e do fundamentalismo, o país vê aumentar de forma progressiva a presença de outros tipos de corpos, fenótipos e pautas nos corredores e salas do poder. Além do Congresso, candidaturas comprometidas com a justiça social, a diversidade e os direitos humanos também chegaram às assembleias e governos estaduais em 2022.
A emergência desses mandatos revela que a representação do eleitorado de esquerda vem mudando, tornando-se mais diversa e com atenção cada vez maior no legislativo, espaço por excelência para pautar e promulgar leis de interesse coletivo – especialmente em relação aos segmentos historicamente desprivilegiados –, evitar retrocessos e garantir a sustentação de governos comprometidos com as suas pautas.
Longe de defender apenas os interesses dos grupos sociais que representam, esses novos mandatos populares apontam para o enfrentamento e a busca de soluções para os problemas estruturais de seus respectivos estados e do país.
Tâmara Terso é jornalista, pesquisadora amefricana e associada ao Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social; e Iury Batistta é pesquisador, mestre em Estudos Étnicos e Africanos (UFBA) e integrante do coletivo Intervozes.
Essa reportagem foi produzida em parceria com a campanha #QueroMeVerNoPoder , promovida pela Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, e busca enfrentar a subrepresentação nos espaços de poder.