Risco de extinção da Amazônia?
A Amazônia teve recorde de desmatamento em abril passado, com mais 1.000 km2 derrubados. Dados do Inpe mostram um salto de 74% em relação a abril do ano passado
Estudo publicado em 7 de março na revista Nature Climate Change afirma que a Amazônia se aproxima de um ponto em que a devastação será irreversível, ou seja, um “ponto de não retorno” ( Boulton, C.A., Lenton, T.M. & Boers, N. Pronounced loss of Amazon rainforest resilience since the early 2000s. Nat. Clim. Chang. 12, 271–278 (2022).
Segundo a pesquisa da Nature Climate Change, a resiliência da floresta amazônica às mudanças do clima e às mudanças no uso da terra é crucial para a biodiversidade, o clima regional e o ciclo global do carbono. O desmatamento e as mudanças climáticas, por meio do aumento da duração da estação seca e da frequência das secas, podem já ter empurrado a Amazônia para perto de um limiar crítico de extinção da floresta tropical. Mais de três quartos da floresta amazônica vêm perdendo resiliência desde o início dos anos 2000, o que sugere uma transição crítica. A resiliência está sendo perdida mais rapidamente em regiões com menos chuvas e em partes da floresta tropical que estão mais próximas da atividade humana. A perda de resiliência significa que a floresta amazônica está arriscada a morrer, o que produzirá profundas implicações para a biodiversidade, armazenamento de carbono e mudanças climáticas em escala global.
A pesquisa se concentrou na degradação entre 1991 e 2016. A conclusão é que mais de 75% da floresta vem perdendo poder de se regenerar depois de períodos de perturbação, como secas prolongadas. Até mesmo áreas densas em vegetação têm sofrido. O estudo demonstra que a Amazônia corre sério risco de extinção. A partir de certo nível de desmatamento, a floresta provavelmente perderia a capacidade de se recompor e entraria em autodestruição, sem que nenhuma ação humana pudesse reverter seu destino. Não haveria árvores suficientes para manter o atual regime de chuvas.
Mais da metade da atual floresta pode virar cerrado, com enorme impacto na biodiversidade, no clima, na economia e no modo de vida, e não apenas dentro do Brasil. Originalmente, a floresta ocupava 4 milhões de quilômetros quadrados do território brasileiro. Cerca de 17% já foram desmatados. Estimativas anteriores sugeriam que o “ponto de não retorno” seria alcançado quando se chegasse a 25% de destruição. A pesquisa da Nature Climate Change sugere que talvez o limite esteja mais próximo.
As consequências da transformação da floresta em cerrado são aterradoras. O lugar que abriga 15% da biodiversidade da Terra seria palco da extinção de incontáveis espécies. Em vez de absorver CO2, a região passaria a emitir bilhões de toneladas de carbono, pondo em risco as metas globais de redução de emissões. O regime de chuvas no Brasil e países vizinhos seria transformado com a alteração dos “rios voadores”, umidade gerada na Amazônia que circula pela atmosfera. O impacto na agricultura e na pecuária seria devastador. A região Sudeste do Brasil, situada na mesma latitude do deserto de Atacama, no Chile, sem o benefício dos “rios voadores”, provenientes da Amazônia, estaria ameaçada de se transformar numa savana e, tendencialmente, num deserto. As consequências seriam catastróficas, como não é difícil imaginar.
Um estudo publicado em 24 de março na revista Frontiers in Forests and Global Change, sob o título “The Unseen Effects of Deforestation: Biophysical Effects on Climate”, assinado por Deborah Lawrence e outros cientistas, demonstra que as florestas tropicais contribuem para diminuir a temperatura global em mais de 1º C. 70% desse efeito se deve ao fato de que essas florestas estocam muito carbono. Com a queima ou desmatamento, um volume enorme de CO2 é liberado, agravando o efeito estufa. Os outros 30% do resfriamento se devem a efeitos biofísicos, como evapotranspiração das plantas. Assim, a Amazônia, que no passado foi equivocadamente chamada de “pulmão do mundo”, pode muito bem ser considerada “ar condicionado do planeta”. Para evitar esse futuro apocalíptico, o desmatamento estimulado pelo governo Bolsonaro precisa ser interrompido. O Brasil já reduziu de forma considerável a destruição da floresta no passado, durante os governos do PT. Nos últimos anos, durante o governo Temer e, principalmente, no governo Bolsonaro, houve um grande retrocesso, com aumento considerável das áreas desmatadas.
Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), publicado em 2 de fevereiro, o desmatamento na Amazônia cresceu quase 57% durante o governo Bolsonaro. E, nas áreas destruídas no último triênio, as terras indígenas tiveram aumento de 150%, o que equivale a 1.255 km². Os grandes vilões são o agronegócio, a mineração e, principalmente, a pecuária. A cadeia de produção de carne na Amazônia ignora acordos: cai a floresta, cresce o pasto. Segundo o Greenpeace, em 2009, os três maiores frigoríficos que atuam na Amazônia – JBS, Marfrig e Minerva – assinaram junto ao Ministério Público Federal um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e aderiram aos “Critérios Mínimos para operações com gado e produtos bovinos em escala industrial no bioma Amazônia”. Na prática, eles se comprometeram a desenvolver sistemas de monitoramento para excluir de suas listas de fornecedores as fazendas que continuavam desmatando, que usavam mão de obra escrava ou que estivessem invadindo áreas protegidas. Alguns avanços foram notáveis para uma indústria que, até então, nunca havia se responsabilizado pelos crimes ambientais que ocorriam em sua cadeia produtiva. Mas uma pecuária livre de desmatamento ainda é um sonho muito distante.
A elite brasileira, em sua cobiça e ignorância, acha que desmatar floresta é “progresso”,
é “crescimento econômico”. A maioria dos militares também reza essa ladainha. Só pensam em termos de ocupação territorial. Desconhecem os estudos econômicos que, desde os anos 90 do século passado, demonstraram que a floresta em pé vale mais do que abatida, em termos de produção econômica. Isso sem falar na riqueza da biodiversidade perdida com a destruição da floresta, ou nas enchentes, deslizamentos, secas e geadas provocadas pelas variações de temperatura. Além disso, muitos cientistas já demonstraram que a floresta desmatada libera vírus que atingem animais e seres humanos.
Quando Chico Mendes foi assassinado, em 22 de dezembro de 1988, muitos militares e empresários se alegraram, pois ele era “contra o desenvolvimento do Brasil”. O conceito militar de soberania é arcaico, puramente territorial. Se o capital estrangeiro comprar toda a Amazônia ou qualquer parte do território nacional, os militares não se incomodam. Mas se um país vizinho invadir 10 cm do território nacional, será considerado invasão estrangeira.
Mas aumenta a cada dia a pressão, endógena e exógena, em favor da proteção do meio ambiente. Tratados internacionais no âmbito da ONU, em decorrência das diversas Conferências das Partes – como a COP-26 realizada em Glasgow, em novembro de 2021 – pressionam os países signatários a adotar políticas de conservação ambiental.
A esperança são os novos ventos que soprarão a partir da eleição de outubro de 2022. O novo governo, esperamos todos, adotará políticas públicas de sustentabilidade e proteção ambiental.