Venezuela: um desafio externo para as relações internacionais do Brasil
A pergunta crítica a fazer é até que ponto o Brasil poderá intervir na política de outro país e ao mesmo tempo respeitar o pacto democrático do qual é um participante?
Não é de hoje que a Venezuela é um grande desafio para as relações internacionais do Brasil. Desde pelo menos uma década, a crise política, social e econômica do governo Nicolás Maduro se tornou um problema para a principal liderança da América do Sul. A cada ciclo eleitoral no vizinho, é cada vez mais difícil encontrar uma solução para a legitimidade do regime venezuelano.
Ao olhar em perspectiva, o Brasil já procurou diversas soluções para esse impasse. Em governos mais neoliberais, como foi do ex-presidente Michel Temer, apontou-se para uma postura crítica ao regime Maduro. Além disso, articulou-se o “Grupo de Lima”, no qual diversos países da região latino-americana procuravam pressionar para uma saída do atual presidente venezuelano. A iniciativa foi esvaziada com as mudanças políticas dos últimos anos mais à esquerda.
Na sequência, durante o governo de Jair Bolsonaro, mais afeito à extrema-direita, após a eleição de Nicolás Maduro no pleito presidencial de 2018, articulou-se com a ala mais bolsonarista do governo, um plano de apoio dos Estados Unidos de uma possível invasão da Venezuela. Àquela altura, se não fosse um encontro em Pacaraima em que o vice-presidente da república persuadiu pelo cancelamento da iniciativa, possivelmente o desfecho não seria pacífico.
Com a volta da normalidade das relações internacionais brasileiras do atual governo, e uma postura mais balanceada, ainda assim, não foi possível evitar que o tema Venezuela se tornasse uma espécie de “calcanhar de Aquiles”. Apesar dos esforços do assessor da presidência internacional, Celso Amorim, em manter um canal de diálogo, tem sido recorrente a dificuldade no relacionamento com o vizinho, especialmente, nesse último mês com a vitória presidencial de Maduro contra Edmundo González.
Ao observar o cálculo estratégico a ser feito na postura brasileira em relação à Venezuela é importante levar em consideração três fatores: o econômico, o social e o político. O país vizinho é um dos maiores produtores e fornecedores de petróleo do mundo, e durante um bom tempo foi um dos principais parceiros comerciais brasileiros. Em 2009, no segundo governo Lula, chegou-se há uma corrente comercial de aproximadamente 3,6 bilhões de dólares, tornando-se o sexto maior parceiro comercial do país. Com a crise política e econômica da última década, esse peso se reduziu, e no último ano representou apenas R$ 1,7 bilhões de dólares na balança comercial.
Depois, não se pode desconsiderar o vetor social na tomada de decisão brasileira. Não é mais um mistério que milhares de venezuelanos atravessam a fronteira entre os dois países para fugir da miséria e falta de oportunidades em solo venezuelano. O Brasil, apoiado em uma política de recebimento de refugiados, recebeu os vizinhos por meio da “Operação Acolhida”. Somente esse ano, o Brasil já recebeu cerca de 125 mil venezuelanos, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Embora tenha sido um sucesso a política brasileira migratória, há limites que envolvem encontrar fórmulas que consigam gerar mais desenvolvimento para os venezuelanos, ou seja, trazer dignidade por meio de emprego e programas sociais.
Finalmente, o componente político é mais um ponto a ser destacado na tomada de posição brasileira em relação à Venezuela. O governo brasileiro precisa dar conta de respeitar os princípios de relações internacionais contidos no artigo 4º da constituição federal, bem como alinhar sua postura com a dinâmica política do vizinho. A pergunta crítica a fazer é até que ponto o Brasil poderá intervir na política de outro país e ao mesmo tempo respeitar o pacto democrático do qual é um participante?
Como foi visto acima, já houve diversas tentativas de resolver o assunto Venezuela ao longo da última década. E em nenhuma delas, o Brasil conseguiu exercer uma liderança legitima entre o país vizinho e a comunidade sul-americana. Ao invés de liderar os esforços de resolução da crise política, econômica e social, muitas vezes as tomadas de posição foram equivocadas, como ocorreu com o Grupo de Lima em 2017 e a possibilidade de apoio a uma invasão em 2019.
O Brasil precisa ser assertivo e propositivo ao encontrar uma solução pacífica para os conflitos do vizinho. Não pode deixar de olhar a falta de legitimidade internacional das últimas eleições vencidas por Nicolás Maduro, o que vem fazendo de forma parcial com a cobranças da divulgação atas eleitorais. Entretanto, deve ir além, e propor uma solução mais eficaz que procure discutir de que forma a problema da legitimidade pode ser solucionado.
Uma possibilidade é a busca de uma reunião na América do Sul com participação de todos os países em solo brasileiro. E uma tentativa de mediar um diálogo entre Nicolás Maduro e Edmundo González para que encontrem pontos de convergência solucionado o vencedor das eleições sem precisar utilizar o uso da força por meio de medidas autoritárias do governo Maduro ou o chamamento de golpes pela oposição.
Não basta articular notas coletivas que não vinculem os principais atores políticos da Venezuela ao cumprimento de medidas que solucionem a crise. É preciso ir além com altivez, proposição e assertividade que caracterizaram as gestões anteriores do atual governo. O desafio externo está lançado. Façam suas apostas.
Danilo Sorato é professor de História e Relações Internacionais. Doutorando em Estudos Estratégicos pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Escreveu diversos artigos acadêmicos e jornalísticos sobre as relações internacionais do Brasil, em especial os governos Temer, Bolsonaro e Lula.