Protestos de junho ensinaram que a mobilização traz mudanças
Lucas Monteiro, do Movimento Passe Livre, comenta as mobilizações previstas para este ano e analisa os impactos da jornada de junho. Para ele, a esquerda por muitos anos se pautou pela institucionalidade. “[Nosso] objetivo é que a população, por meio da ação direta, tome a política nas mãos e participe mais ativamente”Luís Brasilino
LE MONDE DIPLOMATIQUE BRASIL – Qual é a programação do Movimento Passe Livre (MPL) para este ano?
LUCAS MONTEIRO – Não temos um calendário de ações definido, estamos numa fase de planejamento. Vamos continuar com as atividades nos bairros que a gente já mantém, fazendo os debates e atividades neles. Mas de ato nós não temos nada planejado.
DIPLOMATIQUE – Qual é sua explicativa para a Copa? O MPL planeja atividades específicas para esse período?
MONTEIRO – O MPL não tem um planejamento específico em relação à Copa do Mundo. Temos clareza de que provavelmente vai ser um momento de grandes manifestações dos movimentos sociais, porque a Copa é símbolo de um modelo excludente de cidade, de investimento autoritário que não prioriza a circulação da população, e sim o acúmulo de capital. Assim, provavelmente, vão ocorrer manifestações de movimentos sociais, como já estão acontecendo, mas não temos nada planejado.
DIPLOMATIQUE – Tradicionalmente, as maiores mobilizações do MPL ocorreram na sequência de aumentos da tarifa do transporte público. Agora, em virtude das mobilizações de junho de 2013, parece ter havido uma espécie de congelamento dos preços. Como o movimento está trabalhando suas pautas nessa nova conjuntura?
MONTEIRO – Depois de junho, vivemos uma mudança na conjuntura dos transportes nacionalmente. Até então, a gente estava num momento muito reativo em relação às mobilizações de transporte. Mas depois de junho é muito difícil que venham aumentos da maneira como estava acontecendo. Há uma reestruturação da política de transporte. É um momento em que podemos exigir mais, cobrar que o povo decida a política. Tanto que a semana que organizamos no 26 de Outubro [Semana Nacional de Luta pelo Passe Livre] foi muito nessa esteira: agora é o povo que manda no transporte, agora é tarifa zero. Mas não só tarifa zero. Há questões específicas nos bairros, como o corte e o seccionamento de linhas. No M’Boi Mirim, a população, junto com o MPL, luta há muitos anos pela duplicação da Estrada do M’Boi Mirim.
DIPLOMATIQUE – Que projeto o MPL apresenta para discussão com a sociedade?
MONTEIRO – O MPL defende um projeto de lei de iniciativa popular, o Projeto de Tarifa Zero. Só com tarifa zero a população pode realmente circular pela cidade. Além disso, a população tem de participar ativa e efetivamente das decisões sobre transporte. Porque não é um técnico da SPTrans que vai decidir qual é o melhor lugar para passar um ônibus num bairro, e sim a população, que sabe qual é esse melhor lugar. Atualmente o poder de decisão está centrado nos empresários e no poder público. Esse novo modelo introduzido pela Prefeitura de São Paulo, que é de maior seccionamento de linhas – as pessoas vão para terminais e daí embarcam para os grandes centros –, aumenta o lucro dos empresários, porque eles ganham por passageiro transportado. A gente quer que as pessoas tenham transporte de qualidade, que cheguem mais rápido ao trabalho, possam circular livremente pelas cidades; e queremos que elas possam participar das decisões sobre como esse transporte é organizado.
DIPLOMATIQUE – O MST e outros movimentos sociais definiram como agenda prioritária para este ano a realização de um plebiscito sobre reforma política. Vocês pretendem se somar a esse processo?
MONTEIRO – Não temos discutido isso efetivamente. Temos nos preocupado neste momento mais em discutir transporte, porque somos um movimento social de transporte, e em criar organizações e possibilidades para a participação direta da população, e não em discutir uma reforma de como vai se estruturar a política geral no Brasil. Não é esse nosso objetivo. O objetivo é que a população, por meio da ação direta, tome a política nas mãos e participe mais ativamente da decisão e da ação política. É isso que fazemos quando atuamos nas diferentes regiões da cidade; estamos garantindo que a população tome de fato as decisões políticas sobre a cidade. E o que aconteceu em junho foi essencialmente isso: foram as pessoas diretamente decidindo como ia ser a política de transporte.
DIPLOMATIQUE – Nesse sentido, qual é seu balanço sobre a situação da esquerda organizada no Brasil hoje?
MONTEIRO – Durante muitos anos a esquerda focou demais a institucionalidade e menos a organização direta. É a organização, a pressão direta, que vai trazer mudanças para que se construa uma sociedade que a gente quer. É a organização direta que vai permitir às pessoas incorporar a política como parte da vida delas. Essa é a grande questão para a esquerda agora: como estruturar essa organização desde abaixo. E é esse o esforço que o MPL tem feito.
DIPLOMATIQUE – Falando na institucionalidade, como vocês trabalham a questão da eleição deste ano?
MONTEIRO – A gente não se pauta pelo calendário eleitoral. É claro que, nas eleições municipais, nós lançamos materiais especiais discutindo a proposta de transporte que achamos interessante, porque as decisões do transporte são mais em âmbito municipal. Mas não é esse nosso foco. Embora a gente discuta, paute isso, não é por meio da eleição de um partido x ou y que se vai resolver o problema real da população.
DIPLOMATIQUE – Existem muitos setores da esquerda que temem que uma jornada maciça de mobilizações possa alterar o resultado das eleições presidenciais. Como vocês debatem com esses setores?
MONTEIRO – Não temos debatido isso diretamente. A jornada de mobilizações parte da demanda da população. Então, a partir do momento em que existe sentido para uma jornada, esta vai acontecer. E não sei quanto ela vai alterar o momento eleitoral. Não é esse o foco do movimento. É preciso perceber o que está sendo discutido, que é: qual é a prioridade de gastos públicos, de organização da cidade e da sociedade. É isso que a gente quer discutir.
DIPLOMATIQUE – Considerando que as pautas partem da demanda da população, como você tem enxergado os rolezinhos? Eles podem catalisar uma nova jornada de mobilizações?
MONTEIRO – É difícil avaliar isso. Somos um movimento social essencialmente de transporte. Pode-se ter uma interpretação dos rolezinhos como uma discussão sobre o direito à cidade, as pessoas poderem circular, estarem nos mais diversos lugares. Mas é diferente do que aconteceu em junho. [Nos rolezinhos] Não podemos dizer que há uma organização específica discutindo isso. As pessoas estão na prática lutando para circular na cidade, colocando-se em lugares onde o tipo de ocupação que estão fazendo não era permitido.
DIPLOMATIQUE – Você acredita que a dimensão alcançada pelos rolezinhos é um reflexo das mobilizações que ocorreram em junho?
MONTEIRO – Sem dúvida. Junho deu a sensação para a população de que a mobilização traz mudanças. Não só os rolezinhos, mas também as ocupações que aconteceram no Brasil, muitas delas inspiradas no que ocorreu em junho.
DIPLOMATIQUE – O que junho trouxe de ensinamento para o MPL?
MONTEIRO – É difícil, a gente ainda está aprendendo. Mas primeiro reforçou muito o movimento no sentido de mostrar quanto o transporte é um tema essencial na cidade. Mostrou a importância de fortalecer nossos trabalhos nos bairros, porque isso é central para a gente manter o foco e a unidade. E mostrou a necessidade de expandir nossas mobilizações e nossa organização.
Luís Brasilino é jornalista. Editor do Le Monde Diplomatique Brasil.