Ramallah, tão longe da Palestina
Em Ramallah, centro político-econômico da área, predomina uma prosperidade e calma relativas: novas lojas e bares antenados acabam de ser inaugurados, para grande satisfação da intelligentsia palestina, ávida por entretenimento.
Um vento de liberdade parece estar soprando sobre uma estreita parcela da Cisjordânia ocupada. Em função da supressão de algumas barragens rodoviárias e postos de controle policiais, os motoristas palestinos, que até recentemente estavam exasperados com extensas filas de espera, podem circular praticamente sem problema algum de Jericó até Ramallah e Nablus, no norte da Palestina. Nessa minúscula porção da Terra Santa, a economia parece estar se recuperando. Cargas de sabão, azeite, legumes, bebidas não alcoólicas e cerveja local têm chegado sem dificuldades até seu destino final. A conjuntura parece estar tão favorável, que a cadeia de lojas Bloomberg comemorou um crescimento de 7% na Cisjordânia.
Em Ramallah, centro político-econômico da área, predomina uma prosperidade e calma relativas: novas lojas e bares antenados acabam de ser inaugurados, para grande satisfação da intelligentsia palestina, ávida por entretenimento. Neles, é possível saborear comidas e se divertir, como no Orjouwan, novo bar da moda, que anuncia em sua página no Facebook “noitadas musicais excitantes e um menu gastronômico a qualquer hora da noite e do dia… Fiel aos ingredientes essenciais da cozinha meridional tradicional da Palestina e da Itália, o nosso restaurante gastronômico reinventa nossos clássicos e garante uma experiência única”.
Sinta-se bem-vindo, portanto, no enclave da liberdade, onde felizes eleitos, uma porção significativa, porém limitada da sociedade palestina, desfruta da prosperidade e do bem viver. Livres da humilhação das barreiras israelenses nas rodovias e das decisões arbitrárias impostas pelos jovens recrutas do exército, esses palestinos podem gozar de um mínimo de liberdade, deslocando-se com facilidade e dedicando-se sem maiores impedimentos às suas atividades. Decorrente, em parte, da “profissionalização” das forças de segurança palestinas formadas por Washington, a supressão parcial da ocupação em Ramallah faz com que o nível de vida de uma parte dos cidadãos melhore de fato. E proporciona a Israel a oportunidade para aliviar sua imagem, muito prejudicada após a guerra em Gaza.
“Eu tenho a impressão de ser esquizofrênica”, observa Naela Khalil, que passa todos os fins de semana com a sua família em Balata, perto de Nablus, e trabalha durante a semana em Ramallah, na redação do diário Al Ayyam. Autora de uma pesquisa sobre as violações dos direitos humanos sofridas pelos militantes do Hamas nos cárceres palestinos, esta jornalista saboreia tranquilamente um latte no terraço do Café de la Paix, outro ponto cultural importante em Ramallah. “O principal problema dos meus amigos aqui é emagrecer enquanto o dos habitantes do campo de refugiados de Balata é permanecer vivo”, explica.
Khalil contempla, admirada, todos esses novos edifícios com suas paredes de vidro, construídos, segundo ela, com a certeza ingênua de que serão preservados: “Os habitantes dos campos não se atrevem nem sequer a acrescentar um andar à sua habitação, porque estão acostumados a perder tudo em apenas uma noite”.
Na maior parte da Cisjordânia, os deslocamentos permanecem bastante restritos pelas barreiras rodoviárias e patrulhas de soldados. Os refugiados que vivem em campos são alvos frequentes de ataques noturnos; colonos judeus envenenam as ovelhas, derramam águas usadas nas plantações de oliveiras e atacam crianças árabes no trajeto para a escola.
Para esses palestinos, o enclave semilivre de Ramallah pertence a outro país. “Ramallah não faz parte da Palestina”, analisa o idoso Muhammad Abdullah Ahmad Wahdan, fumando sem parar. Ele não esconde seu desprezo pela Autoridade Palestina e pelo nível de vida dos seus funcionários. “Eles representam apenas 5% da população. Os outros 95% sofrem.”
Muhammad Wahdan nos convidou a tomar um chá na sua residência, um bloco de concreto situado no campo de refugiados de Qalandia, ao norte de Jerusalém. Estamos a algumas centenas de metros de Ramallah que, vista daqui, parece outro planeta. Do lado de fora, o muro de separação israelense tem a aparência de cerca de segurança de uma prisão. Segundo rumores insistentes, Israel estaria prestes a deslocá-lo para o meio do campo, e a Autoridade Palestina nada poderá fazer, garante Wahdan. “Essa liderança nada nos deu”, constata. “Não temos trabalho, nem pátria, nem estabilidade, nem segurança.”
Já faz muito tempo que Muhammad Wahdan deixou de sonhar: a Autoridade Palestina nunca o ajudará a recuperar as plantações de limoeiros e oliveiras confiscadas da sua família quando da criação do Estado de Israel, há 60 anos. Após ter perdido um filho no combate – ele tinha 19 anos e sua mulher estava grávida de uma filha, batizada Palestina pela família –, Wahdan se mostra relutante em fazer novos sacrifícios por seus líderes. Enquanto nos serve refrigerantes, sua mulher acusa a Autoridade Palestina de “colocar nossos filhos sob o fogo dos canhões”.
“Esta facção peculiar da burguesia explorou as pessoas que se sacrificaram para conduzir a luta”, acrescenta Wahdan. “Nós fizemos isso para eles. Foram eles que tiraram proveito.” “Eles queriam que nos sacrificássemos, sem armas”, insiste Anas, seu neto de 15 anos de idade, sentado debaixo de um grande retrato do seu tio mártir. “Os filhos deles possuem carros, mansões e empresas de telefonia. Não existe igualdade entre pessoas como eles e gente como eu. Eu moro numa casa que está desabando e o meu pai mal consegue os recursos necessários para comprar pão e roupas para nós.”
Por que os jovens do campo não manifestam seu descontentamento? “Eles irão dizer que nós somos apenas crianças”, explica Munir, colega de Anas. “Não há absolutamente nada para fazer aqui, a não ser jogar games pela internet. Com isso, temos a impressão de ter feito alguma coisa durante o dia.”
“Toda a nossa cólera foi absorvida pela depressão”, explica Munir. Um dia, talvez, esta cólera despertará novamente e se tornará predominante. Por enquanto, segundo Anas, “as pessoas dizem estar esgotadas e que não são pedras que irão libertá-las”.
*Sandy Tolan é professora da Annenberg School for Communication and Journalism da Universidade da Califórnia do Sul, autora de The lemon tree: An Arab, a Jew, and the heart of the Middle East, Bloomsbury, Londres, 2006.