Promessa de fim de era
Pela primeira vez em sessenta anos, o Partido Colorado poderá deixar o poder nas eleições presidenciais previstas para abril de 2008. Um ex-bispo, Fernando Lugo, desponta como favorito. Mas terá de vencer a máquina clientelista com uma frágil base política.
No dia 29 de março de 2006, aproximadamente 40 mil paraguaios saíram às ruas em Assunção com um objetivo específico: acabar com os sonhos de reeleição do presidente Nicanor Duarte Frutos, que pretendia regulamentar um segundo mandato por meio de emenda constitucional. A transição que se seguiu à derrocada do ditador Alfredo Stroessner em 1989 – pelo general Andrés Rodriguez, seu consogro – não foi capaz de pôr em prática os princípios republicanos em um país capturado, há mais de sessenta anos, pelo Partido Colorado, mediante uma ativa “política de exploração das massas”1. Mas a sociedade paraguaia começa lentamente a se movimentar e tenta se livrar de uma cultura política fundada em décadas de ditadura. Clientelismo, corrupção em massa, medo do debate ideológico e oportunismo são as heranças mais visíveis deixada por Stroessner, o filho de um fracassado homem de negócios alemão, que tomou de assalto o poder em 1954 e governou por 35 anos, sob uma ficção de democracia, com um Parlamento e eleições de cartas marcadas.
Nesse sentido, e com um sistema partidário fortemente corroído, não é coincidência que o personagem principal daquele ato anti-reeleição realizado sob o lema “ditadura nunca mais” seja um eclesiástico proveniente de São Pedro, região povoada pelos camponeses mais combativos do Paraguai. Nesse dia, Fernando Lugo começou a amadurecer a idéia que, meses mais tarde, não somente provocaria uma reviravolta em sua vida, mas também mudaria o mapa político do país. Em dezembro de 2006, frente à realização de um abaixo-assinado com 100 mil subscrições, pedindo que se candidatasse à presidência em 2008, o “bispo dos pobres” pendurou a batina e passou a vestir um terno de político. “Só Lugo poderá derrotar o Partido Colorado”, resumiu o editorial do jornal ABC Color, o mais influente do Paraguai. Por via das dúvidas, o candidato emergente começou a usar coletes a prova de balas.
Transição inacabada
“Com o fim da ditadura, esperavam-se progressos e soluções em todos os setores, mas o caminho percorrido foi o inverso: houve pouco progresso e muito retrocesso, pois aos antigos problemas somaram-se outros”, disse o jornalista Roberto Paredes2. Com a transição democrática, o tripé que deu sustentação a Stroessner – governo, Forças Armadas, Partido Colorado – foi desmontado. E o partido do ex-ditador ficou submerso em uma acirrada disputa interna entre os setores pró-empresariais, aliados aos militares com cada vez menos poder, e os representantes da poderosa burocracia estatal, que juntamente com os movimentos sociais impediram o avanço do programa de privatizações. Assim, as principais empresas de serviços públicos continuam nas mãos do governo.
O assassinato do vice-presidente Jose Maria Argaña, em março de 1999, foi uma das expressões mais dramáticas da luta pela herança do aparato estatal pós-ditadura. Uma das peças centrais dessa guerra colorada foi o ex-homem forte do Exército, o general Lino Olviedo, que segundo seus colaboradores “fez tremer” o ditador durante o golpe de 1989, quando o ameaçou com um fuzil e retirou o pino de segurança de uma granada de mão para forçar sua rendição. Logo após seu exílio na Argentina – onde foi protegido por Carlos Menem – e sua estada no Brasil, Olviedo voltou, voluntariamente, ao Paraguai, sendo preso e condenado por tribunal militar a uma controvertida pena de dez anos, por suposta tentativa de golpe em 1996. Além disso, ele é acusado de ser o autor intelectual do assassinato de Argaña3 e da posterior repressão que culminou com a morte de sete jovens durante o período que ficou conhecido como o “março paraguaio”.
Seus seguidores dizem que o general, de tendências populistas autoritárias, é um “preso político” e que “está detido por ser a figura mais popular do país”. Atualmente, o Parlamento se prepara para discutir sua anistia, o que poderia modificar e confundir o cenário político, uma vez que Olviedo pretende ser candidato à Presidência e, portanto, competir pelo mesmo espaço político que Fernando Lugo. Alguns apoiadores de Lugo falam, inclusive, de uma aliança com o Partido Colorado.
De qualquer forma, pela primeira vez, os colorados admitem publicamente a possibilidade de uma derrota e despertam todo tipo de fantasma. O mais audacioso foi o próprio presidente Nicanor Duarte Frutos, que, em junho passado, advertiu: “Se a oposição chegar ao poder em 2008, começará a mais aterrorizante caça às bruxas da história paraguaia. Nós, colorados, seremos perseguidos como os judeus o foram durante os tempos de Hitler”. Considerando essa possibilidade, a última convenção colorada, reunida em abril deste ano, evidenciou a capacidade de o ex-partido de Stroessner se “reinventar” e continuar no poder. Após promover um anticomunismo visceral durante mais de meio século, esse partido estatal passou a se autodefinir, muito oportunamente, como “social-humanista”, enquanto que Frutos, na iminência de um acordo energético com Caracas, apoiou entusiasticamente o Banco del Sur e a “vontade integracionista do presidente [Hugo] Chávez”. As eleições internas do Partido Colorado se dividirão entre a “socialista” Blanca Ovelar (atual ministra da Educação de Duarte Frutos) e o vice-presidente Luis Castiglioni (partidário dos EUA e do legado de Stroessner).
Essa mistura de pragmatismo ideológico e forte controle do aparato estatal faz com que predomine um otimismo apenas moderado entre aqueles que sonham com o fim do longo reinado do partido fundado em 1887 pelo general Bernardino Caballero. “O povo quer mudanças. Sessenta anos de Partido Colorado é muito tempo, não lhe parece? Mas não será fácil. Eles controlam o Estado e o povo está acostumado ao clientelismo”, afirmou, de chimarrão na mão e misturando palavras em guarani, a dirigente camponesa Verónica Inverzini, vereadora de Capiibary (departamento de São Pedro, a 250 quilômetros de Assunção).
O grande dilema
Uma das dificuldades de Lugo é a falta de estrutura, à qual alguns somam sua ambigüidade ideológica. Falando em guarani, ele afirmou: “mbytetépe, poncho yurúicha” (estou exatamente no centro, como a abertura para a cabeça no meio do poncho). E, em outras ocasiões, disse frases como: “não acredito nem no estatismo nem na desregulamentação total” ou “no novo Paraguai que deve ser construído, todos têm algo a contribuir, incluindo os oviedistas e até os stronistas”. Ainda que sensatas, estas definições deixam em aberto uma gama muito ampla de programas de governo e, principalmente, de pactos políticos.
O ex-bispo enfrenta um grande dilema. Caso se alie à oponente Concertação, formada pelos partidos Liberal Radical Autêntico, Pátria Querida e União Nacional de Colorados Éticos de Oviedo, poderá chegar à presidência, mas acabará refém da velha política. Se competir sozinho, apoiado por seu partido Tekojoja (Igualdade, de tendência social-democrata) e por alguns movimentos sociais reunidos no Bosque Social y Cultural, se livrará desse risco, mas vencer nas urnas se tornará quase impossível. “Esse é o grande dilema e temos consciência disso. Acredito que nós, as forças populares, camponesas, não temos prática eleitoral. Ao passo que o Partido Liberal é o único de oposição presente nas 10 mil mesas. Isso precisa ser garantido, porque em uma democracia a vitória se conquista no dia das eleições”, admite o candidato a Le Monde Diplomatique.
Mas pondera: “Vejo um bom clima de diálogo e elevados níveis de confiança entre os partidos de oposição para lograr a vitória e, ao mesmo tempo, garantir um projeto político, um plano de governo e programas que atendam aos gritos dos mais necessitados”. Entre esses gritos, o ex-pastor da Congregação do Verbo Divino, que recorreu ao país no processo de ñemonguetá guasú (bom diálogo com o povo), identifica a consolidação de uma justiça independente para acabar com a corrupção institucionalizada – algo revolucionário no Paraguai – e uma reforma agrária que ponha fim à “escandalosa concentração de terras”.
“Lugo conta exclusivamente com seu carisma. Acredito que aqui pode ocorrer o mesmo que aconteceu no México com Lopez Obrador”, assinala um jornalista que acompanha de perto os entraves da política paraguaia. Ele relembra a vitória colorada nas eleições municipais no fim de 2006 e afirma que, apesar da crise, seu aparato eleitoral ainda goza de boa saúde. “Nós sabemos que Lugo não é, nem será, de esquerda. Em São Pedro, ele buscava conciliar interesses de classe conflitantes. Porém, acreditamos que a principal dificuldade está na retirada do Partido Colorado do poder, enquanto caminhamos para a recuperação do movimento popular”, explica Ernesto Benitez, líder do Movimento Camponês Paraguaio e da Convergência Popular Socialista.
A última cartada do governo para frear Lugo, sobrinho de um ex-dirigente colorado dissidente que morreu exilado na Argentina, é impugnar sua candidatura com o argumento de que os eclesiásticos não podem ser candidatos, já que o Vaticano – frente à sua carta de renúncia – lembrou que o sacramento do arcebispado é para toda a vida. Caso prospere, essa maquinação provocará uma grande confusão entre o direito público e o direito canônico. “Trata-se de um problema político que será resolvido nas ruas”, contra-argumentou o candidato em Buenos Aires, onde foi recebido pelo presidente Nestor Kirchner a pedido da líder das Mães da Praça de Maio, Hebe de Bonafini.
Invasão brasileira
O Paraguai de hoje já não explora tanto o tanino, que escravizou milhares de camponeses nas fazendas, e as produções florestal e ervateira já não estão no centro de sua atividade econômica. Porém, ainda que esses produtos tenham sido parcialmente substituídos, a lógica do enclave voltou, de forma tão ou mais perversa, com uma nova vedete: a soja. Sua produção – que equivale a 10% do PIB e a 40% das exportações paraguaias – está intrinsecamente ligada ao que os camponeses, e inclusive vários sacerdotes, chamam de “invasão brasileira”. Segundo uma estimativa do pesquisador Sylvain Souchaud, o número de brasileiros e descendentes no Paraguai – popularmente chamados “brasiguaios” – é de aproximadamente meio milhão4, tornando uma ficção a soberania paraguaia nas vastas áreas de suas fronteiras, transformadas de facto em territórios controlados por colonos estrangeiros.
A primeira onda de invasão capitalista na agricultura camponesa ocorreu nos anos 70, com a chegada dos “pioneiros” vindos dos estados do sul do Brasil, beneficiados pela bênção de Stroessner. Em sua subordinação ao Planalto, o ditador lhes atribuía um papel modernizador na agricultura paraguaia. Uma segunda leva – ainda mais devastadora, de acordo com os camponeses – chegou no começo do século 21, juntamente com a soja geneticamente modificada. Sem terras públicas disponíveis, a fronteira da soja avançou, à custa das terras camponesas e indígenas, das pastagens e do que restava dos bosques.
Entre 1995 e 2006, a área de plantio de soja praticamente quadruplicou, passando de 735 mil a 2,4 milhões de hectares, o equivalente a quase 25% das terras férteis. Com a revogação, nos anos 60, da “faixa de segurança”, que impedia aos estrangeiros comprar terras fronteiriças, a expansão da soja no Paraguai se deu de forma descontrolada, subordinada ao poderoso complexo sojeiro brasileiro, o segundo maior produtor mundial depois dos Estados Unidos. Do vizinho gigante – acusado diariamente de “subimperialismo” pelos meios de comunicação paraguaios –, provêm o capital, a tecnologia e os produtores, aproveitando as vantagens comparativas paraguaias, como a fertilidade do solo e o menor preço das terras5. São comuns as denúncias de que, nas regiões fronteiriças, predominam a lei e os costumes brasileiros, na esteira da doutrina expansionista das “fronteiras vivas”, elaborada nos anos 50 pelo estrategista da ideologia de segurança nacional brasileiro, o general Golbery do Couto e Silva.
Trata-se de um modelo econômico agroexportador, com forte tendência à expulsão da mão de obra rural (por serem suas produções automatizadas) e à concentração de terras: segundo dados censitários, 77% das terras estão nas mãos de 2% dos grandes exploradores. “Esta agricultura sem camponeses está gerando uma nova onda de lutas. O verdadeiro poder no Paraguai está nas mãos daqueles que são proprietários de terras. A história do Paraguai é a história da concentração de terras e do desterro dos camponeses. A primeira etapa ocorreu após a Guerra da Tríplice Aliança, quando terras foram entregues a empresas estrangeiras; a outra aconteceu durante a ditadura de Stroessner, que presenteou generais, políticos e até amantes com terras. Agora lutamos contra a expansão indiscriminada da soja transgênica e estamos atentos aos agrocombustíveis”, resumiu Luis Aguayo, líder da Mesa Coordenadora Nacional das Organizações Camponesas (MCNOC). Aguayo se diz um continuador das famosas Ligas Agrárias dos anos 70, desarticuladas pelas Forças Armadas, e acredita que a ditadura de José Gaspar García Rodríguez de Francia (1816-1840), conhecido como “o Supremo”, e o “desenvolvimentismo” de Carlos Antonio López (1844-1862) foram os únicos momentos de autonomia do Paraguai, interrompidos pela guerra contra o Brasil, Uruguai e Argentina6.
A preocupação camponesa parece justificar-se. Há pouco, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, aterrissou em Assunção, pela primeira vez em seu mandato, para se juntar a Duarte Frutos na campanha pelos biocombustíveis, promovida por Brasília. Aos “empresários amigos do Brasil”, Frutos afirmou na ocasião: “O Paraguai tem excelentes condições para o investimento no campo da produção de etanol e biodiesel; temos terras, mão-de-obra interessante e vastas áreas para a exploração, imaginação e talento dos empresários. Provavelmente temos uma carga tributária mais atraente para a instalação do capital em nosso país”. E acrescentou: “Quero dizer que, se o Brasil pode, no século 21, transformar-se nos Emirados Árabes do biocombustível, por que o Paraguai não pode ser o Kuwait?”.
“Poderíamos usar o coqueiro ou o tartago, que são produtos camponeses, na produção do biodiesel, mas tudo leva à produção de etanol derivado da cana-de-açúcar e do milho, e ao biodiesel de soja”, acredita o sociólogo Tomas Palau, diretor do centro Base-Investigações Sociais. “Pensa-se em construir um álcoolduto. Esse modelo agravaria ainda mais a monocultura e o êxodo rural”, afirma. Mediante terraplanagens, pulverizações extensivas e pressões mafiosas, os “pioneiros” brasileiros, com a ajuda de pequenos exércitos paramilitares, vão encurralando ou expulsando milhares de camponeses. Alguns optam pelo êxodo para as periferias de Assunção, Cidade do Leste e Encarnação ou por abandonar o país rumo a destinos como a Argentina, a Espanha e os Estados Unidos7. Outros preferem lutar por meio da resistência institucional – com aliados como a Igreja Católica – ou em ações diretas, que vão desde bloqueios até queimadas de plantações, para deter a invasão dos colonos.
Um artigo do jornal ABC Color, de novembro de 2004, dá conta do envio de 130 soldados do II Corpo do Exército a Guairá “para garantir o cultivo da soja”. E, atualmente, o Parlamento promove uma alteração do código penal que pode classificar os bloqueios nas estradas como “terrorismo”. Aproximadamente 3.000 dirigentes sociais foram condenados à prisão, ainda que em liberdade condicional.
Hoje em dia, existem outros possíveis motivos de tensão com o Brasil, decorrentes da renegociação do acordo sobre a hidrelétrica binacional de Itaipu – considerado “entreguista” por alguns setores políticos, incluindo os partidários de Lugo – e da construção de um muro de 1,5 quilômetros de comprimento e 3 metros de altura às margens do rio Paraná, para controlar o contrabando que entra em território brasileiro.
Uma base norte-americana
Sob o comando de Stroessner, o Paraguai se vangloriava de formar, junto com a Coréia do Sul e Taiwan, o principal núcleo da “luta anticomunista internacional”. E de ser talvez o único país ocidental a construir um monumento e batizar uma avenida em homenagem ao “generalíssimo” Chiang Kai Shek, o notório anticomunista chinês8. Tal posição do regime stronista selou uma forte aliança com os Estados Unidos durante a Guerra Fria. Esta só foi rompida em 1989, quando a embaixada norte-americana em Assunção abençoou o golpe do general Rodríguez e amenizou as acusações de narcotráfico que pesavam sobre ele.
Assim renovou-se o papel do Paraguai como o mais fiel aliado dos Estados Unidos na região. Em 2005, o Parlamento paraguaio concedeu imunidade diplomática às tropas americanas – que venceram em dezembro de 2006 – para a operação “Medretes”, cujo suposto objetivo era prestar assistência médica às comunidades carentes, ainda que muitas delas tenham se queixado de que “só nos davam analgésicos”. Paralelamente, a pista de aterrissagem de Mariscal Estigarribia foi ampliada: seus 3.800 metros permitem agora a aterrissagem de aviões gigantes, como os bombardeiros B-52 e os Galaxy, de transporte de tropas e material de guerra. Mesmo que o governo paraguaio negue que esta seja uma “base americana”, observadores internacionais confirmaram a presença de funcionários de alto escalão dos Estados Unidos, incluindo o embaixador.
Todas as especulações se baseiam no caráter estratégico dessa região do Chaco paraguaio, localizada junto ao aqüífero Guarani (a maior reserva subterrânea de água doce do mundo), próxima a corredores inter-oceânicos (como a hidrovia Paraguai-Paraná) e a escassos 250 quilômetros das principais reservas de gás boliviano (a segunda na América do Sul, depois da venezuelana)9. O Chaco é também sede das mais numerosas colônias menonitas, cuja igreja conta com a adesão de várias figuras do governo de Duarte Frutos, dentre elas, a primeira-dama Maria Gloria Penayo. Diz-se até que o próprio presidente considerou a possibilidade de ser batizado na Igreja Raízes, dos seguidores do reformador holandês Meno Simone.
“Estamos condenados a ser a Colômbia do Cone Sul” afirmou Tomas Palau, relembrando que, nos últimos anos, as relações entre Bogotá e Assunção se fortaleceram, tendo em vista que ambas as nações enfrentaram a mesma trilogia de ameaças: narcotráfico, terrorismo e seqüestros extorsivos. A cooperação é ainda mais intensa no campo das políticas anti-seqüestro, especialmente depois do brutal assassinato de Cecilia Cubas, filha do ex-presidente Raúl Cubas, em fevereiro de 2005. A tese oficial fala de uma ação conjunta do grupo paraguaio Patria Libre e das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). “Esse fato serviu de desculpa para criminalizar as lutas sociais. Tentaram, inclusive, envolver indiretamente Fernando Lugo”, disse Raquel Talavera, advogada que representou os organismos de direitos humanos durante recente audiência pública no Congresso paraguaio, da qual participaram todas as organizações camponesas, a “vanguarda” da luta social democrática.
“As pessoas querem mudanças. Estamos no auge do debate político, sente-se uma incidência da conjuntura regional. Por que a Bolívia, a Venezuela, o Equador e nós não?” pergunta-se Ernesto Benitez, na sede do Movimento Camponês Paraguaio em Assunção, muitas vezes invadida pelas forças de segurança. A pergunta pode ter muitas respostas. O certo é que esta “ilha rodeada de terra” (como Augusto Roa Bastos definiu o Paraguai), que já atraiu racistas fanáticos (como Bernhard Foster, cunhado do filósofo Friedrich Nietzsche, que lá fundou “colônias arianas puras”), que foi sede do primeiro partido nazista fora da Alemanha e acolheu o genocida Joseph Mengele, que deu guarida a ex-combatentes franceses de extrema-esquerda (como George Watin, inspirador do livro O dia do chacal), começa, agora, a receber os ventos continentais da mudança10. Ou, ao menos, uma leve brisa.
*Paulo Stefanoni é jornalista e pesquisador. Autor, junto com Hervé do Alto, de La revolución de Evo Morales, (Buenos Aires, Capital Intelectual, 2006).