Quem quer prolongar a guerra no Afeganistão?
Os soldados norte-americanos de 18 anos que partem hoje para a guerra no Afeganistão ainda não eram nascidos quando o confronto foi desencadeado. Em 2012, Donald Trump já havia concluído: “Está na hora de deixar o Afeganistão”. Não ficou provado que ele atingiu seus objetivos melhor que seu antecessor, Barack Obama.
Os soldados norte-americanos de 18 anos que partem hoje para a guerra no Afeganistão ainda não eram nascidos quando o confronto foi desencadeado. Em 2012, Donald Trump já havia concluído: “Está na hora de deixar o Afeganistão”.1 Não ficou provado que ele atingiu seus objetivos melhor que seu antecessor, Barack Obama.
Cada uma das tentativas de desengajar os Estados Unidos militarmente de qualquer país – Síria, Líbia, Coreia, Alemanha – provoca uma batalha em Washington. Logo em seguida, o lobby das guerras se recria: “Os russos estão lá! Os russos estão chegando!”. O orçamento militar dos Estados Unidos (US$ 738 bilhões em 2020) conseguiu representar mais de dez vezes o da Rússia, atiçando os ânimos de Moscou o suficiente para que republicanos e democratas uivassem juntos demonstrando seu pavor. E podem contar com o apoio editorial do New York Times.
Em 26 de junho, o jornal nova-iorquino espalhou um vazamento da CIA segundo o qual a Rússia teria pago recompensas a insurgentes afegãos para que matassem soldados norte-americanos.2 Contudo, todos se lembravam de que no mês anterior à Guerra do Iraque o New York Times já havia desempenhado um papel decisivo na disseminação de mentiras relativas às “armas de destruição em massa” de Saddam Hussein.3 A psicose antirrussa desse grande jornal liberal, aliás, salta aos olhos de quem quer que pesquise os termos “Rússia” ou “Putin” em um site de buscas.
O furo afegão – do qual o New York Times parecia já duvidar oito horas após tê-lo publicado… – levanta outras questões. Quem se beneficia dessa “informação” no momento em que a retirada das últimas tropas parecia quase acertada? Os Estados Unidos têm motivos para se indignar de que um de seus adversários declarados ajudou insurgentes afegãos, visto que seu aliado, o Paquistão, faz o mesmo há muito tempo e que eles próprios, entre 1980 e 1988, entregaram aos mujahidin em guerra com Moscou armas sofisticadas, graças às quais estes últimos mataram milhares de soldados soviéticos? Por fim, como explicar que o jornal nova-iorquino, que não deixou de nos oferecer grandes retratos comoventes de três marines supostamente vítimas das “recompensas russas” – um tinha um bigode grande e fazia musculação, outro adoraria rever o filme Guerra nas estrelas, e o último amava suas três filhas –, tenha “se esquecido” de nos informar que outra agência de inteligência norte-americana, a Agência de Segurança Nacional (NSA), não dava nenhum crédito ao furo da CIA?4
Em 1º de julho, uma grande coalizão de parlamentares, democratas e republicanos, no entanto, se valeu das “revelações” do New York Times para tornar mais difícil uma retirada do Afeganistão. Porém, o melhor meio de impedir que soldados estrangeiros continuem morrendo por lá seria que eles saíssem dali.
Serge Halimi é diretor do Le Monde Diplomatique.
1 Twitter, 27 fev. 2012.
2 “Russia offered afghans bounty to kill U.S. troops, officials say” [Rússia ofereceu recompensas aos afegãos para matar soldados norte-americanos, dizem oficiais], The New York Times, 27 jun. 2020.
3 Cf. Fake News, une fausse épidémie? [Fake news, uma falsa epidemia?], Manières de Voir, ago.-set. 2020.
4 NSA differed from CIA on Russia bounty intelligence [NSA diverge da CIA sobre inteligência das recompensas da Rússia], The Wall Street Journal, Nova York, 1o jul. 2020.