Nuruddin Farah, único romancista de língua inglesa da Somália, é também um dos mais talentosos do mundo anglofônico. Nada impede àqueles que vêm das regiões socialmente desfavorecidas de subir aos mais altos níveis artísticos, a exemplo de um Mahmud Darwish, o poeta palestino que vagou por campos de refugiados e no exílio.
Tendo conseguido a independência em julho de 1960, a Somália nasceu entre sangue e violência. Objeto de disputa do Império britânico com a Etiópia e a Itália fascista do pós-guerra, esteve no centro da rivalidade Leste-Oeste durante a guerra fria. Desde 1991 – com a queda do ubuesco ditador Siyad Barre -, o país é presa da guerra civil.
Um livro tão excitante quanto exigente
Nascido em 1945 em Baidhoda, no Sul do país, Nuruddin Farah cresceu em Ogaden, uma província da Etiópia próxima à sua terra natal, e estudou na Índia e na Inglaterra. Forçado ao exílio em 1974 pela junta militar, só pode rever seu país destruído vinte anos mais tarde. Depois de Territoires e Dons, [1] as duas primeiras partes de uma trilogia tão excitante quanto exigente, surge agora a tradução francesa da terceira parte, Segredos, que fecha a obra, intitulada Blood in the Sun.
O pano de fundo é, como declara o autor, a nação órfã. Uma Somália pós-ditadura que não deve nada aos clichés da CNN ou às imagens retocadas e inofensivas da National Geographic.
“Poderes animais mais fortes”
Em 1991 Mogadiscio está a beira do caos. Kalaman, jovem técnico em informática, protagonista desse grosso e palpitante romance, sempre soube que segredos estranhos envolviam as origens e as circunstâncias de seu nascimento. Na sua vida tudo é obscuro, até o significado de seu nome: “Meu nome, Kalaman, traz à tona as lembranças de uma paixão infantil… Como uma resposta fácil a uma charada aparentemente difícil, meu nome provoca em muitas pessoas reações surpreendentes”.
A trama do romance se complica quando Kalaman confessa que está apaixonado por Sholongoo, uma mulher duugan, ou seja, destinada a ser enterrada por ter nascido num dia desgraçado e de “poderes animais mais fortes” que os dela. Nesse ponto se reconhece o talento do autor em pintar personagens femininas sem nenhum traço angelical ou de feminismo militante.
De braços dados com o destino
A obra de Nuruddin Farah mama na história e na cultura da península somali. Seu estilo, trespassado por mitos, lendas, alusões ao Corão e pela poesia da terra, está a serviço de um imaginário barroco e fabuloso que Günter Grass não negaria. Como sempre, na obra de Nuruddin Farah a busca pessoal segue de braços dados com o destino de toda a comunidade, para não dizer continente.
Ele possui segredos que são revelados apenas por um grande escritor a seus leitores. Alguém falou em Segredos?
Nuruddin Farah, Segredos , terceiro volume da trilogia Blood in the Sun, traduzido do inglês por Jaqueline Bardolph, ed. Le Serpent à plumes, Paris, 1999, 45