Reencontrar o riso de Bertolt Brecht
Uma vez que propunha ao espectador o prazer de se libertar das falsas verdades que escondem a ordem vigente, Bertolt Brecht abriu a representação teatral a um campo totalmente novo, tanto na forma como nos objetivos. Essa agitação foi celebrada durante sua descoberta na França, mas pouco a pouco neutralizada. Seu tímido retorno assinala a audácia de pensar com alegria
Descobrimos Bertolt Brecht na França em 1954 com a apresentação de Mãe Coragem e seus filhos, no Festival Internacional de Teatro de Paris pelo Berliner Ensemble, um acontecimento sem precedentes.1 O Teatro Nacional Popular (TNP), os teatros nascidos da descentralização, as companhias: todos saudaram e endossaram rapidamente a revolução que o dramaturgo alemão propôs na escrita e na prática teatrais. Esse impulso, no entanto, enfraqueceu-se progressivamente e as questões centrais da obra foram guardadas a sete chaves, quando não deformadas. As razões desse apagamento esclarecem, sem dúvida, um fenômeno hoje inverso: o retorno de Brecht.
O que foi louvado nos anos 1950 (e ao mesmo tempo vigorosamente contestado, em particular nos jornais de direita, como o Le Figaro) foi a radicalidade de uma estética que carrega uma leitura marxista do mundo e, consequentemente, da arte. Anarquista pacifista que se tornou marxista, comunista sem partido e amigo de Walter Benjamin, Brecht (1898-1956) passou – na companhia de sua esposa, a atriz Helen Weigel – catorze anos no exílio, principalmente na Escandinávia e na Califórnia, de 1933 a 1947. Em 1949, ele escolheu voltar para Berlim e ficar na República Democrática Alemã para trabalhar ali com a companhia que tinham fundado: o Berliner Ensemble. Para ele, não havia nenhuma distinção entre a invenção das formas novas e o questionamento das verdades burguesas, entre a recusa dos códigos de representação dominantes e a rejeição da ordem capitalista. Ele estava muito, muito distante do realismo socialista oficial.
Seu assunto produziu um choque ao mostrar “que não há uma ‘essência’ da arte eterna, mas cada sociedade deve inventar a arte que consiga parir por conta própria”, segundo a fórmula de Roland Barthes. O mesmo Barthes saudou a radicalidade de sua contestação de uma arte “a tal ponto ancestral que temos as melhores razões do mundo para acreditar que seja ‘natural’”. Ele ressalta algumas das características do teatro de Brecht: “Ele nos diz, desprezando qualquer tradição, que o público só deve estar parcialmente envolvido pelo espetáculo, de modo a ‘conhecer’ o que está sendo mostrado, em vez de receber; que o ator deve criar essa consciência denunciando seu personagem, não encarnando; que o espectador não deve nunca se identificar completamente com o herói, de modo que ele está sempre livre para julgar as causas, depois os remédios para seus sofrimentos”.2 Outro grande crítico francês, Bernard Dort, descreve então este teatro como uma “iniciativa de descondicionamento e destruição das ideologias”.3
O Berliner Ensemble retornou três vezes à França entre 1955 e 1960 – com O círculo de giz caucasiano, A mãe… – e a influência brechtiana não parou de crescer. O Partido Comunista Francês encontrou então diversos “companheiros de jornada” entre os intelectuais e artistas; a questão do engajamento político das obras não parecia incongruente.
Assim como o terreno que o tornou possível, a influência de Brecht desapareceu ao longo dos anos 1970. Em nome da denúncia do stalinismo e do duplo totalitarismo que representariam o fascismo e o comunismo, colocados na mesma cesta, o segundo se deslegitimou. Essa evolução culminaria com a queda do Muro de Berlim, em 1989, e o desmoronamento do bloco soviético dois anos depois. Em matéria de cultura, novas correntes celebravam o instinto e a espontaneidade. Elas defendiam o corpo contra o texto: o teatro político de Brecht não figurava na lista de suas prioridades. Entre os heróis do momento, Joseph Beuys, que declarou que todo homem era um artista, e Andy Warhol, que pretendia abolir a fronteira entre a arte e a rua. Jack Lang, ministro da Cultura de François Mitterrand, proclamou: a partir de então, tudo era cultura, tudo era arte, da cozinha à alta costura.
Em tal contexto, a herança de Brecht, cuja obra rigorosa aposta na inteligência crítica e prefere o exercício da dialética ao julgamento moral, vê-se vinculada a um comunismo fora de moda. Prefere-se a “sensação”, a emoção, a empatia, a identificação ou ainda o contágio moral; resumindo, o afeto. A cultura, concebida por André Malraux na fundação de seu ministério, em 1959, como o acesso às obras do patrimônio e às criações da arte e do espírito, exerce agora uma nova função: garantir a “coesão social”, até mesmo servir como “barreira contra a barbárie”, como explicou a maioria dos diretores de centros dramáticos depois do atentado contra o Charlie Hebdo em 20154 – eco perturbador ao mundo dos bons e dos maus, ou ainda dos eleitos e dos condenados, desenhado pelo ex-presidente norte-americano George W. Bush nos dias que se seguiram aos atentados de 11 de setembro de 2001. Essa valorização da obra como um meio de reunir o público em um mesmo (bom) sentimento entrava mecanicamente a difusão de Brecht. Em sentido contrário, este último declarava: “A arte não é feita para reunir, mas para dividir”. Ele pretendia mostrar o mundo como ele é, demonstrar suas astúcias, torná-lo inteligível. Com um único objetivo: mudá-lo.
A despeito dos esforços da editora Arche – que publica Brecht e o representa na França –, de novas traduções ou até mesmo da adaptação de alguns de seus textos para os quadrinhos,5 a vida dos arquivos é reveladora: as vendas dos ensaios, dos textos em prosa e da considerável obra poética (nove volumes) do autor alemão são negligenciáveis. As peças exibem melhor saúde. Mas apenas sete dos 44 títulos existentes no teatro de Brecht chamaram atenção nos últimos dez anos, em particular das instituições:6 contamos quarenta produções de O casamento dos pequenos burgueses (1919), uma peça de juventude satírica, e 23 da Ópera dos três vinténs (1928), sobre uma música de Kurt Weill, provocante e divertida adaptação da ópera de John Gay e Johann Christoph Pepusch (1728). A título de comparação, ao menos quatro produções de A gaivota, de Anton Tchecov, estavam em cartaz nestes últimos meses nos grandes palcos franceses… Trata-se essencialmente de peças em que as questões políticas são menos marcadas e derivam facilmente para interpretações moralizantes, até mesmo para o divertimento inofensivo.7 Felizmente, as companhias, profissionais ou amadoras, mostraram-se mais aventureiras e montam Brecht mais frequentemente.
Nos dez últimos anos, a educação nacional não apresentou um quadro muito diferente – excetuando-se as iniciativas individuais de professores de História que fazem seus alunos de troisième [nono ano (N.T.)] trabalharem sobre Terror e Miséria do Terceiro Reich para compreenderem melhor o nazismo. Nenhuma obra de Brecht jamais figurou no programa do baccalauréat [exame de conclusão do ensino médio (N.T.)] concernente ao teatro – a única exceção anterior data de 1995, com a inscrição na prova teórica do ensaio Pequeno organon para o teatro. Em curso preparatório para os concursos de entrada das escolas normais superiores (ENS), os programas dos germanistas propõem a obra poética em vez da dramática, e os escritos anarquistas de juventude em lugar dos da maturidade. Nos estudos teatrais universitários, ao contrário, os ensaios teóricos são bem presentes. Na ENS, percebe-se em 2009 trechos de Diálogos dos exilados no programa dos comentários de textos em alemão; em 2012, no clube teatro da rua de Ulm, uma encenação de Baal, a primeira peça acabada do dramaturgo de 21 anos, tendo por herói um poeta antiburguês um pouco niilista; e, em 2014, uma conferência do físico e epistemologista Jean-Marc Lévy-Leblond intitulado “Brecht, um escritor da era científica”. No nível universitário, o site da Associação dos Germanistas do Ensino Superior (Ages) indica somente uma manifestação consagrada ao trabalho do escritor em 2017. O seminário “Encenar Bertolt Brecht hoje”, que aconteceu em 18 de janeiro na Universidade da Picardia Jules Verne, evocou apenas uma obra, A ópera dos três vinténs, e ainda era a respeito de sua adaptação norte-americana e de sua exploração “off Broadway” (1954-1961).
Mais do que uma exclusão deliberada, trata-se de um purgatório. Como Brecht teria seu lugar em uma sociedade onde a história coletiva desaparece em proveito de narrativas individuais e a luta de classes se funde no “viver juntos”? Em 2014, Emmanuel Demarcy-Mota, diretor do teatro que tinha acolhido Brecht na França pela primeira vez setenta anos antes [o Théâtre de la Ville (N.T.)], convidou o Berliner Ensemble para festejar o aniversário com Mãe Coragem. Mas escolheu como palavra de ordem da temporada em vigor o velho conceito aristotélico da “arte como catarse”,8 o que designa a purgação das paixões dos espectadores pela representação teatral, nada mais distante da arte da compreensão alegre que trabalha Brecht.
No entanto, enquanto um certo pensamento de esquerda, mais vinculado à virtude do que à luta social, parece suscitar enfim algumas interrogações, Brecht começa a reaparecer, inclusive com suas peças mais refratárias ao desvanecimento moralizador. A companhia Jolie Môme montou recentemente A exceção e a regra; e a Comédie Française apresenta até o fim de junho A resistível ascensão de Arturo Ui, em uma encenação confiada a um grande nome do Berliner Ensemble: Katharina Thalbach, que sabe manter a vitalidade chaplinesca…
Reencontrar um Brecht que convida a um riso propriamente libertador nos lembra que, para citar Barthes uma última vez, “os males dos homens estão nas mãos dos próprios homens”.
*Marie-Noël Rio é escritora.