Vivemos em uma sociedade narrada pela imagem, por aquilo que se vê. Isso aprendemos desde muito cedo, na escola, nos livros didáticos, nos símbolos, gestos, nos álbuns de família, nos filmes, novelas e tudo aquilo que nos é ofertado para estimular nosso repertório. Entretanto, há uma seleção visual que nos é negada: a nossa versão sobre nós mesmos.
Na hegemonia branca, europeia e dos grandes centros é fácil se ver na história, na propaganda, no outdoor, nos museus e até nos super heróis. O imaginário e repertório de uma criança que nasce em uma periferia vai passar por outros processos, o de ir ao encontro de uma beleza ou uma narrativa que a contemple. Pois, nos quadrinhos, é o personagem que não toma banho; na novela, sempre está entre a sexualização e/ou crime; e, nos filmes, seu território sempre é visto pela perspectiva da violência, e pouco pela potência.

A escritora negra norte americana Bell Hooks traz em sua obra “Olhares Negros, Raça e Representação” que: “A tendência geral, na cultura, é ver os jovens negros como perigosos e desejáveis”. Isso se faz presente na narrativa que é alocada sobre a juventude negra e os trabalhos produzidos sobre ela. Sempre que falamos de uma exposição sobre favelas, logo de cara são esperadas armas e drogas como eixo principal das narrativas. Porém, isso é o olhar hegemônico sobre os que habitam as favelas. Encontrar beleza em meio a todo esses estigmas sociais é um processo duro, mas que parte de um lugar de descolonização, muito intenso no olhar de quem vê e de quem habita.
Se fizermos o exercício de realizar uma pesquisa na internet com a palavra “favela” todas as imagens mostram uma perspectiva de longe, como se houvesse um grande mistério, ou até mesmo um lugar de distanciamento. É importante ocupar o imaginário da sociedade a partir das narrativas daqueles que vivem nesses territórios, com uma epistemologia das quebradas sobre o que é cidade e o que é produzido ali em forma de potência.

O trabalho realizado pela Ação Educativa em parceria com o Instituto Moreira Salles é ímpar pelo recorte estabelecido para a formação, sendo grande parte jovens egressos do cumprimento de medida socioeducativa, e, em sua maioria, negros, valorizando, assim, a vida dessa juventude e a sua produção artística. Visto que socialmente as mortes desses jovens pouco sensibilizam e seus acessos aos espaços formais de educação também são colocados em risco. Assim, a fotografia entra em um processo não apenas educativo, mas, também, como exercício de projeto de vida, trabalhando temas que percorrem a trajetória de meninos e meninas das quebradas, como as desigualdades, preconceitos, questões de gênero, raça, mobilidade, moradia e tantas outras que puderam ser debatidas durante a formação.
É importante olhar que, nesta mostra, não temos apenas duas favelas (Brasilândia e Cidade Tiradentes), mas a conexão e co-criação a partir delas. Os fotógrafos identificaram nesses espaços a possibilidade de contar aquilo que é comum entre seus territórios e, da mesma forma, sua diversidade, trazendo uma grande troca de ideias por meio de seus olhares.
Entre retratos, paisagens e cotidiano, os jovens mostram a simplicidade de um povo imerso em desigualdade social, mas que escreve sua própria história em suas diversas formas de saber, identificando os que os antecedem e cuidando daqueles que estão ao redor. Em meio a violência do Estado, as crianças ainda brincam nas ruas e são observadas por todos, como uma grande comunidade, em uma realidade distante dos arranha-céus da capital.

A mostra “QUEBRADA: São Paulo, na visão dos cria” é um convite ao sonho, à transformação. Mais que apenas um momento, é uma oportunidade para entender o trabalho e produção da juventude negra e periférica. E que a educação e a cultura são os principais caminhos contra a violência.
No centro da maior capital do Brasil e uma das mais populosas do mundo, há muito mais que as paisagens estampadas nos cartões postais. A mostra traz para um dos principais espaços de fotografia do país em 21 fotos e 9 fotogramas, as favelas paulistas – ou as “quebradas” – que se fazem grande celeiro não apenas de “resistências” mas de potências.
SERVIÇO
Exposição QUEBRADA: São Paulo, na visão dos cria
De 31 de agosto a 8 de setembro
Instituto Moreira Salles Paulista – Estúdio (Av. Paulista, 2424)
Terça a domingo inclusive feriados (exceto segundas), das 10h às 20h; quintas, até as 22h.
Entrada Gratuita
Marcelo Rocha é ativista em Educação e Negritude, graduando em Ciências Sociais, co-fundador do Movimento NÓS, militante do Movimento Negro Evangélico, conselheiro Municipal de Juventude de Mauá 2014-2017. Participou das Ocupações Estudantis em 2015-2016, representando os estudantes na relatoria da ONU (2017) e CNMP (2018), atua no projeto “Arte e Cultura na Medida” com adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa na Ação Educativa.