Regramento europeu e o combate ao desmatamento importado
Regramento europeu aprovado em 13 de setembro ainda não é definitivo. O próximo passo é a negociação entre a Comissão Europeia, o Conselho da UE e o Parlamento Europeu, na qual as propostas de cada instituição, que são muito diferentes umas das outras, terão que ser conciliadas
No último dia 13 de setembro, o Parlamento Europeu votou a proposta de Regramento sobre a Importação de Produtos Livres de Desmatamento, que pretende regular a exportação e entrada no mercado da União Europeia (UE) de determinados produtos básicos e produtos associados ao desmatamento e degradação florestal. Por 453 votos a favor, 57 contra e 123 abstenções, o parlamento aprovou a proposta.
O regramento aprovado ainda não é definitivo. O próximo passo é a negociação entre a Comissão Europeia, o Conselho da UE e o Parlamento Europeu, na qual as propostas de cada instituição, que são muito diferentes umas das outras, terão que ser conciliadas. Este processo pode levar meses. O texto resultante das negociações será votado no Parlamento Europeu e no Conselho da UE e finalmente aprovado.
Apesar do avanço das medidas, ainda há muitos desafios no combate ao chamado desmatamento importado. Na votação de setembro, o Parlamento Europeu adotou a posição de proteger apenas áreas e regiões definidas como “floresta”, o que deixa de fora a proteção de outros ecossistemas naturais, como zonas úmidas, alagadas, pastagens ou savanas – estas últimas seriam o caso do Cerrado, que teria 74% de sua área desprotegida com o atual texto do regramento. Este é um dos desafios postos para a próxima etapa de negociação da proposta.
Outro desafio é o fato de que a proposta aprovada em setembro não prevê – por enquanto – um mecanismo de responsabilidade civil ou a possibilidade de reparação e compensação por parte das empresas.
Para debater estes e outros pontos do regramento europeu e do combate ao desmatamento importado, a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado entrevistou Tom Kucharz e Isabel Fernández Cruz, do projeto “Rostos da Soja”, da articulação Ecologistas en Acción, que congrega mais de 300 grupos ecologistas da Espanha.
“Na Espanha e em outros países europeus, diferentes organizações ambientais e sociais têm promovido e continuarão a promover ações para denunciar ao público em geral os problemas associados ao consumo de certos produtos e/ou matérias-primas. Outro passo importante é denunciar as grandes empresas de distribuição, como Carrefour, ALDI, TESCO e Lidl, para pressionar suas decisões de compra e colaboração com as empresas importadoras”, refletiram Kucharz e Cruz.
Leia a seguir a entrevista completa.
Qual é a possibilidade de incluir outras ecorregiões/ecossistemas, como o Cerrado, no texto final do Regramento, e o que seria necessário para isso?
Nesta fase do processo de estabelecimento de normas não é viável incluir novas propostas, por exemplo, que a norma se aplique também a outros ecossistemas, como savanas ou pântanos. Neste sentido, o importante nesta fase é garantir, por um lado, que o texto deve ser aplicado a “outras terras arborizadas” (emenda adotada pelo Parlamento Europeu). Isto permitiria que uma alta porcentagem de outros ecossistemas fosse coberta:

Além disso, devemos começar a insistir para que a inclusão de outros ecossistemas seja proposta o mais rápido possível na primeira revisão do regulamento, que é finalmente aprovada.
Como aprovado recentemente, o texto ajuda a proteger o Cerrado? Em caso afirmativo, através de que elementos do texto?
Se considerarmos o gráfico acima e os dados TRASE, com a proposta legislativa da Comissão Europeia e do Conselho da UE, aproximadamente 26% do Cerrado seria coberto pelo Regramento. Se a emenda do Parlamento Europeu fosse finalmente aceita, um total de 82% do Cerrado seria coberto pela legislação europeia. Para que isso aconteça, “outras áreas arborizadas” devem ser integradas na definição de desmatamento e uma definição precisa de “outras áreas arborizadas” deve ser incorporada: terras não classificadas como floresta, maiores que 0,5 hectares, com árvores maiores que 5 metros e uma cobertura florestal entre 5 e 10%, ou com árvores capazes de atingir esses limites in situ, ou com uma cobertura combinada de arbustos, arbustos e árvores maiores que 10%, excluindo terras predominantemente de uso agrícola ou urbano. O problema é que o texto apresentado tanto pela comissão quanto pelo conselho não prevê a extensão do conceito de desmatamento para “outras terras arborizadas”, embora possa haver alguns países dispostos a negociá-lo. Resta saber se ele poderia ser um dos pontos negociáveis.
A ausência de um mecanismo de responsabilidade corporativa, reparação e compensação poderia prejudicar os objetivos do regramento? Da forma que foi aprovado, acham que ele pode combater efetivamente o desmatamento importado?
Primeiramente, ao não incluir cláusulas de responsabilidade, as vítimas de impactos ligados a produtos comercializados ilegalmente no mercado da UE são privadas de direitos de indenização por danos causados pelo não cumprimento dessas empresas. Não há nenhum mecanismo para que as comunidades obtenham compensação da empresa. Outro ponto fraco é que as sanções (multas) impostas à empresa referem-se apenas a danos ambientais e não a danos causados por violações de direitos humanos. Também não está claro quem receberá o produto dessas penalidades pagas pelas empresas que violam o Regramento, mas parece provável que continue sendo a autoridade competente, pois o objetivo declarado das penalidades é “privar efetivamente os responsáveis [por danos ambientais] dos benefícios econômicos derivados de suas violações”, em vez de compensar os prejudicados.
Em segundo lugar, a eficácia do regramento no combate ao desmatamento depende do texto final que emerge das negociações entre as três instituições. Se sair um texto mais próximo da posição do governo, então menos produtos serão cobertos (borracha ou milho, por exemplo), a data de referência será 31 de dezembro de 2021 – e todo o desmatamento anterior ficará impune -, terá muitas brechas e muito poucos controles, o que o tornará menos eficaz no combate ao desmatamento. Outros fatores são a disposição e o calendário dos governos dos estados membros da UE para implementar e aplicar o Regramento. Eles têm que aprovar legislação nacional para fazê-lo, o tipo de autoridade competente que colocarão em prática – uma obrigação que terão sob o Regramento – e, acima de tudo, quantos recursos alocarão para a autoridade competente e suas funções. Por exemplo, se eles não alocarem recursos financeiros suficientes para recrutar funcionários, então eles podem não fazer um bom trabalho de verificação das empresas, das matérias-primas recebidas ou do trabalho que precisa ser feito com empresas importadoras e comerciais.
Quais são os próximos passos para a elaboração do texto final e a entrada em vigor do regulamento?
O período de trílogo entre a comissão, o conselho e o parlamento provavelmente começará em outubro. Podemos ter um texto final até o final de 2022 ou início de 2023. Em seguida, levará o mesmo número de meses para a aprovação final. Então serão mais dois anos.
O que a sociedade civil pode fazer para influenciar a redação do texto final, de modo que ele se torne, de fato, uma ferramenta de combate ao desmatamento importado?
Na Espanha e em outros países europeus, diferentes organizações ambientais e sociais têm promovido e continuarão a promover ações para denunciar ao público em geral os problemas associados ao consumo de certos produtos e/ou matérias-primas. Também foi realizada uma ampla pesquisa entre os cidadãos, cujos resultados foram muito positivos em termos de apoio ao fato de que os produtos que eles consomem não estão associados ao desmatamento. Outro passo importante é denunciar as grandes empresas de distribuição, como Carrefour, ALDI, TESCO e Lidl, para pressionar suas decisões de compra e colaboração com as empresas importadoras.
Por outro lado, muito trabalho de lobby está sendo realizado e, na medida do possível, o diálogo com os governos europeus para que eles entendam a urgência de parar os processos de desmatamento e a necessidade de uma lei exigente e ambiciosa. Esta ambição deve se refletir sobretudo na vontade de negociação do Conselho, que é o órgão que atualmente tem a postura mais conservadora.
Qual é a relação entre o acordo sobre desmatamento importado e o acordo entre a UE e o Mercosul, que deverá ser votado no próximo ano?
O acordo UE-Mercosul, se adotado, teria de fato um impacto muito importante sobre o desmatamento. Se for ratificada, a UE aumentará suas importações de produtos relacionados ao desmatamento dos países do Mercosul e agravará a situação dos ecossistemas que já estão sob forte pressão da mineração ilegal, da exploração madeireira e das indústrias agrícolas. Está estipulado que o acordo implicaria o desmatamento de 700 mil hectares nos seis anos seguintes à sua implementação, especialmente na Amazônia, a fim de abastecer a UE com carne bovina, cana-de-açúcar e outras matérias-primas. Por todas essas razões, e como condição para deter o desmatamento na América do Sul e propor alternativas, é necessário impedir o acordo UE-Mercosul e redefinir o comércio entre os dois blocos.