Poder quase sem fôlego
No instante do afastamento do israelense Ariel Sharon, e às vésperas de eleições nos dois países, o cenário político parece desolador para a Palestina e seu primeiro-ministro. Quais os motivos deste impasse e as possibilidades de superá-lo?Hussein Agha, Robert Malley
Ficará registrado na história que Mahmoud Abbas (Abu Mazen) talvez tenha sido a melhor escolha no pior momento. Homem de negociação, quando prevalece o unilateralismo; homem de envergadura nacional, quando desmorona a seus pés o movimento nacional; homem de dimensão internacional, quando os interesses mundiais retrocedem; homem de palavra, numa época em que contam apenas os atos; crédulo inveterado numa paz definitiva, quando tudo ao seu redor se reduz ao provisório. Para Abbas parece não haver qualquer saída. Sua hora talvez já tenha passado, talvez esteja por vir. Mas o período atual mostra-se, para ele, um verdadeiro pesadelo. [1]
Diante disso, o primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, reinava solto. Com seu novo partido, o Kadima, ele fazia mais do que ocupar o centro da mesa do jogo político: ele o dominava. Em sincronia com seu povo, de cuja vontade profunda ele era o porta-voz, mantinha essa mesma relação com a comunidade internacional, cujas reações tem ditado. Tudo girava ao seu redor.
Os planos de Abbas…
Balanço comparativo dos dois movimentos nacionais, palestino e israelense: caos, fragmentação e paralisia de um lado; coerência, coesão e dinamismo do outro. Abbas sonhava, certamente, com um cenário completamente diferente. Contava com o esgotamento palestino e o cansaço israelense, depois de quatro anos de um confronto selvagem. Esperava a vontade internacional para colocar um fim a esse conflito interminável. Da lassitude palestina decorreria uma aspiração para a calma; dessa calma, um relaxamento das restrições israelenses e, acima de tudo, uma pressão popular sobre o Hamas e os outros grupos armados, obrigando-os a respeitar uma trégua. Forçado a se ajustar a uma estratégia eleitoral, o Hamas teria, ao mesmo tempo, obrigado o Fatah a se disciplinar e a Autoridade Palestina a se reformular, a fim de enfrentar a ameaça que o movimento islamita representaria para sua hegemonia política.
Com o fim da violência e o início das reformas institucionais (condições estabelecidas pelo governo dos EUA para voltar a participar do processo), Washington não teria outra escolha senão relançar o processo diplomático e obrigar Israel a fazer mais concessões. Fruto desse ciclo virtuoso, a melhora das condições de vida dos palestinos nos territórios ocupados estabilizaria o cessar-fogo, encorajaria os Estados Unidos a ser mais ativos e obrigaria Israel a agir com mais generosidade. O que deveria abrir caminho, a longo prazo, para a retomada das negociações visando um acordo de paz definitivo.
Sociedade tradicional, dispersa e sob ocupação, a Palestina simplesmente não se adaptou à clareza e à lógica de seu novo dirigente
Durante um breve momento, esse cálculo parecia ter todas as condições para dar certo. Eleito em janeiro de 2005 para a chefia da Autoridade Palestina, Abbas dispunha de um capital político impressionante. No cenário internacional, incluindo Israel, muitos eram os que estavam dispostos a lhe oferecer no mínimo o benefício da dúvida. Entre os palestinos, não havia nenhum adversário sério com condições de enfrentá-lo. Muitos contavam com seu fracasso, mas poucos se arriscariam a contribuir para ele. Seus rivais no seio da direção do Fatah foram obrigados a contemporizar, forçados a se organizar pelas costas do homem que, secretamente, desejavam que perdesse.
O próprio Hamas encontrava motivos para um reajuste. Abalado pelo assassinato de muitos de seus dirigentes, esgotado pela segunda Intifada, Abbas deu-lhe um prazo – e, com a promessa de eleições legislativas rápidas, uma possível inserção no quadro político. Além do mais, o Hamas via em Abbas um homem digno de confiança, ao contrário dos membros da Autoridade Palestina que o rodeavam.
É preciso encontrar uma explicação para o fato de tal cenário não ter se concretizado. Norte-americanos, israelenses e até muitos palestinos não hesitaram em imputar toda a responsabilidade a Abbas – culpado, segundo eles, por ter se mostrado indeciso e sem pulso forte. Para eles, o presidente palestino teria que impor imediatamente a sua vontade, restabelecer a ordem e punir aqueles que se opunham. Os grupos armados – sobretudo aqueles egressos das Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa, filiados ao Fatah – deveriam ter sido disciplinados nos primeiros meses. Se agisse assim, Abbas não apenas teria deixado de perder um tempo precioso, como não teria desperdiçado uma ocasião única. Suas injunções, que teriam sido respeitadas ontem, não o serão mais no futuro.
Abbas tinha um objetivo político (um acordo de paz definitivo) e Sharon outro (um acordo temporário a longo prazo). George W. Bush, aparentemente, não tinha nenhum
…e o choque de realidade
Há muita verdade nessa análise, mas falta-lhe o essencial, que tem a ver com a natureza da sociedade e do campo político palestinos. Sociedade tradicional, dispersa e sob ocupação, que responde essencialmente a modos de funcionamento flexíveis e maleáveis, e a formas de autoridade difusas e não institucionalizadas, resistente a cadeias de comando hierárquicas, ela simplesmente não se adaptou à clareza e à lógica de seu novo dirigente, pouco inclinada a compreender o fundamento de suas ordens ou a se submeter a elas. Foi, no fundo, não uma questão de falta de firmeza ou de determinação, mas de inadequação entre um estilo racional e organizado de um lado e estruturas políticas e sociais insubmissas de outro.
Além disso, os cálculos de Abbas baseavam-se em mal-entendidos e incompreensões que nenhuma dose de autoritarismo teria conseguido remediar. Ele tinha um objetivo político (um acordo de paz definitivo) e Sharon tinha outro (um acordo temporário a longo prazo). O presidente norte-americano George W. Bush, aparentemente, não tinha nenhum. O presidente palestino além disso apostava na opinião pública palestina para conter o Hamas e os outros grupos militantes, no Hamas para conter o Fatah e a Autoridade Palestina, nos compromissos norte-americanos para conter o presidente Bush, e em todos para conter Israel. Em resumo, ele conduzia uma política baseada em seus próprios opositores e que dependia sobretudo da vontade independente dos outros.
Outra divergência que contribui para obstruir qualquer avanço diplomático é a que diz respeito à atitude a ser adotada diante do Hamas. Para Abbas, jamais será uma questão de confronto militar enquanto durar a ocupação israelense. Atacar o Hamas seria correr o risco de uma cisão profunda no seio do movimento nacional e da sociedade, ou mesmo de uma guerra civil, tudo em troca de promessas contidas na “Mapa da estrada” (proposta de paz de Bush) [2], da qual todos os palestinos duvidam, e de garantias pronunciadas por um presidente estadunidense no qual nenhum palestino acredita.
Quando Abbas afirma que irá tratar do problema Hamas, ele quer dizer uma coisa, o presidente Bush entende outra, e o processo diplomático fica paralisado
A questão do Hamas
Abbas visa sobretudo a cooptação do movimento islamita, contando com sua integração no jogo político para incitá-lo a respeitar as leis aprovadas pela instituição parlamentar da qual fariam parte. Progressivamente, encurralado pela opinião pública e preso pelas armadilhas de suas próprias escolhas, o Hamas não teria outra opção senão substituir com uma lógica política sua lógica militar. Nesse meio tempo, o mundo deveria se satisfazer com essa formação híbrida, mistura de partido político, instituição de caridade, instrumento doutrinário e, certamente, organização armada.
Para Bush e Sharon, ao contrário, o confronto entre a Autoridade palestina e o Hamas é inevitável, e quanto mais cedo acontecer melhor. Acreditar em evolução dócil do movimento islâmico seria dar provas de ingenuidade; o exemplo do vizinho Hezbollah, que sempre manteve sua autonomia militar, inclusive após a retirada israelense do sul do Líbano e sua participação no governo libanês, soa como uma advertência. Resultado: quando Abbas afirma que irá tratar do problema Hamas, ele quer dizer uma coisa, o presidente Bush entende outra, e o processo diplomático fica paralisado.
As conseqüências políticas desses mal-entendidos são sérias. Aqueles que apóiam firmemente Mahmoud Abbas ficam freqüentemente desorientados e são cada vez menos numerosos. Em sua roda, alguns detém um peso político, outros lhe são fiéis, mas raros são aqueles que combinam as duas coisas. Incapaz de jogar o jogo político ao estilo de Yasser Arafat, ele não pode, nem quis, cortejar os quadros ou os militantes do Fatah com os quais teria podido contar. Está instalada a desilusão, assim como a dúvida. Os rivais gradualmente erguem a cabeça, sua segurança aumenta, sua liberdade de tom também. Os chefes dos diversos serviços de segurança não hesitam em criticá-lo nas rodas privadas, certos de que suas propostas se tornarão públicas e procuram firmemente dissociar-se da anarquia reinante. Atualmente, seus opositores se observam, acreditando cada qual em suas próprias chances, sem que qualquer um deles esteja em posição de neutralizar seus rivais, e recusando-se todos a coroar um sucessor. É por isso que eles não farão nada para acelerar a queda do presidente, e também não farão nada para ajudá-lo a ter êxito.
Todos em disputa pelo poder, os rivais do presidente não farão nada para acelerar sua queda – e também nada para ajudá-lo a ter êxito
As hipóteses pós-eleições
De qualquer forma, são muitos os rumores acerca dos possíveis cenários para o período que se seguirá às eleições legislativas previstas para o 25 de janeiro. Evoca-se a constituição de um governo de coalizão formado por tecnocratas e pelos responsáveis pelos serviços de segurança, com o apoio de Washington, e tudo o que sirva para marginalizar o presidente.
Pois é pouco provável que as eleições legislativas consigam reverter a situação, fazendo surgir uma liderança coerente ou clareando o cenário. Mesmo supondo-se que os candidatos do Fatah consigam se impor, a vitória será apenas parcial. O partido está muito fragmentado para falar uma só voz e Abbas está sendo muito contestado para que essa voz seja a sua. As primárias que acabam de ocorrer, manchadas pela fraude, pela intimidação e pela violência, ilustram perfeitamente essa situação.
Não se pode dizer que a “nova geração” tenha vencido a “velha guarda”, a base vencido os caciques do comitê central, ou os reformistas vencido os conservadores. Vencedores e perdedores são provenientes de todas as gerações, filiações institucionais e tendências políticas. A única lição discernível é que os combatentes e velhos presos detidos nas prisões israelenses parecem contar com o apoio do eleitorado, mas aí também contam os laços de família, os clãs e os grupos armados predominantes. Diante das fraturas no seio do Fatah e a ausência de um projeto político coerente, as primárias e a lista de candidatos mantidas por Abbas e o comitê central terão contribuído para agravar ainda mais as tensões, em vez de aliviá-las.
Não é de surpreender, nestas condições, a multiplicação de listas de candidatos independentes ou rebeldes, mistura de antigos membros do Fatah e dos que não aderiram, cuja esperança reside essencialmente no distanciamento crescente do movimento nacionalista e de uma apreensão constante em relação ao Hamas. Também não é surpreendente ver a confusão generalizada reinar no seio do Fatah em relação a essa questão.
Do lado do Hamas, o cacife do presidente palestino não é muito mais elevado. O adiamento das eleições previstas para julho de 2005, o não cumprimento de outros compromissos, a anulação das eleições municipais vencidas pelos islamitas de Gaza, e as propostas israelenses que visam obstruir sua participação nas eleições de janeiro, turvaram o quadro. O Hamas conta sempre com sua participação nas eleições, e compôs uma lista que reúne um número impressionante de membros da sociedade civil, muitas sem filiação conhecida em relação ao movimento. Mas a dúvida foi semeada, Abbas e a Autoridade Palestina não gozam mais de confiança e a transição para a participação política será feita doravante de maneira mais hesitante e tímida. O tempo, além disso, permitiu que o Hamas se refizesse, como se pode constatar nas eleições municipais de dezembro último, que viram o movimento islamita assumir uma vantagem sobre o Fatah nas principais cidades da Cisjordânia. À palavra de ordem preconizada por Abbas – “uma só autoridade, uma só lei, um só fuzil” – um outro fato surgiu para rivalizar – “sob a ocupação, nenhuma lei acima da resistência”.
É pouco provável que as eleições legislativas consigam reverter a situação, fazendo surgir uma liderança coerente ou clareando o cenário
Washington assiste a tudo
Neste quadro sombrio reside a esperança de que Abbas conseguirá persuadir israelenses e americanos a entregar-lhe os meios para executar sua política, a melhoria das condições de vida dos palestinos. A retirada de Gaza mal pode ser levada em consideração porque foi obtida antes da eleição de Abbas e imposta unilateralmente. Será necessário muito mais, principalmente através de negociações bilaterais.
Também aí persiste a dúvida. Pois um dos aspectos mais surpreendentes desse período terá sido a quase total incapacidade dos palestinos para obter uma ajuda concreta dos norte-americanos. Parece não haver dúvida de que Bush precisaria de Abbas e da melhoria nas relações entre EUA e palestinos. Trata-se da imagem de Washington nessa região crucial onde a catástrofe iraquiana danificou enormemente a credibilidade da Casa Branca. Trata-se também da estabilidade regional, ameaçada por todos os lados. E, no entanto, os palestinos simplesmente não têm demonstrado que sabem o que fazer com essa vantagem importante. Pelo contrário, eles ofereceram a Bush embelezamento superficial com o qual ele contava, em troca de elogios cheios de admiração (“Abbas é um homem de paz”) sem os quais o presidente palestino teria passado muito bem.
Durante esse tempo, do lado de Israel, é grande a atividade. Sharon dispõe da iniciativa em todas as áreas. No plano interno, tornou-se incontornável, um imã ao redor do qual gira toda a classe política, ponto de convergência de sensibilidades a que tudo se opunha. A desocupação de Gaza e a política que a acompanhou representam a concretização de sentimentos populares até então difusos: vontade de infligir uma forte lição aos palestinos junto com o desejo latente de separar-se deles; desconfiança total em relação aos líderes palestinos combinada com a vontade de não ser mais reféns dessa suspeita.
O Hamas conta com sua participação nas eleições e compôs uma lista que reúne um número impressionante de membros da sociedade civil, muitas sem filiação com o movimento
Sharon, novo Arafat?
Ao optar por uma retirada unilateral de Gaza, mantendo as operações militares agressivas, Sharon mobilizou em torno de si o essencial da opinião pública de seu país. Assim, ameniza-se a defasagem constatada repetidamente entre uma opinião pública que dizia querer um acordo de paz e os dirigentes que pareciam resistir a isso. Durante muito tempo os líderes trabalhistas anunciaram que queriam desmantelar as colônias de povoamento, mas Sharon foi o único a fazer isso.
Paradoxalmente, ele próprio encarna um processo de “arafatização” do mundo político israelense. Dupla vitória sobre seu inimigo jurado – o líder palestino já não existe mais, mas o primeiro-ministro israelense reproduz seu modo de funcionamento político: identificação de um homem e de uma nação, personificação do sentimento coletivo, superação dos partidos políticos, e tradução em seus atos de um consenso nacional tácito. Da mesma maneira que Yasser Arafat antes dele, Sharon transformou-se no centro político de seu país, não por meio de um programa claro – ninguém saberia dizer precisamente onde ele quer chegar – mas pela força de uma personalidade em que todos podem se reconhecer. Ele tem inimigos, com certeza. Mas conseguiu ocupar o cenário político de maneira avassaladora, obrigando cada um a se definir em relação a ele e asfixiando simultaneamente seus adversários. Nisso também, Arafat – que conseguia dissimular as contradições e rivalidades no seio do Fatah e conter o Hamas – era parecido. Na Palestina, o centro se dispersa; em Israel, se consolida.
Sharon também retomou a iniciativa no plano regional e internacional. Com ele, o unilateralismo é sinônimo de movimento, o bilateralismo de status quo. Quem ainda duvida que se a retirada de Gaza tivesse sido negociada, israelenses e palestinos ainda estariam lá, uns reclamando o desarmamento do Hamas, os outros de ações significativas na Cisjordânia? Nessas condições, o mundo aplaude suas medidas unilaterais, os críticos se calam, e todos parecem prestes a se render a ele. Com a desobrigação, a construção do muro de separação [3], a consolidação das colônias de povoamento em toda a Cisjordânia, e a tomada de Jerusalém Oriental, Israel inicia a etapa de definição de suas fronteiras, reforçando seu controle sobre os territórios considerados vitais e se desfazendo daqueles que considera supérfluos. A Autoridade Palestina vê-se obrigada a administrar Gaza, um pedaço de terra superpopulosa, desprovida de recursos, cercada, sem instituições e à beira do caos.
Ao optar por uma retirada unilateral de Gaza, mantendo as operações militares agressivas, Sharon mobilizou em torno de si o essencial da opinião pública de seu país
Estado palestino e intervenção internacional
A reconfiguração do espaço entre os dois países vai mais além e comporta inversões surpreendentes. Para ultrapassá-las, os palestinos reclamavam urgentemente o estabelecimento de um Estado. Ora, atualmente, Israel e os Estados Unidos conversam a respeito, enquanto os Palestinos se inquietam. O fato é que uma questão de direito foi substituída por uma questão de mérito: se o Estado palestino demorar a nascer não será por causa da ocupação israelense… mas por causa da incompetência palestina. Para ter seu Estado, os palestinos deveriam mostrar-se dignos. Isso poderia começar com um meio-Estado sobre as parcelas de territórios livres da presença israelense, como Gaza, onde esse Estado tem uma fronteira provisória que lembra o “Mapa da Estrada” e sobre a qual sem dúvida logo se voltará a falar. Agir como Estado para transformar-se em um, esse é o novo desafio.
O mesmo vale para a intervenção internacional, há pouco exigida pelos palestinos, depois desejada por Israel. Não através de uma intervenção política destinada a regular o conflito, mas por intervenções pontuais, técnicas, concebidas mais para tranqüilizar Israel do que para levá-lo a agir. Daí o papel egípcio nos serviços de segurança de Gaza e a presença de observadores europeus na fronteira entre o Egito e a Faixa de Gaza. Nesses dois casos, trata-se da estabilização da segurança, com as conseqüências previsíveis em relação às exigências feitas à Autoridade Palestina, uma impaciência crescente com os grupos militantes, uma reorientação de Gaza para o Egito às expensas da Cisjordânia e, talvez, uma erosão dessa independência de decisão que tanto têm os palestinos.
No fundo, é toda a paisagem que se transforma, reflexo do dinamismo israelense e da paralisia palestina. Desencantamento com as negociações; ceticismo em relação a um acordo de paz definitivo; novo consenso e unilateralismo israelenses; construção do muro de separação e reforço da presença israelense em Jerusalém Oriental e em grandes regiões da Cisjordânia; fragmentação, desordem e cacofonia do lado palestino; aumento no papel dos grupos armados em territórios ocupados; integração do Hamas no campo político; regionalização da geopolítica palestina centrada no Egito no que diz respeito a Gaza e, talvez, na Jordânia, no que diz respeito à Cisjordânia. Da combinação desses fatores emerge progressivamente um novo ambiente.
Com a construção do muro, a consolidação das colônias de ocupação em toda a Cisjordânia, e a tomada de Jerusalém Oriental, Israel inicia a etapa de definição de suas fronteiras
O cenário em Israel
Se Sharon vencer as eleições israelenses de 28 de março de 2006, esse contexto irá oferecer a ele uma grande margem de manobra. Sua apregoada ambição – a realização de um acordo temporário a longo prazo – parece ir além do que suspeitam os palestinos. No entanto, ele poderá contar com outros cenários independentes da vontade de seus adversários. Invocando o “Mapa da Estrada” e sua exigência de um desmantelamento da infraestrutura terrorista, e na hipótese de um recrudescimento da violência palestina ou de caos generalizado em Gaza, ele estará talvez em condições de suspender totalmente o processo de paz, endurecer seu controle territorial sobre a Cisjordânia, enfraquecendo ao mesmo tempo o movimento nacional palestino e observando sua dissolução. Tudo isso sem se expor à pressão da comunidade internacional, muito ocupada em lamentar as falhas palestinas.
Diversos obstáculos podem opor-se a esta opção. Os palestinos poderiam conduzir-se melhor do que o previsto, os Estados Unidos poderiam exigir negociações, ou os membros da coalizão de que fazem parte ou a opinião pública norte-americana poderiam reclamar uma alteração no status quo. Circunstâncias análogas já o tinham convencido anteriormente do direito a uma concessão antecipada e levado à retirada de Gaza. Neste caso, o mais plausível é que depois de ter “demonstrado” a incapacidade palestina para respeitar o “Mapa da Estrada”, o primeiro-ministro revele um novo plano de retirada unilateral, desta vez em relação ao centro da Cisjordânia. Alguns de seus conselheiros fazem cintilar um cenário ainda mais ambicioso: a retirada de 80 a 90% da Cisjordânia, tendo como contrapartida a anexação de fato de grande blocos de colônias e o estabelecimento de fronteiras duradouras para o Estado de Israel.
A esta altura, é pouco provável que o próprio Sharon saiba qual será sua linha de conduta. Suas ações raramente emanam de planos a longo prazo formulados com antecedência. Pelo contrário, elas são o resultado de uma vida de experiências, de reflexos aprendidos e mil vezes colocados em prática, de convicções que visam a segurança de Israel, disso tudo emanam as decisões das quais ele tem apenas uma vaga consciência no início. Mas a paisagem israelense-palestina que daí surge torna o futuro uma idéia suficientemente clara.
Em suma, Sharon lega respostas e soluções. Abbas herda – muito provavelmente, por um bom tempo – inúmeros pontos de interrogação. Na época de Arafat, a presença do raïs freqüentemente era o que bastava para dar as respostas, pois o que ele fazia exprimia mais ou menos um consenso nacional. Porém, a incerteza e a ambigüidade que há pouco favoreciam a unidade palestina agora a prejudicam. É de clareza que os palestinos agora têm necessidade.
No fundo, é toda a paisagem que se transforma, reflexo do dinamismo israelense e da paralisia palestina
Dúvidas entre os palestinos
A lista de perguntas é longa. A luta armada é compatível com as negociações, são complementos obrigatórios, ou são contraditórias? Entre aqueles que rejeitam a violência, não existe um consenso em relação aos meios alternativos para a resistência ativa. Os acordos de Oslo, assinados em setembro de 1993, decepcionaram, mas na ausência de perspectiva de solução permanente, os palestinos devem decidir se um acordo provisório é melhor que acordo nenhum. As mesmas perguntas se colocam em relação a um Estado com fronteiras provisórias, entendido por alguns como uma etapa necessária para a relegitimação do movimento nacional, e por outros como uma fase que precede sua destruição. O debate sobre a construção de instituições quase estatais junto com a morte de Arafat reavivaram as diferenças a respeito dos papéis da Autoridade Palestina e da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e, por conseguinte, sobre a representação política da diáspora. Também não há acordo sobre a justificativa de uma intervenção internacional capaz ou de reequilibrar a relação de forças com Israel, ou de levar à independência palestina e aumentar as pressões contra a resistência armada.
Encontrar respostas consensuais para essas questões tornou-se uma questão de sobrevivência pois, sem elas, não será possível conseguir a unidade, uma reação coerente ao avanço israelense, e menos ainda uma estratégia planificada. O período que se abre será marcado muito provavelmente por um novo unilateralismo israelense. É a ocasião para que os palestinos se debrucem sobre esses problemas e, através de um amplo debate no interior do Fatah, entre o Fatah, o Hamas e outras formações políticas, e no seio da sociedade civil, sindicatos e universidades, tentar respondê-los.
Certamente, nada disso ajudará Abbas, prisioneiro de uma situação que lhe é fundamentalmente desfavorável. Devido ao seu caráter, sua atitude e seu temperamento político, ele é homem de negociações, de um processo diplomático, e de um acordo de paz definitivo. O unilateralismo desvaloriza seu maior trunfo, sua capacidade de convencer seus partidários e obter deles concessões. No momento oportuno e em outras circunstâncias, ele provavelmente estaria em condições de obter e