Salários dignos estão relacionados à saúde mental dos trabalhadores
Empresas têm papel de relevância ao adotar e pagar uma remuneração que possibilite aos funcionários gozar uma vida além da sobrevivência, permitindo-lhes interações em sociedade com qualidade quanto a questões psicossociais
É por meio do trabalho remunerado que os operários têm a possibilidade de assegurar – para si e seus familiares – condições próprias da vida em sociedade: habitação, saúde, alimentação, descanso e lazer. Estes são temas previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Constituição Federal brasileira. Considera-se o salário justo um direito fundamental da CF.
Contudo, a realidade destoa-se do que prevê a Carta Magna da nação. Conforme os dados do Banco Mundial, o Brasil está entre os dez países com maior desigualdade de renda do planeta, herança do seu processo histórico marcado pela escravidão e exploração laboral de povos indígenas, que foram, aos poucos, dizimados. Cerca de um terço da população vive em domicílios cuja renda por pessoa é insuficiente para comprar sequer uma cesta básica, em qualquer das 27 capitais brasileiras, segundo o Mapa da Nova Pobreza, divulgado pela FGV. Parte da nossa população vive em condições de extrema miséria, vilipendiada de situações básicas e do bem-estar social, fazendo do direito por alimento uma luta diária.
Mesmo para as pessoas que conquistaram um emprego formal, abastando-se um pouco mais diante daqueles que as cercam, a desproporcionalidade dos salários contrasta com a batalha constante para se ajustar à rotina e aos altos custos demandados pela modernidade. O poder de compra cai enquanto o valor de itens básicos de alimentos, transporte, saúde e habitação cresce vertiginosamente. A precarização financeira está cada vez mais evidente, em nossos dias, com níveis de endividamento e inadimplência que alcançam recordes históricos.
Temos de questionar se a renda atende às necessidades básicas
Primeiro: o que vem a ser um ordenado merecido? Apesar de parecer redundante, a resposta é: aquela remuneração que permite ao indivíduo gozar uma vida digna em sociedade, proporcionando-lhe meios existenciais que estejam além do valor mínimo necessário à aquisição de bens e serviços básicos à sobrevivência humana. Incluem-se nisso momentos de descanso e lazer e a chance de aspirar à ascensão social. Consideram-se também o poder da reserva e da segurança financeira (uma futura previdência) para estar preparado para adversidades futuras.
Estima-se que a renda ideal para o brasileiro está em torno de R$ 3 mil; mais do que o dobro do salário mínimo (R$ 1,3 mil).
Salário digno e saúde mental
A dignidade está associada diretamente a outra questão essencial para a humanidade: a saúde mental. No mundo, o Brasil desponta como o país com maior número de pessoas com transtornos de ansiedade, segundo a OMS. Antes da pandemia, 19 milhões de pessoas já sofriam com a doença. O isolamento social ampliou os casos em cerca de 25%, principalmente entre jovens e mulheres.
Estão entre os maiores fatores de risco: situações de assédio, bullying, excesso de trabalho, jornadas inflexíveis e ameaça de desemprego. Quando a contraprestação ao trabalho é insuficiente para atender às necessidades familiares, o índice de transtornos aumenta.
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O que fazer para melhorar?
A pauta de saúde mental deve fazer parte da rotina das empresas por causa da relevância que tem adquirido.
Estas precisam estimular discussões sobre a questão propiciando planos de ação para construir um ambiente saudável e produtivo no trabalho. Deve ser ofertado apoio especializado para “aconselhamento” e “entendimento” aos funcionários. Deve haver organização de campanhas para reduzir estigmas e preconceitos em relação a transtornos mentais. Deve haver promoção de ação a fim de melhorar a qualidade das questões psicossociais.
Dá para fazer mais
Além de gerar oportunidades, o setor empresarial tem papel fundamental na garantia de uma renda digna e nas boas condições de saúde mental àqueles que lhe entregam o suor de seu labor.
É preciso que esse setor tenha em sua mente que – além de justa recompensa – a remuneração digna é inerente às demandas sociais e individuais fundamentais, demonstrando por esses meios um compromisso público de uma sociedade justa e em equidade.
Isto representa uma mudança radical de mentalidade do empresariado o qual precisa enxergar e crer que uma sociedade igualitária é pressuposta de justiça social e, consequentemente, do próprio desenvolvimento econômico do país. A prática lhes dota de maior poder de consumo e lhes permite ter acesso a bens e serviços essenciais para uma vida com padrões adequados de conforto e felicidade. Dados da Organização Mundial do Trabalho (OMT) revelam que, no mundo, apenas 19% dos assalariados com vínculo formal recebem o suficiente para garantir a própria subsistência e a da família, não podendo, portanto, garantir para si uma vida digna.
As instituições cada vez mais assumem a responsabilidade ao se posicionarem quanto às obrigações que antes eram delegadas somente pelo Estado. Isso representa um engajamento maior sobre as questões sociais e o bem-estar individual dos seus funcionários.
E para que o desempenho do salário digno seja efetivo, devem ser avaliados ainda critérios como educação, desempenho profissional e pessoal dos empregados.
O movimento Salário Digno do Pacto Global da Organização das Nações Unidas busca unir empresas que assumam até 2030 o compromisso de remunerar seus trabalhadores e contratados terceirizados com salários dignos compatíveis com a demanda necessária para uma vida decente em sociedade. E para que haja conformidade durante o processo, preveem-se quatro pilares básicos de atuação: o engajamento da alta liderança das empresas, a construção de capacidade, o engajamento de stakeholders e o monitoramento e o compartilhamento de boas práticas.
Espera-se que as empresas adotem medidas efetivas de saúde mental corporativas, desenvolvendo ambientes psicologicamente seguros e que influenciem na vida de quem trabalha neles.
Alex Araujo é CEO da 4 Life Prime Saúde.