Progressistas na linha de fogo
Com o patrocínio dos Estados Unidos e sob o pretexto de combater o terrorismo islâmico, o governo de Gloria Macapagal Arroyo reprime sistematicamente os movimentos sociais. Cada liderança que se destaca é perseguida e, não raro, exterminada. Agredida, a sociedade civil exige a renúncia da presidente
Cidade de Baggao, província de Cagayan, ao norte da ilha de Luzon. Em 11 de novembro de 2006, Joey Javier participou da reunião da organização camponesa Kagimungan, da qual era o presidente. “Sua intervenção foi muito boa aquela noite. Porém, logo depois, seu triciclo atolou na ponte. Foi nesse momento que dois homens se aproximaram e atiraram nele à queima-roupa. A base militar fica a menos de cem metros, mas ninguém tentou capturar os assassinos”, relata a senhora Dominga Javier.
Duas semanas depois, foi a vez de Anthony Licayoyo, substituto de Joey à frente da entidade, ser morto. No mês seguinte, seu sucessor, Pedro Frances, escapou por pouco de um atentado. Em 21 de janeiro de 2007, dois outros militantes da Kagimungan tombaram sob o fogo cerrado dos assassinos. No dia 7 de agosto, a casa de Ambot Asucena, responsável pelo setor da juventude da organização, foi crivada de balas. Antes de sucumbir, ele pôde identificar seus agressores: militares do 21º batalhão de infantaria. Em 9 de setembro, outros dois camponeses integrantes da Kagimungan foram levados por soldados do 17º batalhão de infantaria. Seus cadáveres, encontrados posteriormente, tinham marcas de tortura.
“Em julho de 2006, o exército instalou-se na municipalidade de Baggao, onde está o núcleo do movimento”, explica Isabelo Adviento, atual presidente da Kagimungan. “No mesmo período, as instalações da rádio de Cagayan, que tínhamos acabado de inaugurar, foram incendiadas, e, no decorrer dos meses seguintes, as execuções extrajudiciárias se multiplicaram. Os soldados entram nas casas e convocam os habitantes para reuniões de propaganda, em que somos apresentados como cúmplices da guerrilha. Os camponeses são obrigados a ‘se render’, ou seja, servir de guias ao exército ou se juntarem à milícia paramilitar dos Cafgu1”, completa. Organização legal, a Kagimungan reúne os pequenos agricultores da província. Nesses últimos meses, promoveu a luta contra o sistema de parceria em vigor, em que os camponeses são obrigados a pagar 50% de sua colheita aos “senhores da terra”. A associação conseguiu também impor aos comerciantes condições mais favoráveis de venda da safra2.
“A situação em Baggao é um emblema do que se passa no resto do país”, afirma Renato Reyes, secretário geral da Bayan, uma coalizão de organizações populares. “Em nome da luta antiterrorista, a presidente Gloria Macapagal Arroyo conduz uma guerra suja contra todos os que se opõem à sua política ultraliberal”, analisa. Desde sua eleição, em 2001, Arroyo afirma que fará das Filipinas um país de primeiro mundo graças à liberação do comércio, das reformas fiscais e da privatização do patrimônio do Estado. Para Reyes, “o crescimento rápido do qual se vangloria o regime é um balão de gás inflado por empréstimos e pela entrada maciça de capitais estrangeiros. Para atrair os investidores, o governo questiona os direitos trabalhistas, concede partes do território às mineradoras multinacionais, libera zonas protegidas para a exploração petrolífera e assina acordos comerciais que condenam nossos camponeses a substituir seus cultivos por monoculturas destinadas à produção de biocombustíveis”.
Os números revelam o impacto desta política sobre as condições de vida da maioria dos habitantes: 80% da população ganham abaixo de um dólar e meio por dia; o número de crianças não escolarizadas com menos de quinze anos passou de 1,8 para 3,1 milhões entre 2001 e 2006; 26% dos beneficiários da reforma agrária3 viram-se obrigados a vender suas terras, apesar de o país ser um dos primeiros importadores mundiais de arroz. A crítica às escolhas econômicas do governo é feita pelas organizações populares, muitas delas fundadas na luta contra a ditadura de Ferdinand Marcos ou nos movimentos de oposição às bases americanas em território filipino. “Para tentar silenciar essas vozes, o Estado faz uma política de terror qualificada de ‘estratégia contra-insurrecional”, denuncia Reyes.
Guerrilha com 8 mil combatentes
De fato, um após o outro, os governos filipinos se vêem desafiados pelos movimentos de luta armada: fundado em 1969, o Novo Exército do Povo (NPA), guerrilha de orientação marxista, conta com cerca de oito mil combatentes divididos em 62 frentes que cobrem todo o território nacional, enquanto os independentistas muçulmanos da Frente de Libertação Islâmica Moro (MILF), da Frente de Libertação Nacional Moro (MNLF) e dos grupos de Abu Sayyaf atuam nas ilhas de Mindanao, Sulu e Jolo, ao sul do arquipélago4.
Embora tenha iniciado negociações com as diversas facções – com exceção de Abu Sayyaf – a presidente, seguindo os passos de George Bush na cruzada antiterrorista, privilegia o confronto. Os acordos de paz com o NPA estão congelados desde 2004 e, em abril de 2007, argumentando sobre os rumores de um golpe, Arroyo decretou estado de emergência nacional e anunciou guerra total aos grupos armados. “O estado de emergência não existe na Constituição filipina. Essas declarações constituem uma carta branca dada ao exército para continuar e ampliar sua guerra suja”, denuncia Reyes.
Desde 2001, as forças armadas colocam em prática o Oplan Bantay Laya I, substituído em 2007 pelo Oplan Bantay Laya II. Apresentados como planos de campanha contra-insurrecionais e concebidos no modelo da Operação Fênix, conduzida pelos americanos durante a guerra do Vietnã, têm como alvo os supostos apoios civis aos grupos rebeldes. Estratégia essa justificada inúmeras vezes por Norberto Gonzales, secretário da Presidência nas questões de segurança: “A guerrilha que combatemos não está em sua forma clássica, ela se infiltrou em nosso processo democrático”.
A ação do general Jovito Palparan, nomeado chefe das forças armadas da região de Central Luzon a partir de agosto de 2005, foi, sob essa perspectiva, exemplar. Abandonando as zonas de grande atividade dos grupos armados, ele espalhou suas tropas em torno dos pólos de desenvolvimento econômico – principalmente no local do ambicioso projeto de construção de uma rede de auto-estradas, o Global Gateway Project5. Os grupos paramilitares passaram a operar em colaboração com o exército e, apenas em 2006, 83 militantes de esquerda, trabalhadores rurais e defensores dos direitos humanos foram vítimas de execuções extrajudiciárias no local.
Evidentemente, o general Palparan nega ter ordenado esses assassinatos. Em entrevistas concedidas ao Philippine Daily Inquirer6, explicou que as mortes “ajudam” o exército a combater “aqueles que incitam o povo a lutar contra o governo”, e são “pequenos sacrifícios” que devem ser aceitos em nome da batalha contra-insurrecional. Na televisão australiana, diante da perplexidade da jornalista Karen Percy, o general reconheceu, sorrindo: “Eu pude encorajar ou inspirar certas pessoas a fazer justiça com as próprias mãos 7”.
Em agosto de 2006, o governo criou a Comissão Melo, encarregada de investigar casos de execução, mas a inconsistência dos resultados só confirmou a falta de vontade política do regime de pôr fim a esses abusos. E, se ainda é muito cedo para julgar a eficácia da Writ of Amparo8, a organização de defesa dos direitos humanos Karapatan provou que “no mesmo dia da promulgação da lei, uma ordem direta da presidência ao Departamento da Defesa impedia a divulgação de segredos militares e as interferências hostis nas operações de segurança nacional”.
Tais medidas não fizeram com que Philip Alston, relator especial das Nações Unidas, repensasse suas conclusões. Em 26 de novembro de 2007, ele declarou: “Alguns setores das Forças Armadas conduziram uma estratégia deliberada de execução de representantes de organizações de esquerda, intimidaram ou eliminaram lideranças da sociedade civil, incluindo defensores dos direitos humanos, sindicalistas e promotores da reforma agrária, e limitaram o espaço do discurso político”. À tese dos militares, que atribuem grande parte das execuções extrajudiciárias a supostas purgações no seio da guerrilha, ele responde que se trata de “uma tentativa cínica de desviar as responsabilidades”. E acrescenta: “As instituições judiciárias foram mais eficientes na perseguição aos líderes da sociedade civil do que a seus assassinos”.
Reservas de ouro e cobre
Outra organização que pagou caro por sua combatividade foi a Aliança dos Povos da Cordilheira (APC) 9, que atua na parte central da ilha de Luzon. A região abriga importantes reservas de ouro e cobre que provocam a cobiça das companhias americanas desde o século XIX. Atualmente, as concessões feitas às mineradoras multinacionais se estendem por 1,2 dos 1,8 milhões de hectares da região, e o governo pretende priorizar a chegada de novos investimentos. “Os povos autóctones se opuseram à expansão dessas empresas, que destroem o solo, poluem os cursos de água, provocam o desmatamento e o deslocamento das populações. Hoje, a APC exige a indenização das comunidades afetadas assim como a reabilitação dos sítios abandonados”, afirma Santos Mero, dirigente da Aliança. A história da organização traz as marcas de sua luta: em julho de 2006, Markus Banguit, membro da junta diretora, foi morto em um ponto de ônibus. No mesmo mês, o carro de Constancio Clanet, outro dirigente, foi metralhado quando acompanhava sua filha à escola. Sua esposa morreu no atentado. Ele e a filha saíram feridos e, em seguida, se exilaram no Canadá.
Tradicional centro de oposição ao poder, a Universidade das Filipinas, também não foi poupada. Em 26 de junho de 2006, Karen Empeño e Sherlwin Cadapan, ativistas da Liga dos Estudantes Filipinos, foram raptadas por militares enquanto visitavam seus pais, na província de Bulacan, e ninguém as viu depois. Os desaparecimentos – 185 desde 2001 – são um instrumento particularmente perverso do arsenal da repressão. Outro exemplo notório é o de Jonas Burgos, militante camponês raptado pelo exército em 28 de abril de 2007, na saída de um shopping center. A indignação com seu sumiço gerou mobilização: quinze cinegrafistas aceitaram uma proposta da Independent Filmaker Cooperative (IFC) e cada um produziu clipes sobre Jonas, que posteriormente foram agrupados em um filme intitulado Rights. A obra deveria ser exibida em setembro de 2007 em um grande complexo de cinemas da capital. Porém, na véspera da estréia, a comissão de censura proibiu a projeção, alegando que era “tendenciosa”.
No mesmo ano, porém, outra produção cinematográfica politizada foi liberada pelo governo: na ilha de Mindanao, a multinacional Dole anunciou um plano de demissões, imediatamente criticado pela organização sindical Kilusang Mayo Uno (KMU); convocados a participar das reuniões realizadas na empresa e supervisionadas pelo exército, os trabalhadores assistiram a um filme violentamente anti-sindical, no qual militantes da KMU são tratados como cúmplices do NAP. A produção usa atores filipinos em voga, mas não inclui os créditos, nem o nome do diretor 10. “Um modelo de imparcialidade!” ironiza Daisy Arago, diretora do Center of Trade Union and Human Rights. “Existe uma estratégia coordenada das empresas e das autoridades para destruir os sindicatos, desestruturar o direito do trabalho e garantir aos investidores uma mão-de-obra dócil”, acrescenta.
Nesse sentido, as zonas francas constituem um caso a ser estudado. A de Rosario é a mais importante do país, com 70 mil operários trabalhando para 250 empresas de confecção e eletrônica, reunidas em uma área de quase 300 hectares cercada por um muro de concreto com arame farpado. Para entrar, há um check point vigiado por guardas armados, aos quais é necessário entregar uma senha. Em 10 de junho de 2007, por volta das 20h, nove homens armados de pés-de-cabra e facas atravessaram o posto sem serem identificados pela guarda, a mesma que não se manifestou quando eles atacaram os piquetes de greve mantidos há vários meses pelos trabalhadores da empresa Chong Won AS, que protestavam contra demissões abusivas. Na manhã seguinte, a curiosa cegueira dos seguranças voltou a se manifestar quando cerca de vinte homens encapuzados e armados com rifles M16 intimidaram os grevistas mais uma vez. “Eles nos fizeram deitar no chão, ameaçaram-nos de morte, roubaram nossos telefones, máquinas fotográficas e bolsas. Um deles estava prestes a me bater, mas o outro disse: ‘Isso não faz parte do contrato’. Quando lhes dissemos que iríamos prestar queixa, eles riram e nos desafiaram a chamar a polícia. Um de nossos agressores até se vangloriou de ter recebido dois milhões de pesos [aproximadamente de 84 mil reais] para acabar com a greve”, conta Florencia Arevalo, secretária do sindicato dos trabalhadores da Won Chong. “No dia seguinte, a polícia da zona franca criou dois novos postos de controle para impedir o regresso dos grevistas. E, argumentando que era feriado, as autoridades se recusaram a registrar a ocorrência”, relembra.
Quase 900 execuções extrajudiciais
“Com quase 900 execuções extrajudiciais desde 2001, o regime de Arroyo pode se orgulhar de ter feito uma gestão pior que a do ditador Ferdinand Marcos. Foram 47 jornalistas assassinados nos últimos seis anos, o que coloca as Filipinas em segundo lugar – após o Iraque – nos países mais perigosos do mundo para essa profissão”, observa Jigs Clamor, secretário-geral de Karapatan 11. Para o relator Philipp Alston, a presidente precisa tomar medidas concretas para impedir que operações contra-insurrecionais tenham como alvo integrantes de organizações da sociedade civil. Enquanto isso, o Senado americano, que em 2002 enviou tropas para as Filipinas com o objetivo de “eliminar os parasitas terroristas do país”, ameaça suspender a ajuda ao governo de Arroyo.
As acusações de fraude eleitoral, principalmente no pleito de 2004, e vários casos de corrupção envolvendo a própria presidente, membros da sua família e de seu círculo próximo, também contribuíram para a queda da popularidade de sua popularidade. Arroyo, que sempre aparece acompanhada do general Hermogenes Esperon, chefe do Estado-Maior, foi obrigada a se apoiar cada vez mais no exército e em um grande número de militares da ativa e da reserva, nomeados para os serviços públicos e administrativos.
Entretanto, mesmo no seio da instituição militar é possível encontrar a insatisfação: “Mal pagos, obrigados a envolver-se em atividades anti-insurrecionais perigosas e desmoralizantes, os oficiais mais jovens não admitem a riqueza e os privilégios usufruídos pelos oficiais superiores instalados em Manila, nem a política errante de um poder civil duvidoso 12”. Eis uma situação propícia para originar várias tentativas de putsh, sempre esmagadas no nascimento. Na última, de 29 de novembro de 2007, cerca de trinta militares liderados pelo senador Antonio Trillanes – ex-funcionário e promotor de um outro de golpe fracassado de Estado em 2003 – cercaram um grande hotel na capital e pediram a saída do governo. A reação das autoridades não tardou: um tanque chegou às portas do estabelecimento e os rebeldes, sem oferecer nenhuma resistência, foram presos. Para completar, cerca de trinta jornalistas presentes no local, também detidos, tiveram seu material confiscado. “A brutalidade desproporcional dessa repressão é a imagem do regime”, analisa a Karapatan. Mas é a presença de um bispo, Dom Julio Labayen, e do ex-vice-presidente da República, Teofisto Guingona ao lado dos militares rebeldes que melhor demonstra o descrédito do regime, inclusive no seio da oligarquia nacional.
*Philippe Revelli é jornalista.