Quem lê os relatórios?
Muitos dados utilizados pela UNCC provinham de governos nacionais, encarregados de centralizar as reivindicações. Esses governos tinham todo interesse em “aumentar” os pedidos, uma vez que poderiam reter até 1,5% das somas recebidas, o que fizeramAlain Gresh
A Comissão de Indenizações (UNCC) não “fez um trabalho suplementar para avaliar o impacto financeiro dos erros identificados. Tendo em conta o impacto possível sobre o nível de reembolsos,” nós “consideramos que a Comissão deveria fixar regras mais estritas em relação aos erros que têm conseqüências sobre o nível de reembolsos.” Traduzindo o jargão da ONU: os reclamantes foram indenizados em mais do que mereciam e a Comissão não se preocupa com isso… Ao menos é o que conclui um relatório da auditoria sobre a UNCC, solicitado pelas Nações Unidas, redigido sob a coordenação do britânico David Woodward. [1] E publicado em 1998.
O texto enfatiza especialmente que muitos dados utilizados pela UNCC provinham de governos nacionais, encarregados de centralizar as reivindicações. Esses governos tinham todo interesse em “aumentar” os pedidos, uma vez que poderiam reter até 1,5% das somas recebidas (3% nas categorias D, E e F), o que muitos fizeram.
Baixa qualidade de provas
Os redatores da auditoria observam, por outro lado, que os pedidos para as categorias A e C (veja quadro) “não exigiam o fornecimento dos nomes e os números de identificação de todos os membros de cada família que estivesse apresentando um pedido (…). A Comissão ficava, portanto, incapaz de detectar situações em que pai e mãe apresentassem pedidos separados pela mesma perda”.
Os redatores “acharam que de modo geral havia baixa qualidade das provas submetidas pelos reclamantes da categoria A” Por exemplo, de uma amostra de 60 pedidos examinados:
três (5%) não se baseavam em documento algum; 26 (81%) dos 32 pedidos por perdas de propriedades pessoais não forneciam qualquer prova documental — recibos originais ou faturas; 15 (59%) dos 24 pedidos por perdas salariais não produziam qualquer documento, como contracheques ou contratos de trabalho; 21 (91%) dos 23 pedidos de compensação por ter sido forçados à clandestinidade durante a ocupação (forced hiding) ou por detenção legal apoiavam-se apenas em declarações pessoais não corroboradas
“Níveis inaceitáveis de erro”
O que não impediu que os reclamantes fossem indenizados. Mais grave: os dados estatísticos para os pedidos da categoria C revelavam que 43% “dos pedidos de um governo nacional continham pelo menos uma diferença entre os dados da queixa e os dados fornecidos ao computador.” Uma outra amostra apontava “níveis inaceitáveis de erros na primeira leva de pedidos C, o que representava cerca de 40.000 dos 165.000 pedidos.” Um ponto que o relatório não esclarece: a companhia indiana Datamatics, encarregada de colher certos dados, se havia comprometido com 99,98% de “não erros”. Apesar de seu insucesso, foi mantida no trabalho, tendo como única instrução fazer o possível para que os pagamentos fossem aumentados.
Qualquer instituição, submetida a tais críticas — que se podem acreditar adocicadas pela publicação — teria visto rolarem cabeças. Mas será que os responsáveis pelas Nações Unidas ainda lêem os relatórios que solicitam?
Alain Gresh é jornalista, do coletivo de redação de Le Monde Diplomatique (edição francesa).