Quando os africanos migram para o Sul
A cada ano, 25 mil africanos ocidentais – esmagadoramente homens – tentam a sorte em direção à África do Sul. Um êxodo realizado também por 20 mil etíopes e somalis e centenas de milhares de zimbabuenses e moçambicanos. “É uma loucura o que eles fazem! Uma viagem ainda mais difícil do que a vida da qual estão fugindo”Guillaume Pitron
Já é meio-dia e Étienne Bokoli, um tradutor congolês de 20 anos, começa a ficar impaciente. A pino, o sol de inverno lança seus raios fustigantes sobre os telhados ondulados do vilarejo de Messina, e nem sinal de seu amigo Babasar. Faz sete horas que o senegalês está recluso com centenas de clandestinos no Centro de Acolhimento de Refugiados dessa cidadezinha sul-africana na fronteira com o Zimbábue. “Ele atravessou a fronteira pelo mato e se apresentou esta manhã ao serviço de imigração, aterrorizado, sem conseguir expressar em inglês seu pedido de asilo. Eu lhe servi de intérprete”, contaBokoli, que espera alguns rands1 em troca.
Um avião de Dacar para Kinshasa, outro até Lubumbashi, depois um mês errando pelo Zâmbia e o Zimbábue… Como Babasar, “milhares de clandestinos vindos dos confins da África subsaariana chegam todo ano a Messina por terra”, relata Mpilo Nkomo, do escritório local da Organização Internacional para as Migrações (OIM). Por algumas centenas de rands,tindiqueurs(intermediários) zimbabuenses desmancham as cercas triplas de arame farpado e facilitam a travessia do Rio Limpopo. “Homens, mulheres, crianças, todos atravessam a nado durante a noite. Você tem sorte se não for roubado no mato pelos próprios intermediários nem topar com um crocodilo ou uma mamba-negra”, detalha Nkomo.
Passando pelas patrulhas da fronteira, eles se aglomeram no edifício cercado por grades vermelhas. Da Somália à Mauritânia, do Chade ao Zimbábue, todas as etnias do subcontinente mandaram um representante esta manhã. Lá vão eles, tom sobre tom de ébano, deixando o centro a conta-gotas, com uma autorização de residência temporária na mão. No meio dessa paleta africana, Babasar. Ou melhor, um homem assustado que encontramos na estação de ônibus, tentando se enfiar num táxi coletivo. Seus membros fraquejam, os lábios tremem. Ele conseguiu, e mesmo assim o medo de ser parado na última fronteira permanece vivo. O homem de 30 anos consegue no máximo resmungar algumas palavras. A van não passa de um ponto branco na estrada para Johannesburgo.
Bokoli diz cruzar com uma média de cinco africanos ocidentais por semana. “Sobretudo do Senegal e de Gana. É uma loucura o caminho que eles fazem! Uma viagem ainda mais difícil do que a vida da qual estão fugindo.” Em Johannesburgo, Ismael Fofana conhece a história: “Todos os dias candidatos à viagem me ligam da Costa do Marfim”, relata o sobrevivente que veio de Abidjan há alguns anos. “Eles não dão bola para minhas advertências! Desde a Copa do Mundo de 2010, só sonham com a África do Sul.”
A 9 mil quilômetros de asfalto e terra, Abidjan, principal cidade da África Ocidental, ergue suas torres orgulhosas e secas sobre a laguna que margeia o Golfo de Benin. Em abril de 2012, a cidade inteira, engolida pelas ondas de calor, aguarda a chegada das tempestades que abrem a estação chuvosa. Até os wôro wôro, os Peugeot 404 que servem ao transporte coletivo, parecem desacelerados pelo ar pesado.
“Em Abidjan, nós não vivemos, sobrevivemos.” Com uma Nikon prateada no pescoço, Razak Bakare, fotógrafo de andar cambaleante, lamenta o fim da belle époque do presidente Houphouët-Boigny.2 Crises econômicas, atentados contra o pluripartidarismo, guerra civil… Nas duas últimas décadas, o declínio da Costa do Marfim ofereceu a toda a África francófona o espetáculo de sua degradação. Os confrontos após as eleições de 2010 acabam de colocar o país de joelhos.
“Na Costa do Marfim, você pode escolher entre duas formas de morrer: ou fica na miséria e morre, ou se aventura a partir… na esperança de vencer”, explica Razak. Historicamente, os candidatos a ir embora sempre se voltaram para o antigo colonizador francês. Mas a emigração passou de um caráter mais cultural para o econômico. As condições de imigração na Europa endureceram. E, além disso, “se todos formos embora, quem vai construir a África?”, inquieta-se o cantor de reggae Ismael Isaac. Marrocos, Quênia, Angola… – antes orientados para o Mediterrâneo, os ponteiros da bússola agora giram em direção às economias emergentes do subcontinente. Principalmente a primeira delas, polo de futuro e crescimento, “a nova América!”, poder-se-ia ousar: a África do Sul.
“É um país mais acessível que a Europa”, argumenta Felix Gnammoua, operário de 24 anos. “Trabalhando o mesmo, ganho dez vezes melhor aqui!”, acrescenta Tiemeko Koné. Sentado em um maquis (bar) de Port-Bouet, o professor de inglês enfrenta o sol com os meios que tem: alguns lenços de papel e uma Fanta Laranja. E sonha em conhecer a convivência entre brancos e negros, fazer um documentário e encontrar Nelson Mandela. Para o visto e o voo, ele previu um orçamento de 2 milhões de francos CFA3 – três anos de salário médio. “Vou embora assim que conseguir o visto, inch’Allah!”
Esses aventureiros ocultam uma segunda classe de migrantes: os pobres demais para alcançar os aeroportos, mas suficientemente abastados para pegar a estrada. “Guardei o bastante para realizar a viagem em algumas semanas”, garante Falla Bouanama. Para esse jovem envolto numa elegante túnica vermelha, a loucura na estrada se anuncia vitoriosa, “pois no final eu volto para casa!” Após sete anos na África do Sul, Bouanama retornou à Costa do Marfim para ver sua família. E agora sonha com uma nova partida. Seus olhos brilham à menção do pôr do sol na praia de Point Street, em Durban, e dos bairros chiques de Johannesburgo, onde trabalhou como vendedor ambulante. Assim como ele, seus companheiros que buscam um “lugar melhor”, espalhados ao longo do arco que liga Nouakchott a Lagos, espreitam o futuro na direção oposta daquela que um dia seus pais vislumbraram.
E, para aliviar o fardo de dor e de esperança, dezenas de empresários do transporte se oferecem para “facilitar” o trajeto. Entre eles, Sanogo Bassikini e Édouard Amoussou organizam suas operações em uma discreta estação de ônibus em Port-Bouet, encravada entre o betume que desliza em direção a Gana e as praias de açúcar mascavo que as ondas do Atlântico vêm reverenciar. Os dois compadres reconhecem que “nem sempre arranjam soluções muito legais”, mas não importa, lança Amoussou, “em Abidjan, todos os transportadores são meio contrabandistas!”.
“Um passaporte e uma caderneta de vacinação bastam para que os cidadãos da Costa do Marfim viajem pela Cedeao [Comunidade dos Estados da África Ocidental]”, explica Bassikini. Além disso, 75 mil francos e cinco dias de viagem através de Gana, Togo, Benin e Nigéria permitem alcançar a cidade costeira de Calabar, na fronteira com Camarões. Sem dinheiro para pagar o visto, a maioria segue então na clandestinidade. Felizmente, os dois homens teceram, até Kinshasa, uma teia de revezamento na passagem das fronteiras. “O primeiro espera em Lagos, o segundo em Duala”, garante Bassikini correndo os dedos sobre um mapa da África. “Você vai ver, todos os clandestinos se encontram em Camarões.”
O êxodo para Johannesburgo raramente se dá de uma tacada só. Ele é pontilhado por cidades de apoio onde os viajantes passam alguns dias, às vezes vários anos, o tempo necessário para juntar algumas economias. Reunidos por nacionalidade, um rio de imigrantes encontra refúgio junto aos vendedores de sonhos do Mercado Congo de Duala, em Camarões – um labirinto de ruas estreitas ladeadas por sucateiros e vendedores de mamão, atravessado pelo cheiro de frango assado e tempero Maggi, a 2,5 mil quilômetros de Abidjan. O canto do muezim compete com as narrativas de viagem em que a ganância dos contrabandistas disputa com a corrupção policial e a brutalidade dos bandidos das estradas.
A “500 francos” de motocicleta do mercado – aqui não se gosta de contar o tempo –, outro viajante narra sua epopeia: “Aventurar-se em direção à África do Sul é ir à Lua!”. Educado, de olhos cintilantes, Bruno Firmin é uma dessas estrelas solitárias jogadas nas estradas obscuras da imigração clandestina. “Toda família africana tem seu herói: um jogador de futebol, um cantor ou… um imigrante que se aventurou mundo afora.” Há alguns anos, esse ganês foi designado para realizar as ambições de seus irmãos: “Viajar, vencer e mandar dinheiro ao país pela Western Union”. Ele narra a história em uma confusão de risos e lágrimas: a viagem errante ao Brasil, o gosto das garotas nas praias de Copacabana, o suor nos campos de algodão de Santo Domingo, o sonho norte-americano interrompido no Haiti pelo terremoto de 2010. Repatriado para Gana pelas Nações Unidas, “ninguém mais me respeitava. Eu estava destruído”.
Para “ganhar o respeito que [lhe] era devido, foi preciso partir novamente, desta vez para a África do Sul”. Uma redenção pela estrada realizada no porão de um cargueiro entre Acra e Duala, “com umas frutas, latas de sardinha e uma toalha servindo de banheiro”. Após oito dias de viagem, “foi preciso desembarcar à noite e pagar 10 mil francos à polícia. Depois tive de corromper outro policial para conseguir uma identidade falsa camaronesa”. Faz cinco meses que Firmin vive de bicos. Quando vai chegar ao seu destino? “Não tenho ideia; talvez em um ano?”
A cada ano, 25 mil africanos ocidentais4 – esmagadoramente homens – tentam a sorte em direção à nação arco-íris. Um êxodo realizado também por 20 mil etíopes e somalis5 e centenas de milhares de zimbabuenses e moçambicanos.6 “Esses rapazes partem a qualquer preço”, observa, sentado em frente à piscina do Hotel Sawa, o cientista político Jean-Emmanuel Pondi. Para muitos deles, a corrida acaba no Gabão, em Angola ou na Guiné Equatorial: Estados tão ricos de seu petróleo quanto lotados em suas fronteiras. “Os migrantes olham as barreiras aduaneiras como se um antepassado tivesse deixado uma enorme herança do outro lado!”, zomba Emmanuel Bienvenu, que faz a ligação entre os migrantes que se aventuram ilegalmente e os intermediários. Podem-se ver aí os sinais de uma geração cada vez mais privada do Ocidente?
90% das migrações
Ao contrário da ideia firmemente enraizada, “as estatísticas absolutamente não corroboram esse medo de uma invasão da Europa pela África”, analisa Pondi. Os espetaculares naufrágios de barquinhos sobrecarregados com africanos famélicos no Mediterrâneo não mudam essa realidade: “A cada cem imigrantes africanos, apenas cinco chegam à América do Norte e um à Europa.7 Noventa e dois emigram para outro país africano. A África está se descobrindo”.
À imagem das pessoas do interior que vão ao país vizinho trabalhar numa plantação, mina ou campo petrolífero, essas migrações geralmente ocorrem entre Estados fronteiriços. Os mais ousados projetam suas esperanças para além da sub-região. Atravessar o continente até a África do Sul é a exceção. De qualquer modo, a transgressão das fronteiras – “arbitrariamente impostas pela Europa, mas que geralmente não têm nenhum sentido prático”, lembra Pondi – prenuncia a integração econômica necessária ao desenvolvimento do continente… Carregados de uma péssima reputação, seriam os intermediários da engrenagem necessária?
“Toda quinta-feira, às 3 horas da tarde, Ngom senta-se em uma lanchonete da comuna de Akwa, e em cinco minutos toda a vizinhança sabe que ele está lá”, conta Bienvenu. O dia passa ao som de buzinas e motores no Bulevar de l’Unité. No térreo do restaurante, Ngom supervisiona com olhar sonolento o carregamento de um ônibus com destino à cidade de Bata, na Guiné, enquanto no primeiro andar uma moça bem-apessoada recolhe 20 mil francos por passageiro. “É o triplo da tarifa normal, mas por esse preço Ngom molha a mão do pessoal da fronteira e garante que eles não inspecionem ninguém”, explica Bienvenu. Até os comerciantes da Guiné utilizam os serviços desse ex-policial que virou intermediário para viajantes… em situação regular! Um esconderijo ideal para os clandestinos, “que, com mais 20 mil francos, estão autorizados a se mesclar na multidão”.
Os aventureiros a caminho da África do Sul transitam pelo vizinho Gabão. Prevenido, Ngom os coloca de volta no caminho sob os cuidados de um colega que, “graças aos contatos com autoridades muito bem posicionadas, encarrega-se de passá-los pelo posto de fronteira de Ambam”. Considerado xenófobo, o Gabão fez de sua polícia de imigração o pesadelo dos clandestinos – e de Vié em particular. Parado em Libreville, “eu fui expulso no primeiro cargueiro a caminho da África Ocidental”, relata o marfinense. O navio encarregado de afastá-lo de seu sonho estava sob o comando de “um enorme capitão todo tatuado”. Ironia da viagem, “ele era sul-africano”.
“Saindo de Duala, melhor tomar o ônibus para Iaundé e em seguida para Bertoua, em Camarões Oriental”, recomenda um conhecedor do assunto. “Chegando ao posto de fronteira da República do Congo, você consegue o visto por 60 mil francos. A cidade de Ouésso fica logo do outro lado.” Para economizar, Emeka8 foi pelo caminho do suborno e da lábia: “Em cada posto de controle, eu vestia meu uniforme de futebol e dizia aos policiais que estava indo jogar no AS Vital Club de Kinshasa!”, explica o jogador profissional. “Assim eles simpatizavam comigo.”
Em 2006, ciente de que, para alcançar seu sonho, teria primeiro de percorrer a África, Emeka lançou-se na estrada com “um par de chuteiras, uma camisa, uma escova de dentes e um cartão de crédito”. Chegando a Ouésso, faltava atravessar a floresta de ônibus até Brazzaville: uma expedição “indescritível, por uma estrada de terra sinuosa, vivendo de mangas e laranjas. Na chegada, eu estava acabado”. Um mês e 3 mil quilômetros foram necessários, a partir de Duala, para alcançar, preso no atoleiro da África, a próxima parada para os migrantes: a praia Ngobila.
São 11 horas de uma manhã de junho e a primeira fronteira terrestre de Kinshasa, colada às águas escuras do Rio Congo, fervilha de militares, comerciantes e carriolas remendadas. Homens mutilados, mulheres vestindo bubu, sacos de juta, cadeiras, cestos de frutas e legumes, toda a energia desordenada da África contida num batel com destino à República Democrática do Congo aperta-se diante de Louis, agente do serviço de imigração. O congolês atarracado e de andar requebrado só fala diante de uma Turbo, cerve
cerveja local servida gelada em uma mesa do Bloc, um bairro animado de Kinshasa: “O pessoal do Oeste passa em massa pela praia”, observa, antes de garantir que, “se não tiverem visto, são mandados de volta”.
A realidade é mais complicada… “Os vinte funcionários lotados em Ngobila ganham US$ 200 por mês, um salário de fome!”, retruca David Lelu, consultor da OIM em Kinshasa. “Então, eles mesmos facilitam a passagem, mediante até US$ 500 de propina por dia por funcionário, três dias por semana.” E Lelu descreve a única coisa mais ou menos organizada da República Democrática do Congo: “Um vasto sistema de corrupção, no qual os agentes da imigração pagam uma porcentagem de seu espólio aos escalões superiores”, chegando até a presidência.
E para lubrificar essas engrenagens, vinte intermediários gozam de uma entrada quase oficial em Ngobila: “Nós éramos cem há dois anos, mas houve uma limpa”, esclarece Jérémie.9 Sentado numa lanchonete do submundo de Kinshasa, o ex-funcionário do Ministério do Interior que desde 2004 entrou no negócio das viagens clandestinas sustenta por vários minutos um olhar desconfiado. Mas continua: “Geralmente, um intermediário que atua em Brazzaville me liga e avisa que dez pessoas vão aparecer na praia. Eu logo reconheço os africanos do Oeste: eles têm entre 18 e 30 anos, viajam com pouca coisa e estão tão traumatizados com a viagem que parecem estar fugindo da guerra”.
E quanto ele cobra por passagem? “Entre US$ 500 e US$ 1 mil por viajante, dependendo de seus recursos. Depois pago uma comissão US$ 200 a US$ 1 mil aos policiais, de acordo com sua graduação.” E no ritmo de “150 pessoas ajudadas por ano”, a praia Ngobila tem mais buraco do que peneira… Isso sem falar das dezenas de pequenos portos fora da cidade, que os candidatos a exílio disfarçados de pescadores alcançam de canoa durante a noite.
Solidariedade clandestina
“Quando chegam, os africanos ocidentais são recebidos por uma família”, explica Jérémie. “Os laços étnicos e tribais são muito fortes.” Seu reino tem endereço nos sombrios meandros do Grande Mercado. Um turbilhão de lojinhas enoveladas, como se guardassem um precioso segredo. Calejada pelas incursões das autoridades, “a comunidade faz um paredão em torno de seus clandestinos”, justifica Coulibaly Bouya, líder dos malineses de Kinshasa. Integrados, falando lingala, vivendo de bicos como churrasqueiros ou sapateiros, os viajantes economizam na expectativa de uma nova partida.
“Esta aventura é a aventura do sofrimento, da merda”, desabafa Bouya. Muitos homens vão para as províncias de diamante de Lunda-Norte, em Angola, envolvidos pela rede de tráfico de seres humanos, enquanto as meninas, em sua maioria congolesas, vão morrer lentamente nos bordéis de Luanda. Conhecendo o estupro, a tortura e as expulsões em massa, cada vez mais migrantes tentarão, de acordo com Jérémie, chegar à África do Sul – como Emeka. Em 2010, o nigeriano calçou suas chuteiras para chegar a Johannesburgo.
Com as estradas intransitáveis, ele foi de avião a Lubumbashi, na fronteira com o Zâmbia. O início de um longo pesadelo: parado, “eu passei sete meses na prisão, antes de ser transferido para um centro de detenção de migrantes em Kinshasa”. “Uma prisão oficiosa”, lembra Lelu. “Ninguém consegue acesso a ela, nem com a permissão do Santo Padre!” Emeka fala em “mais dois meses de detenção sem ver a luz do dia”. Sua libertação foi providenciada por “um visitante desconhecido que falava inglês”, o qual teria pago US$ 250 para soltá-lo. “Nunca mais o vi.”
Vivendo de comprar e vender peças de motocicletas, Emeka vê, aos 29 anos, seu sonho de jogar de futebol se distanciar. Tanto sofrimento para reconhecer, quando olha os seis anos em que vagou pela África, que tomou “decisões erradas” e que “a Nigéria é melhor, muito melhor que o Congo”. Depois, esta frase ambígua: “I have made a long move” [“Fiz uma grande aposta”]. Paralisado entre a humilhação do retorno e a angústia de partir novamente, esse rapaz de olhar esvaziado por tanto sofrimento é a imagem de todos esses desconhecidos esmagados por seus sonhos. “A aventura de cair no mundo é um jogo de pôquer: ou você se torna um herói ou se vê negado em sua humanidade”, observa Michael Tschanz, chefe de missão da OIM em Kinshasa. Já desgarrados, “muitos preferem simplesmente desaparecer”.
Os que escapam da África Central seguem de avião até Lubumbashi, capital da província de Katanga e porta de entrada para as terras do Sul. “Todo mundo passa pelo posto de fronteira de Kasumbalesa”, admite pelo telefone uma intermediária congolesa. “Em dois dias, por US$ 250, consigo levá-los de ônibus para Lusaka, Harare e Johannesburgo.” Em linha reta através da savana, a rodovia faz uma curva ao se aproximar da capital sul-africana. Ao longe, as torres do Central Business District, o bairro de negócios, erguem-se em um céu azul elétrico. O veículo sai da N1, ziguezagueia por um rosário de avenidas traçadas à régua e então para sob a marquise de uma estação de ônibus. Fim.
Parktown North fica a apenas algumas centenas de metros. Pendurado no telefone em seu vasto apartamento desse bairro popular, Marc Gbaffou tenta livrar seu irmão mais novo de um controle policial. Com uma legislação favorável aos refugiados políticos, congoleses, somalis e zimbabuenses são facilmente admitidos na África do Sul. Mas, para os oriundos da África Ocidental, a história é outra: “Eles são encaminhados de volta sem nem sequer pedirem seus documentos!”, lamenta o representante da comunidade marfinense. O simpático quarentão, que chegou em 1997 e se tornou engenheiro de alimentos depois de ter sido verdureiro, repete cada vez mais enfaticamente: seu sucesso é uma exceção. “Em geral, os migrantes não conseguem realizar seus sonhos aqui. Mas eles tentam”, admite. “A África do Sul é um casamento por amor e ao mesmo tempo por conveniência.”
União que na maioria das vezes é consumada no bairro de Yeoville. À sombra dos tristes edifícios, um exército de vigias, artesãos, pedreiros e barbeiros tenta achar um lugar ao sol na África austral, enquanto dezenas de milhares de outros migrantes vão trabalhar nas explorações mineiras e florestais de Cabo Setentrional e Kwazulu-Natal. Uma mão de obra mantida propositadamente à margem do sistema, portanto, flexível e barata. Ao mesmo tempo, “os migrantes são acusados de minar os padrões sociais”, analisa Aurélia Segatti, pesquisadora do Southern African Migration Programme, da Universidade de Witwatersrand. “Os estrangeiros são o bode expiatório das frustrações populares.” A pesquisa de opinião realizada em 2008 pelo World Values Survey10 mostra isso: a África do Sul está no topo dos países mais xenófobos do mundo.
E os governantes continuam: “Reforçam a luta contra a fraude de documentos, instaura-se o controle biométrico, multiplicam-se as rejeições na fronteira. Em quinze anos, 2,5 milhões de estrangeiros foram expulsos”, observa Aurélia. “Mas as autoridades nunca levaram em conta a dimensão econômica das migrações!” Paradoxo de uma nação que alega sua condição de potência emergente, mas não consegue assumir as consequências disso… Ao mesmo tempo, os “irmãos” africanos que, das missões de caridade nigerianas aos formulários de impostos moçambicanos, apoiaram outrora o African National Congress(ANC) em sua luta contra o apartheid, ruminam sua amargura. E voltam a querer tentar a sorte na Europa e nos Estados Unidos… “Há uma persistência em manter o sonho de passar a vida a viajar!”, critica Marc Gbaffou. “Meu papel é dizer a eles que não estarão melhor em outro lugar.”
Para Emilio Sie, a nação arco-íris se tornou “o país de maturidade”. Dirigindo uma mecânica, esse marfinense viu na última década seu negócio de reparo de automóveis prosperar. E fala da casa “de 1,2 milhão de rands em Germiston”, dos três filhos matriculados em escola particular e do crédito que tem no banco com “um simples telefonema” – “A aventura acabou!”, promete. Mas ele ainda faz algumas viagens de negócios “para a Índia, Angola e também para a Malásia… É verdade, todo mês estou viajando”, admite. “Não consigo ficar sentado sem fazer nada!” A seu lado, seus dez funcionários, todos imigrantes, esfalfam-se na recuperação de um táxi coletivo. Talvez seja esse o destino de Sie: ele nunca abandonou realmente a estrada.
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Em números:
19,3 milhões: migrantes internacionais na África em 2010.
11,1 milhões: pessoas deslocadas dentro de seu próprio país na África no fim de 2010.
2,3 milhões: refugiados na África no fim de 2010.
1,9%: porcentagem de migrantes internacionais em relação à
população do continente africano.
46,8%: porcentagem de migrantes internacionais do sexo feminino
na África.
Fonte: Organização Internacional para as Migrações (OIM).
Guillaume Pitron é jornalista.