Quais as consequências do veto brasileiro à Venezuela no BRICS+?
Nas últimas semanas, o Brasil esteve nos centros das discussões do grupo após ter vetado a entrada da Venezuela e da Nicarágua no acrônimo. Esse é mais um capítulo da recente tensão diplomática entre os dois países
Na última semana de outubro ocorreu mais uma cúpula do BRICS+ na Rússia. Entre as grandes discussões colocadas na agenda do bloco, a adesão de países parceiros ganhou protagonismo pela falta de unidade em relação à participação da Venezuela.
O BRIC surgiu em 2005, após a reunião de Brasil, Rússia, Índia e China, que acordaram uma aproximação por serem as economias emergentes daquela conjuntura mundial. Em 2009, a África do Sul passou a fazer parte do grupo, e transformou-se em BRICS. Na última década, o escopo do grupo aumentou com a criação de instituições, como o Banco dos BRICS, para consolidar o projeto de reforma das instituições multilaterais e do sistema financeiro internacional.
Em 2024, o BRICS ganhou a entrada de novos países, como Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã. Assim, o grupo passou a ser chamado de BRICS+, e aumentou sua influência no Oriente Médio e na África. Após a entrada de países-membros, a segunda questão é a entrada de países parceiros, com responsabilidades menores em relação aos sócios.
Na reunião do segundo semestre, na Rússia, apesar da não participação do presidente Lula , em decorrência de problemas médicos, o Brasil esteve nos centros das discussões do grupo por ter vetado a entrada da Venezuela e da Nicarágua no acrônimo. Essa postura é mais um capítulo da recente tensão diplomática entre os dois países.
Segundo o Itamaraty, as razões para a não participação da Venezuela estão amparadas nos recentes acontecimentos políticos internos. A pouca transparência nas eleições presidenciais com a não divulgação das atas fez com que o Brasil não reconhecesse a vitória de Nicolas Maduro no pleito.
Se o Brasil defendeu um veto à entrada venezuelana no BRICS+, por outro lado a Rússia e a China deram apoio ao seu aliado político na América do Sul. Para além de questões internas, os dois países tinham interesse em ganhar dividendos geopolíticos a fim de aumentar a influência do bloco em relação aos Estados Unidos.
A postura brasileira gerou diversas críticas pelos grupos de esquerda que viram a posição pela ótica da submissão aos interesses dos EUA. Inclusive, sob essa mesma visão as notas oficiais da Venezuela sobre o assunto acusaram o Brasil de dar suporte aos estadunidenses na região. Para além dessa visão, quais as consequências do veto brasileiro à Venezuela no BRICS+?
Uma questão pouca abordada nas análises sobre o veto à Venezuela é com relação as consequências internas dessa postura brasileira ao vizinho. Em governos anteriores do PT e do próprio presidente Lula, houve diversos questionamentos em relação à proximidade política entre os dois países. Inclusive, esse argumento foi utilizado por forças de extrema-direita para dizer que o PT e Lula da Silva representavam a volta do comunismo ao Brasil.
Entretanto, com a postura mais tensa entre os países e a opção do veto à Venezuela no BRICS+, criou-se uma carta na manga para que no momento eleitoral de 2026 não ocorra mais essas críticas em relação ao governo petista e à Venezuela. Essa é uma forma do presidente brasileiro e do PT conseguirem bloquear os discursos extremistas.
Além desse evidente ganho político-eleitoral, há outros pontos cruciais a serem analisados nessa tomada de posição brasileira: o distanciamento no BRICS+ deverá trazer consequências para outros espaços de integração entre os dois países, como a UNASUL e o MERCOSUL.
Possivelmente, o nível de relação ficará restrito. Há diversos acordos econômicos que os dois países possuem conjuntamente, o que impede um distanciamento mais efetivo. Vale lembrar que Venezuela possui uma dívida de US$ 780 milhões em virtude do não pagamento de empréstimos junto ao BNDES.
Para finalizar, o veto brasileiro à Venezuela no BRICS+ é uma decisão que trouxe consequências políticas-eleitorais, e econômicas para os dois países. É mais um capítulo de uma relação instável que não deve retornar a normalidade nos próximos anos, salvo se os dois países decidirem tomar posturas políticas que visem acordos e superação das diferenças.
Danilo Sorato é professor de História e Relações Internacionais. Doutorando em Estudos Estratégicos pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Escreveu diversos artigos acadêmicos e jornalísticos sobre as relações internacionais do Brasil, em especial os governos Temer, Bolsonaro e Lula.