Respirar entre os estilhaços: uma leitura crítica de ‘asfixia’, de Danielle Freitas
Em um livro de poemas, a autora transita entre o coletivo e o íntimo, com uma escrita que busca causar incômodo no leitor
Escrever sobre asfixia está sendo um desafio, a obra de Danielle, publicada pela Editora Patuá, transita em diferentes momentos de uma vida, especialmente de uma mulher. A escrita da autora constrói uma área onde o corpo, a maternidade, o racismo, a solidão e a sobrevivência se entrelaçam em versos que sufocam e também libertam.

O título é o ponto chave de asfixia, pois transmite exatamente a mensagem que o livro espera passar. A linguagem reflete um sufocamento: o ritmo dos poemas, por vezes cortados e não formatados num padrão, por vezes intenso e ritmado, como se cada verso fosse uma tentativa de respirar em meio ao colapso.
Através de uma escrita direta, os temas sociais vão surgindo de forma objetiva e dolorosa. Logo na primeira parte, “OBRAS HUMANAS”, o poema “sina proletária” me chama atenção com o verso: “eu até mentalizo/mas só atrai riqueza/quem já é rico”, porque é exatamente uma explicação do momento em que estamos vivendo no Brasil, com a alta da Selic e as taxas de juros.
No dia 11 de junho deste ano foi divulgado o Mapa da Segurança Pública de 2025, onde são apresentados os dados que quatro mulheres são assassinadas por dia no Brasil, e, em relação a 2023, teve aumento de 0,69%. Danielle trata exatamente sobre o papel feminino na sociedade atual quando inicia a segunda parte de asfixia, e com um poema bem direto, “feminicídio” mostra a realidade de ser mulher no Brasil e no mundo: “notícias revelam a sina da culpa/que carregamos desde meninas/já mulheres, vítimas de trágicas partituras, /cantamos nossas letras de desventura:/extra, extra!/mulher resiste às investidas do cunhado […]. Outro poema que se destaca é o “agarrada”, onde ela traz uma leve reponsabilidade para as questões religiosas: “e a Deus/ eu me agarrava/ mas Deus nunca me escutava/ sendo agarrada”.
A maternidade aqui não é romantizada. Em vez da mãe idealizada, temos a mãe real: vulnerável, por vezes à beira do colapso. E é justamente nessa fratura entre o ideal e o real que mostra a força poética do livro. A maternidade aqui é também um campo político — reveladora das desigualdades de classe, de gênero e de raça.
Na terceira e última parte, “FUGA”, a autora fala mais sobre a importância da escrita da mulher, sobre a mulher e para as mulheres. Ela coloca como como um lugar de fuga que temos através das palavras, o que deixa muito claro no poema “regresso”: “em desvaneios/posso me resumir/metáfora misteriosa/do verso, regresso/sem fim”.
Asfixia não traz um alívio, pelo contrário, leva o leitor para dentro da experiência de falta de ar e de luta. Mas, também revela a beleza da palavra que insiste em existir apesar do colapso. É uma poesia que pulsa no ritmo de quem, mesmo sem fôlego, continua a escrever — e, assim, continua a respirar.
Maíra Oliveira Graça é parte da equipe do Le Monde Diplomatique Brasil.