Poesias na ilha
Em Era uma vez no Atlântico Norte, última plaquete de Cesare Rodrigues, a poesia é um realismo fantástico.
Em Era uma vez no Atlântico Norte, Cesare Rodrigues abre a plaquete ancorado em Ticiano, pintor renascentista, um ponto de partida para entrar em uma sala extensa, poltrona Le Corbusier ou Arne Jacobsen, pé direito alto e uma parede em cor bordô, dessas de museu, onde está um grande quadro com moldura de influência gótica, pincelado pelo italiano, e que retrata o imponente e nobre Nicolò Zeno, de olhar desbravador. Parece filme. E pode ser mesmo. O autor também nos conta na epígrafe, que a plaquete não seria possível sem o Google e a Wikipedia. E ainda recomenda a verificação de todos os verbetes. Não por ele, o pedido é do próprio Nicolò.
Se Jorge Luis Borges encontrou o Aleph, e “vi no Aleph a Terra, e na Terra outra vez o Aleph e no Aleph a Terra”, Cesare Rodrigues vai para o além-mar com uma câmera na mão e uma poesia na cabeça. Aponta para o oeste, mesmo que esteja embebido de realidade fantástica e de imprevisibilidade. Em mar, imaginário este que tanto faz parte de nós, afinal, temos mais de sete mil quilômetros de litoral e muitas invasões para contar.
“Nossa história começa quando,
pesquisando nos arquivos da família,
Nicolò encontra uma série de cartas
trocadas quase dois séculos antes
por seus famosos antepassados
Carlo, Antonio e um antigo Nicolò,
relatando intrigas, aventuras e descobertas,
cuja publicação
torna nosso protagonista
uma celebridade mundial”.

Era uma vez
Âncora levantada, velas posicionadas e Nicolò parte. É surpreendido por uma tempestade vinda do canal da Mancha. E assim, encalha em Frislândia. É resgatado por Zichmni, o senhor de diversas ilhas da região e levado para a cidade de Porlanda. Depois, convida o seu irmão, Antônio, para se juntar a ele, que chega em 1384, liderando também a tomada de outra ilha, Estilândia. Fracassaram e retornaram. Foram, então, parar em uma cidade populosa, “habitada por seres engenhosos, que cultivavam arte, extraíam metais, semeavam trigo, fermentavam cerveja”.
Estamos em um mundo novo onde é possível visualizar o movimento da cidade, as suas calçadas, arquitetura, o seu dia a dia, as pessoas, as roupas que vestem e como elas falam. Conseguimos ver os copos cheio de cerveja brindando alguma boa notícia. Os inúmeros animais desconhecidos, estes que fazem do livro de Cesare Rodrigues uma obra repleta de imagens, sons e cheiros. E o desbravar inundado por palavras compostas de muita fluidez e semântica, que constroem continentes inteiros, aventuras, retomadas, conquistas e derrotas, redirecionando, até mesmo, uma plaquete, pois há nela muitos mapas e ilhas, as que existem e as que são fantasmas, estes que podem também existir dentro da gente, de nosso país e de nossa história.
Era uma vez no Atlântico Norte percorre a Frislândia, lugar que já foi verdadeiro, mas, hoje, já não se sabe, os marinheiros e os cartógrafos podem explicar melhor, e também o autor, Cesare Rodrigues cria uma poesia que pode ser classificada em gênero “poemas-da-ilha-fantasma”, pois experimenta, corta e recorta, monta um imaginário dentro do Atlântico Norte, dá nó em corda sisal naval com texto que desafia o leitor a pensar na veracidade da mentira ou na sagacidade da verdade, é um Aleph dentro do mar e exposto em uma sala de museu. Terra à vista. Quem foi Carlo, Antonio e um antigo Nicolò? Enter.
Alessandro Araujo é autor de Rabada (2024) e Longe de todas aquelas nuvens (2020). É colaborador dos jornais Rascunho e Le Monde Diplomatique Brasil, da revista Philos e da editora Selvageria. É especialista em Língua Portuguesa e Literatura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.