Revoltas na periferia da Europa
Desde 8 de dezembro, milhares de sérvios se manifestam todo fim de semana contra o regime de Aleksandar Vučić. Na Albânia, estudantes fazem tremer o governo social-democrata de Edi Rama, enquanto a cólera aumenta na Hungria de Viktor Orbán. Para além das diferenças nacionais, as populações da Europa Central se mobilizam contra as mesmas políticas
A Sérvia está oferecendo a si mesma uma nova primavera no inverno. Como em 1996-1997, quando dezenas de milhares de cidadãos protestaram contra o regime de Slobodan Milošević, os cortejos serpenteiam pelas ruas de Belgrado todos os sábados. Surgido em 8 de dezembro de 2018, o protesto contra a política autoritária e antissocial do presidente Aleksandar Vučić agora se estende a todas as cidades do país. Em Belgrado, a longa coluna faz uma parada em frente à sede da Radiotelevisão da Sérvia (RTS), símbolo do controle do poder sobre os meios de comunicação. Entre as reivindicações que unem o movimento: conseguir “cinco minutos de tempo no jornal da RTS”… Os manifestantes também exigem a verdade sobre o assassinato do opositor sérvio do Kosovo, Oliver Ivanović, morto em 16 de janeiro de 2018, ou ainda sobre a renúncia do ministro do Interior.
“Faz trinta anos que os cidadãos da Sérvia são forçados a tomar as ruas para exigir liberdade e justiça. Este movimento é nossa última chance, caso contrário este país desaparecerá”, lançou no final de janeiro Branislav Trifunović. O ator arregimenta a multidão no início de cada cortejo de Belgrado, acrescentando um aviso severo aos líderes dos partidos – divididos – da atual oposição parlamentar, que, de resto, se mostram discretos. “As pessoas rejeitam todos os partidos que estiveram no poder, manchados por casos de corrupção”, reconhece Borko Stefanović, chefe da Esquerda da Sérvia (Levica Srbije), que sofreu um ataque com barras de ferro, em 23 de novembro, o qual serviu como estopim do movimento.
A rejeição vai ainda mais longe: os vários partidos da oposição “democrática”, no poder nos anos 2000, levaram a cabo políticas neoliberais semelhantes àquelas seguidas por Vučić hoje. Oriundo da extrema direita racista e belicista, e que há uma década se converteu em defensor da integração europeia, o novo senhor de Belgrado controla o país, apoiando-se em um círculo restrito de pessoas que lhe devem favores e são por ele protegidas. Despojados de qualquer referência ideológica e ansiosos por enriquecer rapidamente, seus tenentes colocaram o país sob um rígido controle, lançando mão tanto da repressão quanto do clientelismo.
“Esse movimento está reduzindo o medo. Na Sérvia, as pessoas receiam perder o emprego se criticarem o regime… Essa é a capa de chumbo que está rachando”, avalia a jornalista Jovana Gligorijević, do semanário Vreme, um dos últimos títulos da oposição. “Os países da União Europeia, embora saibam muito bem como Vučić governa a Sérvia, pensam, no entanto, que ele é o único capaz de garantir a estabilidade do país e da região. Entendemos que não podemos contar com o apoio deles.” Desse ponto de vista, a situação não é muito diferente daquela que prevalecia em 1996: na época, logo após a assinatura dos Acordos de Paz de Dayton, que em dezembro de 1995 haviam colocado um fim à guerra na Bósnia e Herzegovina, Slobodan Milošević também contava com o apoio dos ocidentais. Estes esperam que Vučić resolva a questão do Kosovo, concluindo um acordo “histórico” com seu homólogo de Pristina, Hashim Thaçi. O chefe de Estado sérvio excede na arte de aumentar as apostas com eles, mostrando sua proximidade com a Rússia de Vladimir Putin, que ele recebeu com grande pompa em meados de janeiro. Vučić acelerou sobretudo a virada neoliberal da economia sérvia, desmantelando a lei trabalhista desde sua chegada aos negócios, em 2012, como vice-presidente do governo.
“Queremos viver em um país normal. Hoje, todo mundo busca o exílio porque é impossível encontrar um emprego ou iniciar um negócio sem ter a carteirinha do Partido Progressista”, explica-nos um estudante de Belgrado, com o colete amarelo do serviço de manutenção sobre os ombros. Como todos os países balcânicos, a Sérvia é atingida por uma nova onda de emigração que toma ares de êxodo.1 O governo da primeira-ministra Ana Brnabić continua a alardear um crescimento em alta e a criação líquida de empregos. Mas esses resultados só são obtidos com muita ajuda pública a empresas estrangeiras, que captam esses incentivos antes de partir para outros lugares. O exemplo mais recente: a empresa de cabos de energia sul-coreana Yura, que transferiu parte de sua produção para a Albânia depois de receber 7 mil euros em ajuda direta para cada trabalho criado em sua fábrica de Leskovac…2 Nessas oficinas de mão de obra, que estão aumentando nos Bálcãs, a legislação trabalhista é geralmente desconhecida, a flexibilidade é sistêmica e a renda real dos empregados dificilmente excede 200 a 300 euros por mês.
Em dezembro, a Albânia experimentou os maiores protestos estudantis desde a queda do comunismo. O aumento da mensalidade escolar, que desencadeou essas reações, é consequência de uma lei – adotada no ano anterior pelo governo social-democrata de Edi Rama e saudada pela União Europeia – que previa a colocação em concorrência das universidades e sua abertura ao mercado. Rama, que chegou ao poder em 2013, só conhece uma receita para “modernizar” a Albânia: a das parcerias público-privadas, fonte de enriquecimento rápido para um círculo de empresários próximos do Partido Socialista (PS).
O descontentamento estudantil teve como alvo explicitamente essa mudança, rejeitando com o mesmo ímpeto os dois partidos que se sucedem no poder desde a queda do regime comunista stalinista em 1991: o PS e seu “irmão inimigo” de direita, o Partido Democrata (PD). Após um quarto de século em que se denegriu tudo que era público, enquanto o setor privado era adornado com todas as virtudes, muitos observadores viram no movimento estudantil o surgimento de uma geração “pós-transição”. Rama teve de recuar, cedendo a várias reivindicações estudantis e demitindo metade de seu governo em 28 de dezembro de 2018. Enquanto a Albânia não deixa de ver partir suas forças vivas – os albaneses lideram os pedidos de asilo na França –, os estudantes em revolta exigem poder viver e trabalhar em seu país.
Na Republika Srpska, a “entidade sérvia” de uma Bósnia e Herzegovina ainda dividida, milhares de pessoas rotineiramente desafiam o regime de Milorad Dodik a exigir justiça e verdade para David Dragičević, jovem assassinado em circunstâncias obscuras na noite de 17 para 18 de março de 2018. No final de dezembro, as autoridades proibiram todas as reuniões, prenderam dezenas de pessoas e enviaram unidades policiais especiais para expulsar aqueles que ainda queriam colocar velas na neve. Há muito apoiado pelos ocidentais, Dodik3 não hesita em denunciar qualquer crítica a seu poder como uma tentativa de “desestabilização” da entidade sérvia. A estratégia é compartilhada pelos partidos nacionalistas bósnios e croatas: todos entram em acordo para fomentar crises permanentes, fazendo reinar um clima de medo cujo único propósito é marginalizar qualquer protesto.
Os cidadãos de todos os países dos Bálcãs estão cansados dessa retórica nacionalista e bélica. Desde o movimento dos plenums na Bósnia e Herzegovina em 20144 até o início da não concretizada “revolução das cores” na Macedônia em 2016, a mesma aspiração profunda é expressa em todos os lugares: o fim da marginalização econômica e social na Europa e a possibilidade de viver decentemente em seu país. Porque o êxodo continua. Muitos sonham em ir para a Europa Ocidental, mas têm de parar na Hungria, na Eslováquia ou na República Tcheca, países que se transformaram nos últimos anos em periferias manufatureiras, com a proliferação de fábricas terceirizadas oferecendo aos empresários ocidentais salários reduzidos e uma lei trabalhista muito “flexível”… A revolta contra essas políticas poderia muito bem se espalhar por toda essa região, cujos cidadãos não suportam mais ser vistos como europeus de segunda classe, destinados à exploração e condenados ao declínio.
*Jean-Arnault Dérens e Simon Rico são jornalistas no Courrier des Balkans.
1 Ler Jean-Arnault Dérens e Laurent Geslin, “Cet exode qui dépeuple les Balkans” [O êxodo que despovoa os Bálcãs], Le Monde Diplomatique, jun. 2018.
2 Cf. Nikola Radić, “Serbie: les Sud-Coréens de Yura (re)délocalisent en Albanie [Sérvia: os sul-coreanos de Yura transferem suas empresas (de novo) da Albânia], Le Courrier des Balkans, 26 set. 2018.
3 Presidente da Republika Srpska de 2010 a 2018, Milorad Dodik foi eleito membro da presidência colegiada da Bósnia e Herzegovina em outubro de 2018, mas continua a ser o senhor indiscutível da entidade sérvia, mesmo não mais exercendo um mandato eletivo.
4 Ler Jean-Arnault Dérens, “La Bosnie enfin unie… contre les privatisations” [A Bósnia finalmente unida… contra as privatizações], Le Monde Diplomatique, mar. 2014.