Por que o SO² virou um vilão do vinho?
Didú Russo
Você já deve ter visto escrito em rótulos de vinho: “Não contém sulfito”. Sulfito, anidrido sulfuroso, SO2, enfim, são todos enxofre. Sua fórmula é composta por dois átomos de oxigênio e um de enxofre, daí o SO2. Por volta de 1600, nos ensina Hugh Johnson em seu livro A história do vinho, tiveram a ideia de jogar um pedaço de enxofre dentro de um tonel de vinho e este durou mais.
No engarrafamento, o SO2 conserva o vinho, principalmente os que viajam. Na fermentação é diferente: ele age sobre as leveduras da uva, eliminando aromas e gostos indesejados, embora naturais.
Se você colocar SO2 no momento em que se inicia a fermentação, ele mata as leveduras e livra o vinhateiro do temor de contaminar seu vinho. Se a quantidade de SO2 acrescentada matar todas as leveduras, você terá matado a personalidade do seu vinho e precisará acrescentar alguma outra levedura de “boa” família. Enólogos sustentam que muito pouca quantidade de SO2 mata apenas as leveduras indesejadas… Eu duvido.
Ora, se você mata suas leveduras e depois acrescenta outra, você perde tipicidade, autenticidade, sotaque. E se você coloca um sotaque de outro lugar, seu vinho pode até ficar bom (a maioria dos vinhos nos mercados é assim), mas não será sincero. Não terá a personalidade local. É como pessoas que mudam a voz ao atender o telefone… Querem parecer o que não são.
Acontece que, se seu vinhedo é limpo, equilibrado, sem doenças e protegido de seus vizinhos que usam pesticidas e toda sorte de químicos, suas leveduras dificilmente terão grandes famílias indesejadas de leveduras “ruins”, ou terão algumas que certamente darão o charme e o diferencial a seu vinho, que será único, inimitável.
Importante saber que a fermentação das uvas já produz naturalmente SO2, chegando muitas vezes a volumes de 50 mg/litro. Na União Europeia, os limites são de 160 mg/litro para vinho tinto (260 mg para os brancos), até 300 mg/litro para vinhos doces e 400 mg/litro para vinhos com Botrytis.
A polêmica é que produtores de vinhos naturais e de biodinâmicos se acusam mutuamente para disputar quem produz o vinho mais autêntico.
Os vinhos naturais não admitem a adição de SO2 em nenhum momento; os biodinâmicos admitem pouquíssima quantidade no engarrafamento – apenas e se possível SO2 natural vulcânico.
Essa discussão não inclui os produtores de vinhos orgânicos, que podem fazer o que quiserem em suas vinícolas, inclusive acrescentar leveduras selecionadas de outro lugar.
No mundo do vinho, só há uma saída, que é conhecer o caráter do produtor, pois para vender vinho num universo de mais de 2 milhões de concorrentes acontece de tudo. O ideal para mim é um vinho natural, de um produtor biodinâmico de verdade.
Recomendação de um vinho brasileiro sem SO2: Domínio Vicari (qualquer um deles), que você encontra na www.saintvinsaint.com.br
Didú Russo é Ex-publicitário entediado com o setor, larguei tudo na década de 1990 para viver de vinho. Degustar, escrever e falar de vinhos virou minha maneira de viver do que antes era apenas um hobby. Ganha-se pouco, degusta-se muito, do bom e do ruim.