Por um Pacto Federativo Municipalista
Nestas últimas décadas, os municípios receberam mais atribuições – como educação e saúde. Mas isso não se traduziu em um aumento de verbas. Temos que organizar as atribuições de cada ente da federação e a forma de atuação conjunta, para o atendimento das necessidades e anseios de nossa população
O Pacto Federativo brasileiro foi construído de cabeça para baixo. Enquanto na Europa nós tivemos primeiramente o surgimento das cidades-Estado, que com o passar do tempo criaram zonas de influência e, após conflitos diversos entre si, acabaram fundindo-se em países; enquanto nos Estados Unidos, como o nome já sugere, houve uma união, sob o manto de uma nação, de regiões autônomas que buscavam aumentar sua força; o Brasil, este gigante, nasceu sob a égide de um poder central. Inicialmente era a Coroa portuguesa, que para facilitar a administração de tão vasto território o dividiu em capitanias hereditárias, base dos atuais Estados. Ao longo dos nossos 500 anos, elas se dividiram em 5.562 municípios brasileiros.
Em função deste histórico, em nosso país o poder político, e principalmente a carga tributária, ficaram centralizados na União. Voltando um pouco no tempo, em 1835 nós tivemos a Revolução Farroupilha, em que o Rio Grande do Sul tentou se separar do Brasil em protesto ao fato de que 50% dos tributos gerados no Estado iam para o governo central. Quase duzentos anos depois, este quadro se agravou: atualmente a União concentra 60% da carga tributária, contra 25% dos estados e 15% dos municípios.
Apesar dessa concentração de recursos nas mãos da União, nas duas últimas décadas, após a Constituição de 1988, nós passamos a viver um processo intenso de descentralização da gestão das políticas públicas. Cada vez mais, o ente público que provê os serviços públicos para a população é o município.
Dois exemplos comprovam isso. O primeiro é na área da saúde: em 1986, os municípios possuíam 43 mil servidores neste campo e apenas as grandes capitais tinham hospitais e outros serviços de atendimento. Nos interior, os postos de saúde eram estaduais ou então pertenciam ao extinto INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social). Mas, atualmente, todos os municípios assumiram a gestão da atenção básica de saúde e alguns prestam também serviços de média e alta complexidade. São 200 mil agentes comunitários contratados pelos municípios e 27 mil equipes de saúde da família, com médicos, enfermeiras e auxiliares de enfermagem, que se somam a dentistas, fisioterapeutas, veterinários, etc., totalizando 832 mil servidores. Enquanto isso, no mesmo período, a União reduziu os seus funcionários nesta área de 250 mil para 108 mil.
O segundo exemplo diz respeito à educação. Em 1997, os municípios possuíam 40% das matrículas do ensino fundamental, única modalidade de ensino obrigatória pela nossa Constituição. Então veio o FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental), que estimulava a inclusão de crianças nesta fase do processo educacional. Em 2007, os municípios já possuíam 60% das matrículas desta etapa, que podemos considerar universalizada, pois 97,5% das crianças entre 7 e 14 anos estão nas escolas. São 30 milhões de crianças. Ou seja, os municípios assumiram 6 milhões de novos alunos, tendo de construir cerca de 200 mil salas de aula e dotá-las de professores, servidores, segurança, merenda escolar etc.
Entretanto, a carga tributária continua nas mãos da União, que auxilia a financiar essas funções assumidas pelos municípios através de 145 programas. Estes transferem recursos para custear uma parte de cada atividade executada pelo município, de forma insuficiente.
Para exemplificar isso vamos citar apenas o Programa Saúde da Família (PSF), em que para sustentar uma equipe com médico, enfermeira e auxiliar, a União repassa cerca de R$ 5,4 mil por mês, enquanto o custo, para o município, da manutenção das condições de trabalho destes funcionários é de pelo menos quatro vezes esse valor. No mérito o programa é brilhante, mas no financiamento faz com que os municípios, que possuem um quarto da arrecadação da União, coloquem três vezes mais recursos.
Assim, antes de providenciarmos as tão necessárias reformas política, tributária, trabalhista e previdenciária, temos que organizar as atribuições de cada ente da federação e a forma de atuação conjunta, para o atendimento das necessidades e anseios de nossa população, realizando o que vou apelidar de Reforma Federativa, para botar o nosso Pacto Federativo em sua posição correta de valorização dos municípios.
*Paulo Ziulkoski é presidente da Confederação Nacional de Municípios.