Presos em greve nos Estados Unidos
Este texto foi publicado pela primeira vez em francês em 4 de setembro de 2018, em La Vie des Idées, e republicado em inglês em 15 de outubro, em Books & Ideas. Vem a público agora em português pela tradução de Roberta Olivato Canheo, Alexandre Nogueira Martins, Carolina Soares Nunes Pereira e Rafael Godoi.
De 21 de agosto a 9 de setembro de 2018, os presos dos Estados Unidos foram convocados a participar de uma greve nacional por diversos meios de ação, como paralisações trabalhistas, protestos e, principalmente, greves de fome. A escolha dessas duas datas é significativa: em 21 de agosto rememora-se o assassinato de George Jackson, importante figura do Partido dos Panteras Negras, ocorrido na prisão em 1971; 9 de setembro remete a outro evento importante de 1971 que marca a história dos movimentos de presos e afro-americanos: a rebelião e o massacre perpetrado pelo Estado na prisão de Attica1.
A greve anterior, de 9 de setembro de 2016, envolveu pouco mais de 1% dos presos. O número pode parecer insignificante. No entanto, com mais de 24.000 adesões, esse foi o maior movimento de presos da história dos Estados Unidos. A greve de 2018 deve ter sido, sem dúvidas, de magnitude pelo menos equivalente. Embora seja apenas parte de uma dinâmica mais ampla de mobilização de presos, a greve não é apenas notável por sua escala, mas também por suas demandas: essas demandas estão relacionadas às condições e à natureza do trabalho prisional e questionam radicalmente a organização atual do sistema prisional. A greve também revela o crescente uso da estratégia de sindicalização nos movimentos contemporâneos de presos. Com efeito, esta greve e a anterior foram convocadas por associações de presos (o Movimento Alabama Livre em 2016, os A Voz dos Advogados de Prisão [Jailhouse Lawyers Speak] em 2018) e são apoiadas e coordenadas por um sindicato de presos, o Comitê de Organização dos Trabalhadores Presos [Incarcerated Workers Organizing Committee – IWOC], uma seção da Internacional dos Trabalhadores do Mundo [International Workers of the World – IWW], sindicato revolucionário criado em 2014.
Esta greve ecoa a rica história internacional do recurso à estratégia sindical pelos movimentos de presos. O uso dessa estratégia, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, foi particularmente notável no contexto das revoltas prisionais dos anos 1970 e 1980 (ver, por exemplo, Huff, 1975). Não obstante, no início do século XX, o IWW já havia sindicalizado trabalhadores encarcerados. Na verdade, o IWW se destaca do restante do movimento operário, que frequentemente excluía os trabalhadores encarcerados com base em análises marxistas que indicavam o caráter potencialmente contra-revolucionário do “lumpemproletariado”. No entanto, lutas em torno do trabalho na prisão e o uso da auto-organização não são incomuns na história dos movimentos de presos. Uma abordagem sócio-histórica e comparativa permite questionar o atual ressurgimento da estratégia sindical à luz de questões políticas, legais e institucionais que moldaram sua história. Também permite examinar as dificuldades e os dilemas enfrentados por essas organizações, bem como suas relações com a instituição carcerária e o restante dos movimentos de presos.
Os sindicatos de presos são uma novidade?
Em novembro de 1970, após uma greve de 19 dias, presos de Folsom (Califórnia), criaram a Sindicato dos Presos (Prisioners Union – PU), um dos primeiros dos Estados Unidos (Irwin, 1980). Alguns meses depois (durante o verão que precedeu a rebelião e o massacre), os presos da Frente de Libertação de Attica (Attica Liberation Front) exigiram o direito de formar ou aderir a um sindicato. Fundado em 1973, o Sindicato dos Trabalhadores Presos da Carolina do Norte (North Caroline Prisioners’ Labor Union – NCPLU) cresceu rapidamente. Este é provavelmente o sindicato de presos mais reconhecido, particularmente porque seu nome está associado a uma famosa decisão da Suprema Corte (ver abaixo). Um ano após a sua fundação, já contava com 2.000 membros em 40 unidades prisionais. Durante a década de 1970, dezenas e dezenas de sindicatos de presos foram criados nos Estados Unidos e os movimentos de presos se apoiavam amplamente na estratégia sindical, como testemunham diversos jornais.
Na Europa, inúmeros sindicatos também surgiram na década de 1970: a Preservação dos Direitos dos Prisioneiros (Preservation of the Rights of Prisoners) no Reino Unido (Fitzgerald, 1977, 136-197), a Sindicato dos Presos (Prisioners Union) na Irlanda do Norte (Behan, 2017), a Organização Central dos Presos Unidos (United Prisioners’ Central Organization) na Suécia, o Sindicato dos Prisioneiros (Prisioners’ Trade Union) na Noruega e o Sindicato dos Trabalhadores Presos (Prisioners’ Labor Union) na Dinamarca [1].
Na França, o direito de associação de pessoas presas foi mencionado na plataforma política do Comitê de Ação dos Presos (Comité d’Action des Prisonniers – CAP) e foi discutido em 1973 em seu jornal, um ano após sua fundação. Porém, a estratégia sindical não atraiu o interesse dos movimentos de presos e a criação na França do primeiro sindicato de presos só se dá uma década mais tarde que nos demais países ocidentais: a Associação Sindical de Prisioneiros da França (Association Syndicale des Prisonniers de France – ASPF) [2] foi fundada em 1985 por presos da cadeia de Fleury-Mérogis (um subúrbio de Paris). Foi liderada por um “presidente interno”, Jacques Gambier, e um “presidente de fora”, Jacques Lesage de La Haye, com o apoio da Federação Anarquista (Fédération Anarchiste). Esta associação agrupará, em seu auge, mais de 300 afiliados.
Os sindicatos de presos nos anos 1970 surgiram na esteira de poderosos movimentos de presos, como se manifestavam em numerosas rebeliões. Esses movimentos surgiram em um contexto político tumultuado, que passava pela ascensão dos movimentos de libertação dos negros, especialmente o Partido dos Panteras Negras (Diamond, 2016). Enquanto isso, a esquerda radical experimentava forte repressão e também se via forçada a tomar uma posição sobre o sistema prisional. No entanto, as posições políticas dos sindicatos de presos eram diversas: alguns eram fundamentalmente reformistas e se esforçavam para se distanciar do uso da violência nas mobilizações, outros eram revolucionários e defendiam a abolição da prisão (por exemplo, a ASPF). Não obstante, o recurso à forma sindical está fortemente alinhado a várias práticas políticas e formas de auto-organização. No que se refere à auto-organização, a seção de presos de Walpole (Massachusetts) da Associação Nacional de Presos pela Reforma (National Prisoners Reform Association) foi colocada à prova em 1973, quando geriu a prisão por vários meses (ver Bissionette, 2008).
Os sindicatos de presos e as batalhas legais
Todos os sindicatos de presos criados nos anos 1970 sofreram repressão, seja formalmente (censura de correspondências, etc.) ou informalmente (transferências disciplinares de presos de uma instituição a outra, etc.). Devido à repressão, muitos sindicatos de presos adotaram uma estrutura com dupla liderança, com uma liderança “de fora” que seria capaz de substituir a liderança “interna” (dos presos) quando esta estivesse impedida. Além disso, os sindicatos de presos enfrentaram incerteza legal em relação a seu status: o direito de se associar e de se sindicalizar não é reconhecido para os presos nos Estados Unidos, nem na França. Esta situação os leva, muito naturalmente, a se engajar em batalhas legais.
Por exemplo, na França, as lutas da ASPF tiveram como foco o trabalho prisional e as condições de detenção, mas a associação direcionou a maior parte das suas atividades para o reconhecimento do direito de associação dos presos. O movimento herda do CAP a análise estratégica desta questão, dado que a existência de uma organização de presos foi concebida como uma condição para garantir os ganhos das lutas dos prisioneiros e escapar do ciclo de “motim-repressão”. A ASPF foi, portanto, concebida como uma ferramenta para os presos obterem o direito de associação. A Comissão de Estudo sobre o Direito Fundamental de Associação (Commission d’Étude sur le Droit Fondamental d’Association), formada em apoio à ASPF e presidida pelo ex-juiz Étienne Bloch, dedicava-se a esta questão. A possibilidade da ASPF se engajar em batalhas legais, no entanto, enfrentava obstáculos maiores: só em 1995, dez anos depois de sua criação, que os presos foram realmente autorizados a apresentar queixas contra as decisões administrativas que lhes afetavam, e que se desenvolveram usos militantes do direito (Lochak, 2016).
A situação dos sindicatos de presos é bem diferente nos Estados Unidos, dado que seu desenvolvimento coincide com o sucesso deste tipo de ação judicial nas cortes. Este período foi inaugurado com a decisão da Suprema Corte no caso Procunier vs. Martinez, em 1974, que anulou a doutrina antecedente conhecida como “hands off” (literalmente “Sem as mãos!”) de não interferência dos Tribunais nas questões penitenciárias. Muitos sindicatos de presos então aproveitaram a oportunidade para apresentarem queixas, inclusive contra a censura de correspondências. No entanto, em 1977, no caso Jones vs Sindicato dos Presos da Carolina do Norte (North Carolina Prisoner’s Labor Union), a decisão da Suprema Corte excluiu o direito de se criar ou de formar um sindicato das proteções que os presos tinham em virtude da Primeira Emenda da Constituição. Esta decisão travou as batalhas jurídicas dos sindicatos de presos.
Muitos sindicatos de presos, nos Estados Unidos e em outros países, nunca foram além do estágio organizacional e poucos foram além de alguns poucos anos de existência – a organização australiana Ação Justiça (Justice Action) sendo, a este respeito, uma exceção. A breve existência da maioria dos sindicatos de presos pode ser explicada pela intensidade de controvérsias jurídicas ou políticas que marcaram a sua história. Nos Estados Unidos, muitos deles, incluindo a NCPLU, estão ou perdendo fôlego ou desaparecendo logo após a derrota de sua estratégia jurídica (ver Tibbs, 2012) na qual havia sido alocada uma porção significativa de seus recursos humanos, materiais e logísticos. Os outros sindicatos raramente escapam às controvérsias políticas acerca da estratégia de sindicalização que frequentemente emergem nos movimentos de presos dos quais eles se originam. Este tipo de controvérsia, combinada com o fardo da censura administrativa, é o que acabou com a ASPF em menos de dois anos. Questões similares geraram a divisão da PU californiana em 1973, que resultou em duas organizações, uma reformista, o Sindicato dos Presos (Prisioners’ Union), e a outra radical, o Sindicato dos Presos Unidos (United Prisioners Union), próxima aos movimentos radicais da Califórnia (Cummins, 1994)2.

A estratégia sindical: correndo o risco da participação?
Sindicatos de presos ecoam de muitas maneiras as “mobilizações improváveis” de grupos sociais marginalizados (ver, por exemplo, Mathieu, 1999). Essas similaridades, que nos levam a descrevê-los como “organizações improváveis”, resultam de uma identidade coletiva socialmente estigmatizada, neste caso, a de “presos”. Os modos pelos quais os sindicatos de presos analisam o sistema carcerário permitem que eles se distanciem do estigma associado ao status de presos. Por exemplo, nos Estados Unidos, eles podem usar as expressões “convict class” e “convict race” (classe/raça de condenados) que sugerem a existência de interesses comuns aos presos para além das diferenças raciais em particular. Na França, os debates internos ao CAP e as políticas da ASPF mostram a vontade de inscrever as lutas dos presos no quadro mais amplo do trabalhismo. No entanto, esta posição tem sido amplamente criticada pelos demais movimentos de presos e por organizações abolicionistas e não tem se materializado em qualquer tipo de aliança com sindicatos operários.
A escolha da estratégia sindical frequentemente leva as organizações a se distanciarem do restante dos movimentos de presos devido à busca por legitimidade (dentro e fora do campo prisional) inerente a esta estratégia. Esta dinâmica acelerou o desaparecimento do ASPF, e também contribuiu para o duradouro declínio da estratégia de sindicalização das lutas de presos na França (ver Soulié, 1995). Mais amplamente, nos Estados Unidos, assim como no Norte da Europa, os sindicatos de presos dificilmente escapam ao dilema “respeitabilidade” versus “radicalismo”. De fato, os sindicatos têm renunciado à ideia de um conflito de interesses entre presos e administração prisional (Mathiesen, 2015) a fim de serem reconhecidos pela administração como interlocutores legítimos. As negociações bilaterais com a administração prisional consequentemente tendem a atenuar o radicalismo de suas posições e sua capacidade de mobilizar os presos, mas também de construir alianças com organizações externas.
Esta dinâmica que afasta os sindicatos de presos de suas bases (os presos) tem chamado a atenção das administrações prisionais. Na França (ver Charbit, 2018) assim como nos Estados Unidos (ver Tibbs, 2012), a escala e a intensidade das mobilizações de presos têm levado administrações prisionais a implementarem diálogos institucionais regulares entre eles e os representantes dos presos (selecionados ou eleitos), inclusive no formato de comitês de presos (ver Bishop, 2016). Estes programas reformistas têm sido utilizados estrategicamente para desacelerar ou impedir o desenvolvimento de organizações de presos, particularmente de sindicatos de presos, ao oferecer-lhes uma alternativa oficial (ver, por exemplo, Goldsmith Kasinsky, 1977). Os casos de ASPF e NCPLU são exemplares: a primeira foi parcialmente desmantelada pela generalização de associações socioculturais nos anos 1980 e o segundo pelo estabelecimento de um Conselho de Reclamações Internas, projetado por David L. Jones, secretário do Departamento Penitenciário da Carolina do Norte, que explicitamente queria sabotar a sindicalização de presos (Tibbs, 2012).
“Nós somos a classe dos condenados”
O slogan dos prisioneiros de Folsom ilustra uma análise estratégica empregada regularmente pelo movimento dos prisioneiros nos Estados Unidos: para ser eficaz, a mobilização deve atacar os interesses econômicos do sistema prisional. Esta análise está em consonância com o conceito de “complexo industrial prisional” (PIC) proposto por Angela Davis (2003) e pela Resistência Crítica, a maior organização abolicionista penal dos Estados Unidos. A denominação PIC remete ao “complexo industrial militar”, que realçou as poderosas ligações entre a indústria da defesa e os poderes militares e políticos. A análise do complexo penitenciário-industrial indica que esse se desenvolveu no contexto pós Guerra Fria e que acompanhou o desenvolvimento do “complexo industrial sem fins lucrativos” (Incite! Women of Color Against Violence, 2007).
O “complexo industrial prisional” inclui o trabalho dentro da prisão e a grande força de trabalho (estimada em torno de 900.000 pessoas) que encontra-se disponível para as próprias administrações prisionais, empresas privadas, mas também poderes públicos (por exemplo, do estado da Califórnia no combate a incêndios). Além dos salários extremamente baixos que são pagos aos prisioneiros (geralmente menos de um dólar por dia), eles muitas vezes trabalham em condições degradantes – sem comparação com o trabalho penitenciário francês, também escandaloso de muitas maneiras, como destacado por um editorial publicado recentemente por acadêmicos.
Na França, a crítica ao trabalho prisional enfoca as condições de trabalho, a remuneração e as exceções ao Direito do Trabalho (ver Guilbaud, 2012). Nos Estados Unidos, esta crítica vai de mãos dadas com o reconhecimento da continuidade histórica da prisão com a escravidão. Esta tese, desenvolvida no campo acadêmico, tendo como expoentes, Angela Davis (2003, 22-39), Douglass A. Blackmon (2008) e Ruth Wilson Gilmore (2007), enfatiza, em particular, que o trabalho na prisão é uma exceção à proibição da escravidão contida na 13ª emenda da Constituição3.
De fato, entre as décadas de 1860 e 1950, os estados do Sul dos Estados Unidos recorreram massivamente aos “chain gangs”, isto é, trabalhos forçados realizados por prisioneiro acorrentados, majoritariamente afro americanos. As chain gangs foram usadas em particular na construção de equipamentos públicos, como estradas e pontes, mas a força de trabalho dos prisioneiros também foi alugada a empresas privadas (ver Blackmon, 2008).
A análise do trabalho prisional contemporâneo em termos de “escravidão” também se baseia na sobrerrepresentação das minorias étnicas, especialmente dos afro-americanos, que estão encarcerados nas prisões dos EUA. Além disso, Michelle Alexander (2010) argumenta que “o encarceramento em massa é, metaforicamente, o novo Jim Crow”. No entanto, tais análises tendem a suscitar controvérsia: [3] são amplamente criticados por aqueles que discordam da consideração da raça sobre as considerações de classe e que analisam o encarceramento em massa dentro de um movimento mais amplo, originado na década de 1970, e que promove a cultura punitiva.
As análises da continuidade entre a escravidão e o sistema prisional não se limitam ao campo acadêmico, como mostra o sucesso do documentário A 13ª Emenda (2016), da diretora Ava DuVernay, sobre o trabalho prisional e a 13ª emenda à Constituição. O tema da escravidão é proeminente nas mobilizações atuais. Outro exemplo: a principal demanda da mobilização de 19 de agosto de 2017 em Washington DC e em uma quinzena de outras cidades (“Marcha dos Milhões pelos Direitos Humanos dos Encarcerados”) foi a abolição da “escravidão legal”. Por causa de suas implicações econômicas e políticas, o trabalho prisional nos Estados Unidos hoje é uma alavanca radical para o movimento dos presos, mas também mais amplamente para movimentos abolicionistas, num contexto de falta de reconhecimento do direito dos encarcerados se organizarem (Fink, 2016).
Conclusão
Se a estratégia sindical conheceu, no seio dos movimentos de presos, um eclipse a partir do fim dos anos 1980, a atual estruturação, nos Estados Unidos, de movimentos em torno de sindicatos e de organizações de presos já não é um caso isolado. Nos últimos anos, a criação de sindicatos de encarcerados tem sido relatada no Canadá, na Alemanha e no Reino Unido (a Associação de Presos). Alguns sindicatos de presos estão agora formalmente estabelecidos, como a Gefangenengewerkschaft/Bundesweite Organization (GG/BO), criada em maio de 2014 na Alemanha, a Associação de Reabilitação de Presos Búlgaros (Bulgarian Prisioners’ Rehabilitation Association – BPRA), fundada em 2016 na Bulgária, uma seção da IWOC criada no Reino Unido em 2016 e o Sindicato para a Proteção e Respeito aos Encarcerados (Syndicat pour la protection et le respect des prisonniers), criado na França no início de 2018 em resposta ao movimento de agentes prisionais. Na Argentina, o Sindicato Unificado dos Trabalhadores Privados de Liberdade de Movimento (Sindicato Único de Trabajadores Privados de Libertad Ambulatoria), fundado em 2012, conseguiu ser reconhecido pelas autoridades prisionais e se filiar a um sindicato “externo” — um verdadeiro triunfo considerando as dificuldades enfrentadas pelos sindicatos de presos na década de 1970.
A análise sociohistórica dos sindicatos de presos mostra que muitas vezes eles sofreram com as controvérsias políticas e jurídicas que eles mesmos levantaram, e com seus próprios dilemas táticos. Isso nos obriga a ter um olhar crítico no que se refere à promoção da representação dos presos e à negociação coletiva na gestão prisional. Por exemplo, essa política é promovida pelas Regras Penitenciárias Europeias de 2006 e pela Lei Penitenciária de 2009 na França, e a administração prisional francesa está obviamente interessada no “direito coletivo de expressão de indivíduos encarcerados” (como no título do relatório de Cécile Brunet-Ludet, 2009).
Analisar o surgimento e o desenvolvimento dos sindicatos de encarcerados nos Estados Unidos é particularmente interessante porque este país é conhecido pela sua pobre tradição sindical e porque o contexto político contemporâneo não é considerado favorável aos sindicatos trabalhistas. Esta greve, potencialmente a mais importante confrontada pelo sistema prisional estadunidense, ataca o coração do sistema prisional através do seu foco no trabalho carcerário. Além disso, revigora a estratégia sindical dos encarcerados e gera interesse na forma como se relaciona (ou não) com políticas abolicionistas penais (Kilgore, 2013). A história dos sindicatos de presos mostra que sua principal fraqueza é muitas vezes a falta de apoio externo. No entanto, a greve atual dos prisioneiros nos Estados Unidos não sofre desta fraqueza: muitas organizações apoiam o movimento e uma ampla campanha (boicotes, manifestações, campanhas via celular, etc.) está sendo encampada fora das prisões.
Joël Charbit é doutor em Sociologia pela Universidade de Lille 1. Gwenola Ricordeau é professora do Departamento de Ciência Política e Justiça Criminal da Universidade Estadual da California, em Chico.
Notas
[1] Sobre os sindicatos de presos na Escandinávia, ver Mathiesen, 2015, 77, 214.
[2] Sobre os sindicatos de presos na Escandinávia, ver Mathiesen, 2015, 77, 214.
[3] Como exemplo, ver as respectivas publicações de Roger Lancaster e Dan Berger, Mariame Kaba e David Stein.
Referências
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