Resistências e re-existências: mulheres, território e meio ambiente

RESENHA

Resistências e re-existências: mulheres, território e meio ambiente

por Fabrina Furtado
8 de março de 2022
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Confira resenha do livro Resistências e re-existências: mulheres, território e meio ambiente, organizado por Elisangela Paim Soldatelli e lançado em 2021 pela Editora Funilaria e pela Fundação Rosa Luxemburgo

Em um contexto de violações e violências, de perda de direitos e conquistas democráticas, a publicação de Resistências e re-existências: mulheres, território e meio ambiente, escrita por mulheres negras, quilombolas, sem-terra, sem teto, feministas, agroecólogas e indigenistas, de diversas regiões do país, do campo e da cidade, sem dúvida nos traz um alento. Organizado pela Fundação Rosa Luxemburgo em conjunto com a Editora Funilaria, e coordenado por Elisangela Paim, o livro reúne análises fundamentais para compreendermos o momento, em especial no que faz referência à fragilidade da democracia brasileira e às desigualdades históricas, estruturais e conjunturais aprofundadas em um contexto de pandemia sanitária global e de um governo liberal-autoritário, que tem na violência e na falsificação de dados seus principais métodos de governar.

Os textos de Resistências e re-existências denunciam e superam a naturalização da criminalização de povos negros e indígenas e de movimentos sociais, a manutenção de políticas genocidas e o anti ambientalismo autoritário, patriarcal e racista cujos efeitos são sentidos de formas diferenciadas. A intensificação das crises social, econômica, ambiental, política e civilizatória de profundas proporções que vivenciamos, resultantes do avanço do sistema capitalista agroextrativista neoliberal e financeirizado, centrado na dominação da natureza, das mulheres e de diversos povos, tem efeitos que estão longe de serem democráticos e muito menos abstratos: a crise tem gênero, raça e classe e implicações a longo prazo. A crise territorializa e desterritorializa. Nesse processo, em decorrência da divisão social, sexual e racial do trabalho e de determinantes históricos do patriarcado racista, muitas mulheres em comunidades, que explicitam a relação entre a expropriação dos seus territórios e a violência contra os seus corpos, são sobrecarregadas, responsabilizadas e sofrem múltiplas violências físicas e psicológicas.

Re-existências

O livro nos lembra que a pilhagem resultante e da qual depende o modo capitalista de produção, fundamentado na expansão do agronegócio do monocultivo genético, das invasões de territórios camponeses, tradicionais e indígenas por garimpeiros, grileiros e madeireiros, do imperativo da produtividade e a ideologia do progresso, é o que nos levou a essa situação de crise sanitária nada natural. Uma situação de crise intensificada pelo cenário de aniquilação de políticas e da legislação ambiental e de direitos que não é de agora – como a reforma da Previdência, reforma trabalhista, propostas de flexibilização do licenciamento ambiental, mineração em terras indígenas, regularização fundiária para beneficiar os latifundiários, precarização das políticas de educação e saúde e ausência de reforma agrária, entre outras – mas que se torna prioridade explícita do governo bolsonarista. Ocultar a violência não faz parte da sua estratégia.

Ao mesmo tempo, essa publicação nos presenteia destacando a força e energia das muitas ancestralidades e dos processos coletivos liderados por mulheres. Os textos destacam as campanhas de solidariedade, coordenadas pelos movimentos e organizações do campo e da cidade, contra a violência doméstica e os conflitos no campo, por moradia digna, as cozinhas comunitárias, arrecadando e distribuindo alimentos e itens de higiene e máscaras, alianças entre mulheres quilombolas e movimentos feministas na construção e disseminação da agroecologia e do cuidado coletivo, compondo processos de resistências e re-existências, que muitas mulheres nos diversos territórios lideram. Somos apresentadas a um “mosaico de experiências” de processos de luta e de pedagogias da resistência que ressaltam a importância da relação com o território, do tecido comunitário e do cuidado coletivo para assegurar a dignidade e a vida, para assegurar o re-existir. O livro nos lembra: “estamos aqui, firmes, fortes e resistentes, cada vez mais, na defesa de nossos direitos e na defesa do nosso território”. São muitas as sementes sendo germinadas, muitas lutas, experiências, saberes, afetos e rebeldias que nos movimentam…

 

Fabrina Furtado é professora do CPDA/UFRRJ – Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade.



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