Profissão: deputado
Adeptos do acúmulo de mandatos e da contratação de aliados como assistentes, os parlamentares franceses simbolizam a “casta” de políticos profissionais que Emmanuel Macron promete renovar. Mas em que consiste essa profissionalização? Traçando as trajetórias dos deputados desde os anos 1970, uma investigação esclarece a questão
Em 2013, uma deputada socialista da Gironda acusou alguns de seus jovens colegas de estarem desligados da “vida real” porque sempre teriam vivido apenas no “túnel da política”.1 Mais recentemente, em maio de 2016, um puro produto da elite francesa chamado Emmanuel Macron declarou: “Não faço parte dessa casta política e me felicito por isso. Nossos concidadãos estão cansados dessa casta” (SudOuest.fr, 9 maio 2016). Ele pedia a emergência de “novos rostos” e erigia “a imaturidade e a inexperiência” como argumento de campanha. A crítica da profissionalização da política é popular; tão popular que pode até mesmo abrir o caminho para o Palácio do Eliseu.
À primeira vista, essas trajetórias tão criticadas não aparecem nas estatísticas. Conscientes do estigma que elas envolvem, os eleitos fazem de tudo para se desvencilharem delas. Não se encontra, portanto, nenhum “profissional da política” nas fichas biográficas dos parlamentares. Eles preferem citar qualquer outra atividade, mesmo de curta duração, mesmo datando de muitas décadas atrás. Quando perguntados, rejeitam em bloco até o termo “carreira”, em prol de um vocábulo mais neutro, como “percurso de vida”, ou talvez até mencionem uma “vocação”, mistura de dever e paixão.
No entanto, uma grande transformação das vias de acesso à política e aos canais de recrutamento marcou as últimas décadas. É o que demonstra uma pesquisa inédita realizada com quatro gerações de deputados franceses, ou seja, aqueles que são eleitos na intersecção entre a política local e a nacional. Durante estudo conduzido na Assembleia, reconstituímos o percurso de 1.738 deles, dos anos 1970 até os dias atuais, desenhando um quadro inédito da representação política na França.
Com idade média de 54 anos, mais graduados que a média da população e pertencentes em sua grande maioria às classes superiores, os deputados da década de 2010 são também majoritariamente homens (a Assembleia de 2012 contava 27% de mulheres). Se esses dados apresentam certa estabilidade no decorrer dos anos, outros evoluíram muito. Os eleitos de 2012 têm bem mais experiência política que seus equivalentes dos anos 1970, dando respaldo assim à tese de uma profissionalização.
Um indicador clássico para medir isso consiste em identificar se os eleitos ocuparam, num passado mais ou menos distante, um cargo de assessor político: integrante de um gabinete ministerial, membro permanente de um partido, colaborador de um eleito em escala nacional, local ou europeia. Mais próximas do poder, essas posições oferecem uma via de entrada precoce na profissão ou permitem se manter nela depois de um revés eleitoral. Em quarenta anos, a proporção desses antigos auxiliares entre os deputados franceses mais que dobrou: de 14% em 1978, ela passou para 33% em 2012. Essa situação transcende as colorações políticas (36% dos deputados socialistas eleitos em 2012 e 32% dos eleitos entre os republicanos). Ela apresenta-se também entre os partidos que se autodenominam “antissistema”: Marine Le Pen se diz advogada, mas exerceu essa função principalmente na Frente Nacional, antes de ser eleita.
Menos operários… e menos médicos
A passagem por essas posições de assessor constitui, aliás, um poderoso acelerador de carreira para esses pretendentes, já exímios conhecedores do jogo político. Antes mesmo de sua eleição, eles dominam os saberes da profissão: falar em público, conhecer o procedimento parlamentar e os mistérios do meio, responder aos jornalistas – assim como ter amizade com eles. Eles conseguiram desenvolver aquilo que Baruch Spinoza chama no Tratado político de “habilidade”, essa competência elevada ao nível de arte que permite convencer. Bem integrados a seu partido, próximos de chefes influentes, até dos mais altos personagens do Estado, os homens e mulheres que atuam na Câmara obtêm mais facilmente que um estranho a posição elegível numa lista ou base eleitoral.
Esse setor dos ex-assessores políticos, que concentra a essência das críticas contra a profissionalização, mascara, no entanto, uma mudança ainda mais maciça. Quer tenham ou não ocupado essas posições remuneradas de colaborador, quase todos os eleitos de 2012 haviam passado um longo tempo – bem mais longo que no passado – no mundo político, por exemplo, como eleitos locais, antes de ter acesso às funções nacionais. Em média, os deputados de 2012 terão passado 67% de sua vida adulta na política, contra 46% daqueles de 1978. No momento de sua eleição, os membros da Assembleia que está deixando o poder tinham passado doze anos na política, enquanto, em 1978, seis anos em média eram suficientes para chegar ao Palácio Bourbon.
Como explicar esse alongamento do caminho que leva à representação nacional? A resposta se encontra de início no aumento do número de mandatos eletivos que se seguiu à descentralização, com a criação de mandatos em regiões e nas intercomunidades. Ele tem a ver também com o crescimento exponencial dos efetivos de assessores parlamentares, de colaboradores de eleitos, de membros permanentes de partidos, mas também de comunicadores ou de membros de estruturas próximas (fundações, institutos de pesquisa, think tanks etc.). Portanto, existe em torno dos deputados um exército político de reserva, que obriga os pretendentes a se inserirem numa fila de espera. Eles ocupam as posições intermediárias antes que possam esperar ganhar a nomeação.
O aumento da “luta por lugares”, assim como a uniformização dos percursos, não deixa de ter efeito. Ela contribui para a homogeneização ideológica do pessoal político observada no curso das últimas décadas. Recrutados nos mesmos viveiros, formados numa matriz comum, os líderes atuais propõem soluções próximas umas das outras, ao mesmo tempo que se distinguem pelas maneiras individualmente notáveis de colocar os problemas. A concorrência na fila de espera incentiva os candidatos a se deixarem conhecer por seu nome em vez de fazê-lo por meio de seu partido e, portanto, para se destacarem por tiradas de pequenas frases.
Essa estratégia da personalização se perpetua quando seu lugar nos bancos é conquistado. Supervalorizada pelos jornalistas, a Assembleia oferece meios para que as pessoas possam se fazer conhecer. Isso é especialmente verdadeiro nas sessões de perguntas para o governo transmitidas na televisão às terças e quartas-feiras. Muitos são os que buscam tirar proveito desses momentos, como aquele eleito famoso pela jaqueta amarela que exibe nesses dias e se coloca sistematicamente atrás dos oradores de seu partido para se beneficiar de alguns segundos de exposição. A concorrência também é acirrada no que se refere ao acesso aos grandes meios de comunicação. A pesquisa mostra que, durante o quinquênio que acaba de ser encerrado, apenas trinta deputados receberam sozinhos a maioria dos convites para aparecer num programa de TV ou de rádio em escala nacional. Em contrapartida, 46% dos eleitos nunca foram convidados por um grande meio de comunicação audiovisual durante a legislatura.
A composição social da Assembleia também mudou. Com as mudanças do Partido Socialista e o quase desaparecimento do Partido Comunista da representação nacional,2 as classes populares abandonaram a Câmara. Em 2012, contava-se menos de 1% de ex-empregados e ex-operários, enquanto essas categorias formam a metade da população ativa; em 1978, eram pouco mais de 10%. Essa mudança bem conhecida é acompanhada de outra, comentada com menos frequência. Durante as últimas décadas, a parte dos eleitos que pertence às classes superiores também diminuiu. O número de membros das profissões liberais de saúde passou assim de 12% para 6% entre 1978 e 2012, e o de altos funcionários, de 13% para 6%.
O alongamento do tempo político certamente contribui para isso. Para os jovens das classes superiores, a necessidade de se envolver cada vez mais cedo dificilmente é compatível com estudos longos e seletivos. Eles deixam então lugar para outros, que têm menos a perder e, por trabalharem bastante, acabarão por ocupar o posto. Quanto aos mais velhos, a perspectiva de se colocar pacientemente na fila de espera que conduz aos mandatos não se mostra atraente pelo fato de a atividade de deputado ser particularmente devoradora de tempo. Dividindo-se entre Paris, onde acumulam compromissos, e sua base eleitoral, onde muitas vezes passam o fim de semana – inclusive o domingo – para assistir a eventos que marcam o ritmo da vida local (mercados, inaugurações, cerimônias de todo tipo), os eleitos trabalham muito, contrariamente ao que sugere a imagem de uma Câmara quase vazia. O número de horas de sessão na Assembleia triplicou desde o início da Quinta República, tornando difícil o exercício paralelo de uma profissão liberal, ainda atual na década de 1960.
A inacessibilidade dos mandatos políticos aos operários e empregados, o desvio da atividade política rumo a uma estratégia de carreira e o nepotismo no recrutamento dos assessores parlamentares orientam os debates na direção de várias reformas possíveis. A proposta de redução dos salários dos políticos (5.200 euros líquidos para os deputados), evocada para encorajar um envolvimento desinteressado, tem toda a pinta de uma falsa solução. Além de não ser capaz de resolver o problema mencionado, a proposta esquece que uma compensação correta seria uma condição necessária, ainda que obviamente insuficiente, para o acesso das categorias populares aos cargos eletivos.3 No século XIX, os eleitos que eram médicos, tabeliões ou advogados, que não tinham necessidade desse subsídio para viver, denunciavam o “risco de aviltamento” de uma função que logo seria ocupada por operários “incapazes” e “atraídos” pelo dinheiro.4
Sorteio de representantes?
As reformas relacionadas com a acumulação de mandatos, como a que entra em vigor neste ano para impedir a ocupação simultânea de uma função de deputado e de chefe do Executivo local (prefeito ou vice, presidente do conselho regional ou departamental), favorecem certamente a rotatividade dos postos e redistribuem o poder concentrado pelos potentados locais. Mas elas não são projetadas para mudar o perfil dos novos eleitos. Esse tipo de solução poderia até mesmo aumentar a presença de funcionários políticos no Parlamento, levando os colaboradores a se apresentarem na esteira de seu ex-empregador.
Outra medida intensamente discutida consistiria em sortear totalmente ou em parte os eleitos. Ela traria uma solução radical para o problema da profissionalização e transformaria profundamente a própria ideia de representação. A rotatividade dos postos anda, no entanto, de mãos dadas com o desaparecimento de uma certa experiência, com frequência muito útil, para propor contraprojetos diante do governo e de sua administração. Sem fornecer mais recursos de expertise aos deputados, tal reforma poderia levar a uma realocação de poder não mais nas mãos de eleitos acumuladores, mas de especialistas que nem mesmo seriam eleitos e aconselhariam os representantes escolhidos por sorteio. Não é certo que a democracia saia ganhando com isso.
Qualquer que seja seu potencial transformador, essas medidas compartilham, no entanto, um prisma individualista. Todas afirmam que as questões contemporâneas da política provêm antes de tudo de seus representantes; seria, portanto, neles que deveriam se concentrar as críticas e a busca de soluções. No entanto, para ser realmente eficaz, o debate deveria também – e antes de tudo – tratar da própria organização do poder e da democracia representativa.
*Julien Boelaert, Sébastien Michon e Étienne Ollion são autores de Métier: député. Enquête sur la professionnalisation de la politique en France [Profissão: deputado. Pesquisa sobre a profissionalização política na França], Raisons d’Agir, Paris, 2017.