PPPs, as “privatizações disfarçadas” na África
Em reunião virtual entre ministros e empresários, em 15 de setembro de 2020, o Banco Africano de Desenvolvimento decidiu promover as parcerias público-privadas (PPPs) para relançar as economias castigadas pela crise sanitária. A experiência mostra, no entanto, que, destinadas a atrair capital privado, as PPPs na verdade sobrecarregam o orçamento público
Cada vez mais criticadas no Ocidente, as parcerias público-privadas (PPPs) estão se multiplicando na África. Em 2018, o Banco Mundial identificou 460 em todo o continente. África do Sul, Nigéria e Quênia foram os pioneiros desses contratos, que agora se estendem em direção ao oeste africano: Gana, Costa do Marfim e Senegal.
Elogiadas por sua suposta eficiência, na prática aumentam o déficit público enquanto conferem vantagens exorbitantes às empresas privadas. Com a recessão causada pela pandemia de Covid-19, sua nocividade pode vir à tona. “O vírus afetará muito as PPPs, seus usuários, o setor privado e o setor público por semanas, meses ou anos”,1 alerta David Baxter, da Associação Internacional de Profissionais de PPP (Wappp).
“Essas parcerias são firmadas entre uma empresa privada e um órgão público”, descreve o economista Romain Gelin, membro do Grupo de Pesquisa por uma Estratégia Econômica Alternativa (Gresea). “Consistem em distribuir recursos, riscos, responsabilidades e benefícios entre esses dois atores e, em tese, reduzir a restrição orçamentária do Estado”, completa. Muitas vezes, assumem a forma de contratos de construção, manutenção e operação de equipamentos públicos (estradas, hospitais, aeroportos, centrais elétricas, ferrovias etc.) com duração de vinte a trinta anos. O usuário público paga o aluguel no ato do recebimento da obra e durante a concessão, ao fim da qual ele recupera a propriedade do bem em questão.
As instituições financeiras internacionais (IFIs) – principais financiadoras – e as organizações regionais tornaram as PPPs o motor do crescimento africano, em particular para atingir rapidamente os “objetivos de desenvolvimento sustentável” definidos pelas Nações Unidas. “Nos últimos quinze anos, os fundos de desenvolvimento têm sido usados para incentivar o setor privado a investir em países mais pobres. Em vez de ajudá-los diretamente a criar serviços públicos ou a arrecadar impostos de empresas multinacionais que já trabalham lá, a ideia tem sido usar recursos públicos para tornar o ambiente ‘mais propício’ aos investimentos de capital privado. As parcerias público-privadas cresceram rapidamente, realizando o que fazem de melhor: transformar as necessidades públicas em fontes de renda de longo prazo para seus financiadores”,2 explica Nick Dearden, chefe da rede Global Justice Now. Assim, o Banco Mundial e seu braço armado para o desenvolvimento do setor privado nos países do Sul, a Corporação Financeira Internacional (IFC), estão fazendo campanha por PPPs junto aos governos africanos e investidores privados, com o apoio de algumas agências da ONU e da União Europeia.
Os resultados desses contratos no Velho Continente, onde foram inventados no início da década de 1990, reclamam, entretanto, um exame cauteloso. Em 2018, um relatório especial do Tribunal de Contas da União Europeia realizado sobre doze PPPs ofereceu uma análise severa: “A maioria dos projetos auditados sofreu atrasos de construção consideráveis e estourou significativamente os custos previstos”.3
Contratos negociados às pressas
Apesar dessas advertências, as PPPs prosperam na África com base na visão neoliberal de que Estados são necessariamente burocráticos e possuem gestões ineficientes, devendo confiar grandes projetos ao setor privado e fornecer financiamento garantido de longo prazo para que isso se concretize. “Enfeitadas como ‘ajuda ao desenvolvimento’, ‘adaptação às mudanças climáticas’ ou ainda ‘incentivo à quarta revolução industrial’, as PPPs justificam uma nova onda de privatizações”, analisa o socialista sul-africano Trevor Ngwane, cofundador, durante a década de 2000, do Fórum Antiprivatização, uma coligação de associações que se opunham ao desmantelamento do setor público de água e eletricidade sob a presidência de Thabo Mbeki. Segundo ele, apesar da retórica, essas políticas ignoram a satisfação das necessidades das populações. Em 2017, Jim Yong Kim, então presidente do Banco Mundial, vendeu o peixe da seguinte forma: “Uma das coisas que gostaríamos de fazer, por exemplo, é encontrar um caminho para que um fundo de pensão no Reino Unido invista na construção de estradas em Dar-es-Salam, para obter um retorno razoável sobre esse investimento e contribuir muito para o processo local”.4
Apresentadas como parcerias entre atores iguais, as PPPs são, na verdade, o resultado de brutais lutas de poder muito desfavoráveis aos Estados africanos, que se sentam à mesa de negociações enfraquecidos pela dívida e incapazes de produzir uma experiência que se contraponha ao discurso dos grandes escritórios de advocacia a serviço das multinacionais. “Os governos africanos carecem de competências técnicas e jurídicas para que essas parcerias sirvam às suas finanças públicas”, explica Philip Alston, que até o início deste ano era o relator especial para pobreza extrema e direitos humanos das Nações Unidas. Dois anos antes, ele se inquietava com o “tsunami” de privatizações que as PPPs gerariam.5 Esse ponto de vista era partilhado pelo advogado senegalês Aliou Saware: “Quando o setor privado, muitas vezes uma multinacional, prepara o contrato com um Estado africano, já está um passo à frente. Na verdade, o setor privado nunca pode perder”.
As autoridades públicas se endividam profundamente ao longo de várias décadas, enquanto os contratos fornecem todos os tipos de brecha para os parceiros privados, se necessário, fugirem às suas obrigações. Muitas dessas PPPs são de fato “contratos secos”, assinados sem cláusula de renegociação, e montados às pressas para cumprir os objetivos de curto prazo das promessas eleitorais. Podem incluir todos os tipos de encargo para os governos, dependendo das circunstâncias, como o pagamento de compensação por uma queda na taxa de câmbio ou uma queda acentuada nos lucros. O projeto de gás offshore Sankofa, uma PPP apoiada pelo Banco Mundial em Gana, tornou-se uma bomba-relógio para Acra. De acordo com uma cláusula baseada no mecanismo take or pay (literalmente, “pegar ou pagar”), o Estado é obrigado a recomprar 90% da produção, podendo ou não utilizá-la. A demanda interna, contudo, mostrou-se muito fraca, enquanto a construção da infraestrutura associada, necessária para a extração de combustível, estava atrasada. Como resultado, em 2019 Gana pagou US$ 250 milhões pelo gás não utilizado.
Inaugurada em 2016 com grande alarde pelo presidente senegalês, Macky Sall, a “Rodovia do Futuro”, que liga o novo aeroporto internacional de Blaise-Diagne à capital, Dacar, primeira via com pedágios aberta na África ocidental, é um caso emblemático de arranjo desfavorável ao governo contratante. A concepção, construção e gestão foram confiadas à Senac SA, subsidiária local do grupo francês Eiffage, no âmbito de uma PPP apoiada pela IFC: “A Senac investiu 70 bilhões de francos CFA (R$ 700 milhões), e o Estado senegalês, três vezes mais. Ao final da concessão, daqui a trinta anos, a Senac terá ganho quase 300 bilhões de francos CFA (R$ 3 bilhões). O Estado senegalês, por outro lado, embolsará apenas o IVA e terá de reembolsar a dívida contraída junto aos doadores das agências de desenvolvimento, ou seja, mais de 200 bilhões de francos CFA (R$ 2 bilhões) até 2059”, sublinha Saware.
Todos os setores com alta rentabilidade são afetados, seja energia, redes de telefonia móvel e cabos de internet de alta velocidade, seja estradas, portos, ferrovias ou aeroportos. Mas a IFC também recomenda o uso de PPPs no campo social, por exemplo, para a construção ou reforma de hospitais, a fabricação e distribuição de medicamentos. “Ao contrário da crença popular, essa nova fronteira na saúde não é um território de risco para os investidores”, explica, de Londres, Anna Marriott, consultora de políticas de saúde da sede britânica da Oxfam. “Os países mais desiguais do continente, como Quênia, Nigéria, África do Sul, também têm uma minoria urbana – a classe média alta – disposta a pagar por cuidados de saúde de qualidade”, explica.
Os primeiros estudos mostram, entretanto, que as PPPs concluídas no setor da saúde estão se revelando tão perigosas para os Estados como as outras. Em Uganda, por exemplo, a construção e gestão do hospital de Lubowa, nos arredores de Kampala, foram objeto de uma PPP não competitiva concedida a um consórcio ítalo-ugandense. O custo da obra acaba de se revelar US$ 130 milhões mais alto para os cofres públicos do que os US$ 250 milhões prometidos na assinatura do contrato.6 No Lesoto, o Queen Mahomato Memorial Hospital – único especializado do país e construído, financiado e operado desde 2011 por uma PPP – deveria, segundo a IFC, custar três vezes menos do que a instalação substituída. Três anos após sua inauguração, em 2014, a unidade de 425 leitos engolfou 51% do orçamento nacional de saúde para cobrir a explosão de seus custos operacionais e empréstimos. Embora se mostrasse muito lucrativo (25% do lucro) para os parceiros privados do consórcio Tsepong Ltd, liderado pelo gigante sul-africano da saúde Netcare, o hospital estava onerando o país para atender às necessidades de saúde de populações rurais. Hoje, o Queen Mahomato Memorial Hospital consome apenas um terço do orçamento nacional de saúde. Mas esse valor triplicou desde 2014.
A Netcare, que terá investido apenas 4% do valor total do projeto, é acusada pelos demais sócios minoritários privados do consórcio de ter desviado parte das receitas geradas pelo hospital em benefício próprio. Engajada em um impasse jurídico com o Lesoto e doadores, a operadora sul-africana ameaça: se o hospital falir, o reino montanhoso poderá enfrentar uma crise de dívida soberana. Na África, as PPPs correm o risco de se transformar em armas fiscais à medida que uma nova crise da dívida se aproxima.7
“Problemas, problemas, problemas”
“Certamente podemos criticar a forma como os países gerem seus negócios, mas são de fato as causas externas que obrigam os Estados africanos a continuar cumprindo o ditame das instituições de Bretton Woods”, sintetiza Romain Gelin, do Gresea. Entre essas principais razões exógenas, estão os fluxos financeiros ilícitos e os paraísos fiscais. Embora em 2018 o continente tenha recebido US$ 29,7 bilhões da Assistência Oficial ao Desenvolvimento (AOD), ele perdeu simultaneamente mais de US$ 50 bilhões em fluxos financeiros ilícitos.8 A dívida pública do continente era de US$ 350 bilhões antes da irrupção do coronavírus.
Assim como no início dos anos 2000, as iniciativas a favor da redução ou anulação das dívidas africanas voltam a pairar no ar sob a bandeira das agências financeiras internacionais e suas “condicionantes” neoliberais. Mas, quarenta anos depois, as greves e manifestações marcadas pela oposição aos planos de ajuste estrutural desapareceram, e as PPPs, apelidadas por alguns de “problemas, problemas, problemas”, mobilizam menos nas ruas. Em Dacar, Saware (que denuncia o escândalo da “Rodovia do Futuro”) convida a “parar e fazer um diagnóstico global para determinar não apenas se o que tem sido feito no campo das PPPs é lucrativo, mas se também contribui para o desenvolvimento sustentável e para as gerações futuras”.
*Jean-Christophe Servant é jornalista.
1 “How will coronavirus affect public-private partnerships?” [Como o coronavírus afetará as parcerias público-privadas?], Blog do Banco Mundial, 10 mar. 2020. Disponível em: https://blogs.worldbank.org.
2 “The free market will only deepen the coronavirus crisis” [O livre mercado só vai aprofundar a crise do coronavírus], Al Jazeera, 8 abr. 2020. Disponível em: www.aljazeera.com.
3 “Les partenariats public-privé dans l’Union européenne: de multiples insuffisances et des avantages limites” [Parcerias público-privadas na União Europeia: deficiências múltiplas e benefícios limitados], Relatório especial n.9, Tribunal de Contas Europeu, Luxemburgo, 2018.
4 Discurso de 11 de abril de 2017. Disponível em: www.worldbank.org.
5 “UN poverty expert warns against tsunami of unchecked privatisation” [Especialista em pobreza da ONU adverte contra tsunami de privatização desenfreada], Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos, 19 out. 2018. Disponível em: www.ohchr.org.
6 “Fears raised about cost of PPP hospital in Uganda” [Surgem receios em relação ao custo de PPP para construção de hospital em Uganda], Campanha do Jubileu da Dívida, 8 jul. 2019. Disponível em: https://jubileedebt.org.uk.
7 Ler Ndongo Samba Sylla, “En Afrique, la promesse de l’émergence reste un mirage” [Na África, a promessa de emergência permanece uma miragem], Le Monde Diplomatique, jun. 2020.
8 Cf. Romain Gelin, “Qui finance les infrastructures en Afrique” [Quem financia infraestrutura na África], Comitê pelo Cancelamento de Dívida Ilegítima, Bruxelas, 9 nov. 2018. Disponível em: www.cadtm.org.