Quando a bactéria da covardia se aproveita do vírus da pandemia
Na cena atual de 2020, os ataques ao Brasil e ao povo brasileiro não têm sido menores. Talvez, por conta de o foco estar na Covid-19 e em todos os receios e tensões que essa doença provoca na população é que essa escalada de atos, gestos e posicionamentos absurdos fique meio despercebida ou não chame a atenção como deveria chamar. Presidente e ministros escolheram exatamente esse momento tão delicado e sofrido da vida nacional para demonstrarem despreparo, insensatez, desrespeito e irresponsabilidade.
Dessa vez o Brasil não teve sorte, pois enfrenta os efeitos da pandemia de Covid-19 e, ao mesmo tempo, o pandemônio de um grupo no poder que – ao atacar, covardemente, a Constituição, as leis, a economia, a natureza, outros países, a lógica e a própria população brasileira – expõe as vísceras já apodrecidas de um “novo” desgoverno.
Esses ataques, todos oportunistas e covardes, do presidente Jair Bolsonaro e de muitos de seus ministros têm ocorrido com frequência tão intensa (várias vezes por dia), com alcance tão amplo (saúde, educação, economia, justiça e segurança, meio ambiente, cidadania, dentre outras áreas) e com divulgação tão aberta (grande mídia televisiva, radiofônica e escrita e nas redes sociais via internet) que todos já percebemos, mas alguns – embora bastante preocupados e envergonhados – ainda não conseguem admitir.
Mesmo antes da chegada do coronavírus, inúmeros posicionamentos e medidas do presidente Jair Bolsonaro e de alguns de seus ministros, ainda em 2019, foram nitidamente prejudiciais ao Brasil e seu povo, como: liberação de 439 novos agrotóxicos; alteração abrupta no Programa Mais Médicos, deixando milhões de brasileiros das regiões mais distantes ou periféricas sem qualquer atendimento em saúde; desmonte da cultura, inclusive com o fim do Ministério da Cultura; desmantelamento da inspeção do trabalho, com a extinção do Ministério do Trabalho; mudanças na Previdência que diminuíram o valor dos benefícios e dificultaram ou impediram o direito a futuras aposentadorias e pensões, aumentando a insegurança do consumidor e freando a economia produtiva com agravamento do desemprego.
E essa lista de prejuízos seguiu: entrega barata de boa parte da exploração do petróleo às petrolíferas estrangeiras; afrouxamento do combate às queimadas e ao desmatamento que produziu numerosos e vexatórios recordes de incêndios nas matas e árvores cortadas; fechamento, através de decreto presidencial, dos comitês do plano de ação de incidentes com óleos que facilitou o derramamento de todo o óleo que atingiu duramente as praias, a vida marinha, os pescadores, o turismo e a economia; suspensão do uso de radares móveis nas estradas e das cadeirinhas para proteção às crianças nos veículos, causando graves ferimentos e mortes; alinhamento imediato e automático do Brasil com os EUA, com todos os prejuízos institucionais, sociais e econômicos que essa imaturidade diplomática no trato subserviente dos interesses do País já vem gerando.
Desserviços dos ministros
Na cena atual de 2020, os ataques ao Brasil e ao povo brasileiro não têm sido menores. Talvez, por conta de o foco estar na Covid-19 e em todos os receios e tensões que essa doença provoca na população é que essa escalada de atos, gestos e posicionamentos absurdos fique meio despercebida ou não chame a atenção como deveria chamar. Presidente e ministros escolheram exatamente esse momento tão delicado e sofrido da vida nacional para demonstrarem despreparo, insensatez, desrespeito e irresponsabilidade.
A colaboração negativa mais “eloquente”, por exemplo, do ministro das Relações Exteriores – o mesmo que já dissera não haver aquecimento global por ter sentido frio em Roma, no mês de maio – foi a de ajudar o deputado federal e filho mimado de Jair Bolsonaro no ataque desrespeitoso feito à China, pois o deputado agrediu, com base em chula ideologia, o país asiático, exatamente no momento em que o mundo precisa contar com o conhecimento chinês sobre o novo vírus, pois a China tem enviado a diversos países, boa parte em doações, toneladas de máscaras, aventais e outros EPIs, bem como testes para confirmação do coronavírus.
Por sua vez, o ministro da Educação fez piada de conteúdo racista e preconceituoso contra o povo chinês. Esse ministro, que prefere gastar seu tempo criando confusões através de frases ofensivas e ocas de sentido, mesmo com um país continental e milhões de estudantes e professores para cuidar, seguiu a cartilha administrativa do atual Executivo Federal que preza por ataques gratuitos aos países não bajulados pelo presidente Jair Bolsonaro. O descompromisso com a educação foi tamanho a ponto de o ministro da Educação se utilizar, sem qualquer permissão de uso de direito autoral, de personagem da Turma da Mônica, muito conhecido e admirado pelo público infantil, para zombar e ofender um povo oriental.
Já o ministro do Meio Ambiente divulgou um antigo vídeo do médico Drauzio Varella em que, por não estar definida ainda a pandemia, o médico tentava explicar e acalmar a população para evitar a procura exagerada à rede de saúde pública. Esse desserviço do ministro do Meio Ambiente somou-se às aparições e falas do presidente Jair Bolsonaro que já mandava insistentemente a população ir para as ruas e viver vida normal, embora diante de doença de fácil contágio e que ceifa a vida de jovens, atletas, adultos e idosos por todo o mundo.
Do ministro do Meio Ambiente veio também um ato de proteção ao garimpo ilegal e que levava risco de disseminação do novo vírus às aldeias indígenas do sul do Pará. O ataque aos índios, inclusive em plena Semana do Índio, foi a demissão do Diretor de Proteção Ambiental do Ibama, que coordenou operações que afastaram da região garimpeiros que, não somente agiam ilegalmente, mas também agrediam a natureza e representavam sério risco de contaminação dos povos nativos pela Covid-19.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, que no passado recente pousara como herói nacional e salvador da pátria, cuidou de desaparecer rapidamente nessa época de enfrentamento ao coronavírus. Uma de suas breves participações foi em dizer que “é uma crise de saúde, não é uma crise de segurança.” Interlocutores do ministro, segundo notícias amplamente divulgadas, trouxeram uma frase bastante reveladora do ministro: “não tem como prender o vírus”.
Note-se que ao se restringir a “prender”, o ministro da Justiça e Segurança Pública abre mão de efetivamente exercer as atribuições legais do cargo que ocupa. Um ministério incumbido de cuidar da Justiça e da Segurança de um país com tanta desigualdade e exclusão como o Brasil jamais poderia ser chefiado por alguém com visão e atuação tão superficiais e acanhadas. Passado este período de luta contra o coronavírus e apuradas as perdas humanas e sociais que poderiam ser evitadas ou minimizadas caso o ministro entendesse melhor seu papel e cuidasse do amplo trabalho que poderia ter desenvolvido, talvez uma reforma ministerial o coloque no lugar certo: “Ministério de Prender Gente”.
Não ficando atrás, o ministro da Cidadania – aquele que é réu confesso de uso de caixa 2 em campanha eleitoral e que o atual ministro da Justiça disse “ele já admitiu e pediu desculpas” – tem dividido seu tempo entre bajular o presidente Jair Bolsonaro e não conseguir pagar aos brasileiros, no tempo que a urgência exige, o auxílio emergencial aprovado pelo Congresso Nacional. Essa é a ajuda que o ministro da Economia (outro sumido, mesmo estando a economia em perigo) e Jair Bolsonaro se amarram para oferecer e que eles queriam que fosse de apenas R$ 200.
Vale lembrar que o próprio ministro da Economia disse que seriam destinados, nessa crise da Covid-19, à saúde e à manutenção dos empregos, um total de R$ 750 bilhões, enquanto que apenas para este ano de 2020, no orçamento federal, foram reservados R$ 1,603 trilhão para entregar aos bancos em pagamento de amortizações e juros da dívida. Ou seja, o que esse pessoal que está no poder chefiado por Jair Bolsonaro guardou para entregar aos banqueiros é mais de 2 vezes o valor que será utilizado para atender a todos os brasileiros na saúde e na economia, como socorro à crise provocada pelo novo coronavírus.
Capitão quer afundar o barco
Como bom capitão desse time de muitos incautos, Jair Bolsonaro tem tomado à frente, batido na mesa e exigido para si a posição de chefe maior dos ataques gratuitos, dos atos e palavras desrespeitosos, das ameaças à saúde pública e das agressões à Constituição Federal e às leis. Nessa toada de desequilíbrio e irresponsabilidades, o chefe do Executivo Federal coloca a máscara em reuniões, tira a máscara em passeios públicos e aglomerações que promove e manda o povo sair de casa contrariando as indicações médicas e científicas. Pasmem! Até remédio contra a Covid-19 o presidente-capitão tem receitado em público.
Bolsonaro insiste em contrariar todas as indicações das autoridades em saúde, seja instigando a população a ir às ruas, seja indicando uso e receitando indiretamente hidroxicloroquina ou cloroquina, cuja procura cresceu a ponto de faltar para os pacientes que fazem tratamentos. No limite do esticar da corda, Jair Bolsonaro passou a atrapalhar os dias de trabalho do Ministério da Saúde e culminou com a demissão do ministro escolhido por ele em 2019.
AI-5
No domingo 19/04, Jair Bolsonaro participou de uma manifestação que pedia intervenção militar, aplicação de normas semelhantes às do Ato Institucional nº 5, fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal e cassação dos governadores dos estados. Estando no evento público, ele, além de mais uma vez colaborar para aglomerações proibidas por causa das precauções ao contágio do coronavírus, assistiu às falas e viu os cartazes e faixas em ataque à democracia, depois falou em apoio ao que ouvia das pessoas e lia nos cartazes ali, sem fazer qualquer ressalva ou correção em defesa das instituições e do Estado Democrático de Direito.
Quanto ao AI-5 a história é feia e triste, mas é preciso lembrar. Com a promulgação do AI-5, durante a ditadura militar, o General-Presidente adquiria poderes para: a) cassar os mandatos legislativos e executivos, federais, estaduais e municipais; b) suspender os direitos políticos dos cidadãos e demitir servidores; c) demitir e remover juízes; d) decretar estado de sítio sem quaisquer restrições; e) confiscar bens; f) legislar por decreto e por outros atos institucionais completares; g) deixar extinto o direito a habeas corpus aos acusados de crimes contra a segurança nacional; h) os acusados pela ditadura passaram a ser julgados por tribunais militares sem direito a recorrer.
Diante de mais essa grave e inconsequente conduta de Jair Bolsonaro, é preciso examiná-la, e muito bem, à luz da Constituição Federal, que trata em seu art.85, como crime de responsabilidade do Presidente da República atentar contra a Constituição e contra o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação (Executivos, Legislativos e Judiciários dos estados federados), bem como atentar contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais.
Os desavisados presentes nessas manifestações que pediam regime duro e não democrático, fechamento do Legislativo e do Judiciário e medidas antidemocráticas e sufocantes ao estilo do sombrio e nefasto AI-5, e talvez o maior representante desse desaviso e dessa inconsequência: o próprio Presidente Jair Bolsonaro precisam saber que segurar faixas e cartazes e pregar a ação de grupos armados contra a ordem constitucional pode configurar apologia a crime inafiançável e imprescritível, conforme determina o inciso XLIV do art.5º da Constituição Federal. Fica também o aviso aos navegantes que postar, compartilhar ou curtir esse tipo de conteúdo pela internet também pode implicar a prática do mesmo delito.
Carlos Cardoso Filho é vice-presidente da Federação Nacional dos Auditores e Fiscais de Tributos Municipais-FENAFIM, Coordenador-Geral da Associação Pernambucana dos Fiscos Municipais-APEFISCO, Auditor Tributário do Fisco Municipal do Ipojuca-PE, Professor de Direito Tributário, Engenheiro Civil (UNICAP), Bacharel em Direito (UFPE) e Pós-graduado em Direito Administrativo pela (UFPE).